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30 de março de 2011

Não Estou Lá (2007)

Um filme de Todd Haynes com Cate Blanchett, Heath Ledger e Marcus Carl Franklin.

Quem nós somos? Há muito tempo diversas áreas das ciências humanas vêm tentando descobrir o que é o complexo ser humano. Há quem o defina como pecado, há quem o defina como miséria, há quem o defina como razão, há quem o defina como libido. Mas é impossível definir esse ser numa só palavra, já que estamos em constante mudança. Como dizia Heráclito, o "devir" controla nós e tudo a nossa volta para sofrermos uma transformação a cada momento. O eu de hoje não é o mesmo eu de ontem e nem será o mesmo eu de amanhã, algo há de mudar. Sendo assim, uma definição se torna difícil para essa criatura movida por um ciclo de mutações. Não Estou Lá é a prova disso: como se faz para definir algo tão efêmero?
O filme é uma biografia das diversas fases do cantor e compositor Bob Dylan, e consegue se segurar sem sequer citar o nome do homenageado. Temos Woody Guthrie (Marcus Carl Franklin), um garoto negro de 11 anos que anda pelo mundo com sua "máquina de matar fascistas"; Arthur Rimbaud (Ben Whishaw), um homem com respostas subjetivas que está sendo interrogado; Jack Rollins (Christian Bale), um cantor de folk no fim de sua carreira após aparecer, bêbado, para receber um prêmio; Robbie Clark (Heath Ledger), um ator que encena Jack Rollins em seus anos áureos, mas enfrenta no seu dia a dia uma relação conturbada com sua esposa Claire (Charlotte Gainsbourg); Jude Quinn (Cate Blanchett) é um cantor de folk atual cuja banda se rende ao rock, não agradando boa parte dos fãs ao verem que a sonoridade não é a mesma; e temos Billy the Kid (Richard Gere), um homem solitário que vai contra os caminhos da sociedade.
As atuações completam o filme em sua duração. Todas as 6 distintas personalidades de Bob Dylan entram em harmonia ao decorrer das histórias. Richard Gere faz a parte de Bob Dylan escondida do mundo, soterrada atrás de uma máscara para não chamar a atenção das luzes que antes o perseguiam. E ele, com toda a sua calma atribuída ao personagem, tira de letra. Ben Whishaw é a personalidade poética do ídolo folk. O vemos parafraseando, com o visual e a fala expressando rebeldia jovem, falas de Bob Dylan mescladas com o lirismo do verdadeiro poeta Arthur Rimbaud em seus diálogos. Marcus Carl Franklin, o pequeno garoto de 11 anos, tem uma das melhores atuações do longa. Ele, com um típico sotaque sulista, faz um menino encantado e nômade, que vaga pelo mundo apenas levando sua música consigo e sua atitude mais verdadeira do que muitos adultos. É impossível não se encantar com o caráter do menino e a atmosfera que ele traz ao entrar em cena é única.
Heath Ledger faz a vida pessoal de Dylan ao criar um conflito dentro de casa com a mulher e, após isso, voltar para assinar os papéis de divórcio. Além do mais, o Dylan/Ledger faz uma antítese ao Dylan/Gere: enquanto o último foge da atenção do mundo, se escondendo numa casa pequena, o outro aparece e tem uma vida pública, tanto que o assédio de fotógrafos é representado com força aqui. Christian Bale representa a reviravolta religiosa na vida de Bob Dylan, quando ele próprio virou um pastor após ter noção de sua vida conturbada. Através de um estilo documentário, narrado em grande parte por Julianne Moore, a vida de Dylan se transforma na pregação do arrependimento de atitudes ofensivas e da propagação de tamanha rebeldia influenciada pelo caos trazido do ramo musical. E por falar em caos, temos a melhor atuação do filme. Cate Blanchett é a única mulher representando Dylan e talvez esse seja o fator para ser o personagem mais agradável. A ironia presente nessa fase de Dylan é deliciosa e suas críticas e alfinetadas são feitas para um público satisfeito se encher com sorrisinhos na cara. A fase crítica de Dylan, representada no caos envolvendo as drogas, o rock n' roll e o sexo, é forte e é a ideia mais estereotipada que o povo tem de um astro do rock.
Com a mudança dos personagens, a estética das cenas também muda. Enquanto as cenas de Heath Ledger apresentam fotografia escura e ritmo mais lento, caracterizando a melancolia do término de um romance, as cenas de Cate Blanchett acontecem, embora com a tela em preto e branco, com maior rapidez e numa narrativa composta por várias metáforas retratando o espírito rebelde e contestador de suas letras e de sua atitude nos anos que foram se seguindo. As metáforas estão presentes em toda a obra, algumas através da linguagem de Ben Whishaw na composição do seu personagem, outras na transição de um Dylan para o outro, outras ainda feitas num contraste entre a trilha sonora, composta por hits como Like a Rolling Stone e Knocking on Heaven's Door, e as cenas. As cenas, fortes cada uma a sua maneira, compõem o clímax do filme que não parece ter fim, ainda mais quando começamos com um acidente de moto e terminamos com um elo entre passado e futuro.
Por mais que o filme tenha atuações mais do que excelentes, um caráter moral e crítico presente na biografia do ídolo folk que é apresentado ao longo de suas diversas personalidades, um visual belíssimo, que varia de um bar sujo até o enclausuramento do mundo, Não Estou Lá não cumpre o que promete. Faz muito mais do que isso. Ao invés de mostrar um filme de Bob Dylan, ele mostra a essência de um humano em suas diversas fases, de um humano camaleão que serve de exemplo para a sociedade se embasar em suas teorias sociais, em suas frases desbocadas e em seu estilo de vida que é propício a qualquer novo caminho. A mudança constante é que nomeia a película, não estou lá porque aquele não sou eu, aquele era eu. É um filme metafórico que entrega um espírito em sua duração. Ser o espírito de Bob Dylan é uma consequência e um atrativo a mais para tornar Não Estou Lá em um filme imperdível.
NOTA: 9

25 de março de 2011

Carrie, A Estranha (1976)

Um filme de Brian DePalma com Sissy Spacek, John Travolta e Piper Laurie.

Não há adolescente que não queira uma vida normal. Por mais que nessa época os jovens reclamem demais por uma vida boa que eles insistem em estragar, nunca vi algum garoto ou garota atualmente que se veja melhor sozinho, sem amigos, sem convivência com os outros. A convivência e as relações são importantes na vida de um estudante, já que são essas amizades que mais perduram na vida. Além do mais, nesse período de grandes descobertas, o jovem precisa de um ponto de apoio, ou a coisa mais fácil é o adolescente em questão entrar num surto existencialista causado por dúvidas e falta de afeto. Se não conseguir estabelecer essas relações de confiança já chega a ser difícil, imagine quando essa dificuldade é alvo de uma humilhação constante que parece ser infinita? Ainda mais, imagine quando não há um apoio nem dentro da própria família? Bem vindos à terrível vida de Carrie.
Carrie White (Sissy Spacek) é uma menina que não chega a ser diferente das outras, mas é levada a acreditar nisso graças ao bullying que sofre dentro da escola. Ela é tímida, introspectiva, frágil e desorientada, já que seu exemplo mais forte é a mãe, Margaret White (Piper Laurie), uma fanática religiosa que chega a ser violenta para que a filha cumpra suas preces e ore com fervor. Para completar a confusão que é sua vida, recheada de humilhação no ambiente escolar e familiar, Carrie tem poderes telecinéticos, e ninguém suspeita deles - ou de o quanto eles ficam fortes quando movidos pelo ódio.
Algumas pessoas tomam Carrie como a principal vilã do filme, uma garota perturbada e balançada por viver no seu mundo e não conseguir chegar perto do próximo. Carrie chega bem longe disso. O principal vilão de Carrie, A Estranha é o preconceito. O preconceito gerador de bullying, o preconceito gerador da ignorância, o preconceito gerador do medo. A câmera de Brian DePalma e a atuação excelente de Spacek nos mostra isso a cada segundo desse clássico do terror: sentimos pena de Carrie, por mais que ela se mostre vingativa e destrutiva, sentimos compaixão, sentimos alegria, sentimos ódio por quem a humilhou. Até admitimos o trágico final e gostamos do que vemos nas últimas cenas. Carrie é a vítima de tudo porque sua personagem exala inocência. A cena que antecede o fim, onde Carrie finalmente se encontra feliz pela primeira vez em sua vida, onde ela vê amigos e não conhecidos, onde ela vê esperança e não dúvida, é tocante ao extremo em todos os aspectos.
A alienação religiosa é feita de um modo bastante metafórico e de uma força de interpretação incrível de uma ótima Piper Laurie. Até que ponto Jesus salva? Afinal, essa luz divina abre nossos olhos ou nos cega completamente? O extremismo religioso faz com que uma mãe se culpe o tempo inteiro por ter uma filha, resultado de um ato pecaminoso, e coloque o peso de uma heresia nessa filha, de forma que ela seja quase crucificada pelo simples fato de existir. Através da repressão e de uma ditadura familiar, ela toma as rédeas da casa e faz o que quer, trancafiando a própria filha num quarto minúsculo para que ela se redima em relação à deus. E o filme ainda mostra mais: num reino escolar, por mais que existam câmeras em cada corredor, os adolescentes vão ser e permanecer cruéis até onde for possível. Não há escrúpulos para esses jovens que se acham imortais e no direito de agir com ignorância para qualquer um. Adultos crescem ranzinzas com vidas medíocres graças ao que receberam na época de estudantes. A telecinese, no fim, não é um dom divino ou satânico concedido para a menina. É fruto de uma vida frustrada por todos os lados.
A direção segura de Brian DePalma transforma Carrie, A Estranha nesse clássico que é atualmente. Transitando entre diversos planos e ângulos de uma câmera intimista, mostrando aos poucos o universo onde a protagonista se esconde, através de uma divisão da tela para que o caos de Carrie reine em mais de uma visão, DePalma cria um show de horrores na tela. Parte desse show vem de poderes fortes nas mãos de uma garota estranha e instável, que após sofrer a humilhação do mundo decide dar o troco. O resto do espetáculo fica com a censura de uma adolescente absolutamente normal. Betty Buckley, que faz uma professora preocupada com a atitude das outras pessoas para com Carrie, mostra o quanto esse espetáculo chega a ser horrível, já que ela bate numa tecla que volta com mais força. O limite do ser humano é a morte, já que em vida ele não consegue achar seus próprios limites para a precaução.
Preconceito, medo, bullying, humilhação. Essas palavras podem estar presentes no dia-a-dia de cada pessoa, pessoas que guardam inconscientemente um trauma correspondente dessas ações infames. Uma brincadeira pode gerar uma chacina no fim das contas. Essa temática forte misturada com atuações estupendas de Sissy Spacek e Piper Laurie, junto com uma estética e direção impecáveis e um roteiro excelente, escrito originalmente por Stephen King, gerou Carrie, A Estranha. O filme é simples: bailes de formatura, vida escolar, problemas em casa. Mas só mesmo uma combinação dessas com o suspense para transformar um filme de Sessão da Tarde num terror atemporal.
NOTA: 8

21 de março de 2011

Irreversível (2002)

NOTA: 10
Depois de destruir o que há pela frente, o tempo fica irreversível. Antes de ele chegar, você pode muito bem escolher ações pensando ou não pensando em consequências, cada uma mais imprevisível que a outra. Mas depois não coloque o problema no tempo. O filme reverte situações irreversíveis como o abuso sexual e a violência gratuita resultante de sentimentos à flor da pele. O grande vilão do filme é o próprio ser humano, culpado por suas escolhas, culpado por suas ações. A ordem dos fatores não altera o produto, certo? Irreversível não teria o mesmo peso se sua linearidade fosse normal. De trás pra frente, há a visão das consequências para depois vermos as escolhas darem errado, e não há absolutamente nada que possamos fazer. Noé substituí a surpresa pela crueldade, e dá certo. E assim o filme termina, em meio a cenas cruéis e necessárias que acontecem a todo canto com uma frequência banalizada. Termina exatamente como se começa. O tempo destrói tudo.
O tempo acaba por destruir tudo, como já nos avisaram no início da sessão. O clímax do filme só confirma essa afirmação. O sentimento de repugnância pela nossa semelhança está lá. Quem está atrás do submundo francês, quem está por trás de estupros e assassinatos, quem está atrás da prostituição, quem está atrás da violência é o próprio ser humano. Uma pessoa semelhante ao espectador que comete uma violação retratada em 11 longos minutos na cena chave de Irreversível. Isso fica bastante claro, já que sabemos o tempo inteiro que o estuprador tem uma cara, um rosto, um nome e que faz isso pelo puro prazer pessoal. Com reviravoltas, o público acaba por ter pena do monstro que acaba por virar pessoa. Irreversível tinha chances para ser um filme extremamente simples sobre vingança. Um roteiro fácil sobre o ódio do estupro pode resultar nisso. Mas com a construção dos personagens de forma forte e a direção intimidante de Gaspar Noé ao criar sensações de vertigem e cenas doentias, o filme se torna algo a mais para ser visto, por mais que grande parte não consiga entender o peso real de um assassinato e de um estupro de modo explícito aqui.
O filme é intimidante e desconfortável. Submetido à tamanho desconforto, qual a primeira emoção que o público sente no fim da sessão? Através da linearidade alterada, de atuações ferozes, de uma câmera manual que se sacode e atravessa pontos para dar mais realidade, e de uma explosão de luzes e imagens envolvendo sexo explícito, consumo de drogas, sodomia, masturbação e violência, Noé faz de tudo para o espectador de Irreversível se sentir desconfortável o suficiente para abandonar o filme nos primeiros minutos. O brilho emitido sem cortes, os planos utilizados por inversão, os créditos iniciais acompanhados de sons como tiros, o desconforto fica aparente na filmagem do diretor. Há, para aumentar essa sensação nauseante nos mais fortes, duas cenas que conseguem chocar o público inteiro, ambas mostradas através de longa-sequências e de um ângulo usado de modo a permitir a entrada das pessoas no ambiente degradante do filme. Luzes estroboscópicas e gemidos agudos, misturados com uma escuridão confusa iluminada por uma luz vermelha bruxuleante, já dão náuseas suficientes para quem vê a película. Seria desagradável se tudo isso fosse em vão, ainda bem que Noé sabe administrar suas cenas com crueza e ódio dignos.
Não se espera aqui um relato amarrado sobre o estupro, não se espera aqui um filme cruel sobre a violência, se espera aqui a realidade do ser humano. Se ele é cruel ou deixa de ser, se o estupro é hediondo ou necessário, isso se torna extremamente relativo na mente em que essas ideias são armazenadas. Gaspar Noé cria aqui um ambiente ambíguo. Você é capaz de qualquer coisa se submetido a certas situações, e o diretor prova isso na personalidade tanto de Cassel quanto de Dupontel. Marcus, personagem de Vincent Cassel, começa o filme irracionalmente violento, beirando suas emoções que estavam presas em sua garganta. Mas ao longo do filme ele se mostra um romântico bobo como qualquer outro. Qualquer romântico pode se tornar, numa questão de horas, em uma máquina mortífera? O tempo que diz, veja o que aconteceu nessas horas pra depois ter suas perguntas respondidas. Pierre, personagem de Dupontel, começa o longa metragem numa cena que beira tanto a crueldade que ele pode ser interpretado, erroneamente, como um psicopata. Mas, chegando ao fim, o personagem dele é tão tímido e tão manso que não dá para se acreditar que é a mesma pessoa retratada em ambos os momentos.
De trás para frente, o filme mostra ódio e vingança que podem parecer sem sentido para os espectadores, mas vai se revelando cada vez mais realista à medida que o filme avança para seu desfecho e a trama para seu início. Marcus (Vincent Cassel) é um homem boêmio, apaixonado por sua namorada Alex (Monica Belucci), que vai até o fim do mundo por ela, e prova isso. Junto com Pierre (Albert Dupontel), ele sai, por ruas parisienses, atrás do homem que espancou e estuprou Alex em busca da justiça feita pelas próprias mãos.
O tempo destrói tudo. Assim começamos Irreversível, a obra de linearidade alterada que deu mais notoriedade para o diretor argentino Gaspar Noé, já responsável por vários curtas e pelo premiado longa Sozinho Contra Todos, todos trabalhando com as mais diversas emoções para um público sedento por um sentimento, seja ele qual for. Noé trabalha aqui usando o tempo como o principal fator da discórdia e do conflito, pois sentimos no filme primeiramente a ação para depois sabermos do motivo. E é assim, de trás para frente, que o filme segue, dando lugar ao amor, à repulsa, ao ódio e à vingança. Mas fique preparado, Irreversível te bombardeia com emoções extremistas e você tem que aceitá-las do melhor modo possível para então compreender o que vem depois - e então, sentir o mesmo que os personagens da tela sentem.

Um filme de Gaspar Noé com Vincent Cassel, Monica Bellucci e Albert Dupontel.

16 de março de 2011

Los Angeles - Cidade Proibida (1997)

Um filme de Curtis Hanson com Russell Crowe, Guy Pearce, Kevin Spacey e Kim Basinger.

Não culpe sistemas. Eles podem até ser perfeitos e podem até funcionar na teoria. Culpe pessoas, pois elas contribuem para o mal-andamento desse. Los Angeles - Cidade Proibida é uma obra que consegue colocar na tela uma trama muitíssimo bem construída, primando pelo sucesso de sua história que conta com uma rede de intrigas bem posicionadas na cidades dos anjos, mostrando que nem tudo aí lembra o paraíso. A história e o ritmo envolvente contagiam o espectador e fazem as horas de duração passarem em minutos, ainda contando com uma riqueza de detalhes nas sucessivas cenas e atuações bastante competentes colocando uma fama luxuosa numa cidade perigosa e recriando um cenário noir em meio à máfia e a violência típica dos anos 50.
Bud White (Russell Crowe) é um policial durão que age sem esconder toda a violência e a brutalidade dentro de sua personalidade, mas buscando justiça e sem admitir a violência contra a mulher; Edmund Exley (Guy Pearce) é um jovem policial ambicioso, que busca conseguir seu cargo de detetive e segue, religiosamente, as regras em busca da verdade e do justo, não importando por onde passe; Jack Vincennes (Kevin Spacey), um sargento que se auto-promove através de casos armados em colaboração com o repórter do jornal Hush Hush, Sid Hudgens (Danny DeVito). Esses três policiais com característica distintas, paralelamente, estão envolvidos num esquema envolvendo corrupção, mentiras e uma rede de prostituição com garotas parecidas com atrizes famosas.
Por mais que a história entre numa rede, em nenhum momento o espectador se embola na narrativa, sempre conseguindo acompanhar os fatos que lhe são jogados em tela. O filme ainda conta com uma trilha sonora muito boa, que acentua os momentos marcados pela violência diária e pela sedução da "Cidade dos Anjos"; e uma fotografia clara, em contraste com os aspectos escuros em que o filme adentra até o último momento. Cada cena é preciosa para o bom entendimento, então a atenção é bastante necessária para o mundo de Los Angeles - Cidade Proibida se revelar tão real quanto próximo. Qualquer pessoa pode se corromper na vida e o filme mostra exatamente isso com características distintas em seus personagens, a pérola do filme se concentra em descascar o que parece ser, mas não é, no fundo. O que alguém revela de si mesmo nem sempre é a característica mais forte dessa pessoa, muitas vezes há uma dupla personalidade traiçoeira. A cidade de Los Angeles é um exemplo vivo disso: para quem a vê de fora, é uma cidade famosa por seus cenários paradisíacos, por suas estrelas de cinema, pela realização do sonho americano. Dentro dela é que acontece o universo de drogas, sexo e violência que o filme mostra.
Russell Crowe faz o típico policial misterioso que carrega um fardo nas costas. Sempre há sua motivação baseado em seu passado obscuro, a defesa das mulheres. Por mais que se mostre controlado na maioria das vezes, quando ele presencia uma injustiça contra uma mulher, ele vira outra pessoa. A alteração do seu estado de policial bom para o policial mau é que dá a força para a sua personalidade. Quando uma mulher desconhecida é agredida, ele já transforma-se no defensor feminino pela justiça. Quando a mulher amada é desrespeitada, ele se torna num monstro irracional, trazendo sua justiça de uma forma legal ou vingativa. Kim Basinger, ganhadora do Oscar de atriz coadjuvante, entra em seu papel para representar esse amor e consegue, ainda mais, estabelecer a atmosfera sensual do filme. Ela, que é uma prostituta de luxo sócia de Veronica Lake, transborda o caráter intimista e romântico de Bud White, que revela os seus segredos e traumas após a excitação na cama. Note que, nas cenas em que Basinger aparece, a música aparece junto, dando a impressão de estarmos vendo a verdadeira Veronica Lake, no auge de sua sedução, num filme de época.
Ainda há a boa construção do personagem de um Guy Pearce que, com força, mostra como é o inteligente da delegacia. Ao criar uma atmosfera negativa em torno dele, ele busca em si sua própria definição de justiça para fazê-la virar realidade graças a sua atitude sem escrúpulos para conseguir o que quer. Para ele, não importam pessoas, importam objetivos. Mas isso sem nunca deixar a justiça de lado, já que as mesmas motivações que movem sua ambição movem sua sede por uma justiça que não lhe foi concedida em seu passado. Jack Vincennes, pelo ótimo Kevin Spacey, cria certa diversão ao redor de sua atmosfera de fanfarrão. Por mais que viva ao lado da Homicídios e da Narcóticos, ele prefere o ramo da televisão, junto a fama e as mulheres. Essa sua busca o leva a uma ligação com o editor de uma revista, que o coloca na capa da revista em troca de um sensacionalismo barato ligado a michês e homossexualismo. Essa dupla personalidade, presente em todos os personagens do longa, é o que traz a maior veracidade para o filme. E, para combinar com o cenário e o elenco, o filme também se mostra traiçoeiro em sua reviravolta inesperada, atingindo um clímax contínuo até o seu desfecho.
Com uma história bem montada, Los Angeles - Cidade Proibida cumpre seu papel em ser um ótimo filme. Com atuações pra lá de excelentes (destaque para Kevin Spacey, Russell Crowe e para um James Cromwell que merece uma ressalva), uma atmosfera sombria em meio a chacinas e tiroteios, um suspense policial bem criado em meio ao caos de Los Angeles e um estudo de personagens para criar uma ambiguidade e tirar surpresas de um público atento, o filme não tem pressa em terminar sua lógica e a trama consegue montar o quebra-cabeças sem faltar peça alguma. O filme é uma pérola, é uma pena que um certo navio naufragado tenha apagado o brilho de Los Angeles - um brilho que, assim como a película e a cidade em si, se mostra opaco quando bem revelado.
NOTA: 9

13 de março de 2011

Bruna Surfistinha (2011)

Um filme de Marcus Baldini com Deborah Secco e Cássio Gabus Mendes.

Qual o motivo de tanto estardalhaço ao redor do filme Bruna Surfistinha, feito a partir do diário de uma prostituta? Uma combinação inteligente para atrair público num filme bem feito, mas que não chega a ser uma pérola do cinema nacional. Ao criar no filme uma atmosfera altamente sexual num mundo precário e desordenado já explorado muitíssimas vezes pela cruel indústria cinematográfica, que o mostra com mais crueza ainda; e colocar uma atriz global no papel principal, dona de um dos mais belos corpos da televisão brasileira, o longa metragem vira mais do que uma biografia nas telonas: vira, também, um objeto de consumo para a obtenção de um tesão impregnado no filme, por mais que nenhum aspecto sexual seja exibido de forma explícita no relato da garota de programa.
Pouco antes de seus 18 anos, Raquel Pacheco (Deborah Secco) fugiu de casa para adquirir uma independência que não tinha no ambiente familiar e, sem rumo na vida, vira uma garota de programa de pseudônimo Bruna Surfistinha. Ao dividir suas experiências sexuais num diário mantido num blog, Bruna adquire uma fama instantânea e se torna uma prostituta notória.
A prostituição é trabalhada de uma forma bastante convencional esteticamente no longa, por mais que a abordagem, em geral, chegue a ser diferente. O mundo da prostituição é retratado na mais pura decadência, repleto de uma malícia verdadeira, e criando um paralelo ao mundo das drogas. Mas, diferentemente de outros filmes que usam do tema para fazer uma crítica e mostrar a todos que a venda do corpo é um caminho perdido e pecaminoso, Bruna Surfistinha mostra que prostituição é um caminho como qualquer outro. Nas quase 2 horas de duração, Bruna luta, com uma vontade ferrenha, para adquirir tanto um respeito em meio a sua decadência, seguindo seus próprios instintos, e sua independência financeira. Porém, é sempre bom se lembrar que a cada caminho que se toma, ninguém está livre das consequências provindas daí. As motivações da protagonista se perdem em meio à narrativa. Suas explicações para as ações subsequentes são insuficientes e não conseguem convencer um público faminto, ansiando por expectativas.
Deborah Secco mostra aqui que consegue segurar sua atuação em um trabalho duplo, primeiro mostrando insegurança, depois exalando sexualidade. Nos primeiros minutos do filme, Raquel era uma menina fechada e introspectiva, usando roupas longas que escondiam seu corpo e uma franja que escondia seu belo rosto marcado por seu passado injusto - em sua própria visão de mundo e razão em relação a sua família adotiva e ao bullying que sofria na escola. Depois, perto do fim, não há mais características daquela menina que aparece no início do filme, há apenas uma mulher que aparenta ser segura, mas está fragilizada internamente devido ao caminho escolhido. Sua personagem tem uma força de vontade imensa dentro de si, isso é inegável. A história de Bruna não é a melhor para se ilustrar e se ter como exemplo, ainda mais porque suas razões são pequenas e sua vida é caótica, por mais que ela apresente um orgulho de seus atos, atos esses que podem taxá-la de ninfomaníaca. Afinal, a busca maior de Bruna é conseguir um dinheiro e se afastar da dependência. Mas quando se pode unir o bom do dinheiro próprio ao agradável do sexo incansável, porque não fazê-lo? Há ainda Cássio Gabus Mendes, que faz o primeiro cliente de Bruna Surfistinha e que tenta tirá-la de sua vida caótica e desordenada, e faz um dos vários contrastes racionais da personagem principal numa atuação segura e firme, por mais que pouco apareça na sessão.
Nesse filme nacional, temos um diretor estreiante que surpreende ao misturar closes e planos para mostrar a sexualidade de forma completamente despojada e banal, temos uma atriz principal que surpreende por sua caracterização na forma de Bruna, temos uma trilha sonora agradável e que coloca ainda mais tons depressivos no filme, ao misturar a tensão das drogas e o ambiente débil da prostituição com a melodia calma e melancólica do Radiohead. Porém, o que o filme mostra não é uma reflexão para as pessoas aprenderem o quanto a vida se prostituindo é árdua, isso fica em segundo plano. O filme é um entretenimento para pessoas que anseiam por sexo e querem ver o mais próximo de Deborah Secco de um nu frontal, já que foge de explicações e conclusões, e mostra, num roteiro que poderia ter sido melhor explorado, uma pessoa instintiva que, por mais que caia, ainda insiste em levar tombos.
NOTA: 5

9 de março de 2011

Reino Animal (2010)

Um filme de David Michôd com James Frecheville, Jacki Weaver e Ben Mendelsohn.

Não são muitos os filmes que se abrem desse modo para o universo da violência e da criminalidade. Alguns, como Laranja Mecânica, criam a ultra violência como forma crítica de uma sociedade perdida, e não têm pudor ao mostrar, de forma explícita, atos de crueldade a sangue frio. Outros, como O Silêncio dos Inocentes, exploram a mente insana de um psicopata e os atos hediondos que ele comete ao seguir à risca seus instintos. Ainda há quem aprofunde a violência pela violência e uma onda de crimes como diversão como forma para a promoção da anarquia, o que foi visto em Clube da LutaReino Animal é um dos filmes mais frígidos que já vi. Ao retratar o mundo da violência em Melbourne, ele aprofunda em suas relações na frieza e cria tanta naturalidade com a mudança constante de lados, com a visão diferente da sociedade e com a inversão de moral que uma cena qualquer de assassinato seria assistida com o mesmo entusiasmo de uma cena piegas de um romance.
Josh Cody (James Frecheville) é um garoto de 17 anos que está assistindo TV ao lado de sua mãe morta, após uma overdose. Ele espera os paramédicos chegarem para constatar o que qualquer um veria: a mãe morreu. Depois, sem saber o que fazer, ele liga para a avó Janine (Jacki Weaver), que consente em levar o garoto para morar com ela e os tios Andrew Cody (Ben Mendelsohn), Craig Cody (Sullivan Stapleton) e Darren Cody (Luke Ford). Com esse novo caminho em sua vida, Josh começa a perceber o quão estranho é esse lado de sua família e começa a se envolver com os conflitos de seus parentes, todos criminosos.
Normalmente, os filmes surpreendem com um roteiro bem construído para dar lugar a atuações fortes que funcionam como uma alavanca, misturando um sentimento real com uma trama bem feita. Os filmes do cenário independente não fogem a regra. Possuem um roteiro mais simples, mas com atuações que conseguem sustentar a trama toda. Temos como exemplo Inverno da Alma, de Debra Garnik, com a atuação maravilhosa de Jennifer Lawrence; Reencontrando a Felicidade, de John Cameron Mitchell, com Nicole Kidman contrastando com Aaron Eckhart em atuações de perder o fôlego; e Namorados Para Sempre, de Derek Cianfrance, com Michelle Williams e Ryan Gosling criando um relacionamento real e perfeito. Todos eles buscam o máximo de sentimentalismo, para comoverem o espectador com a vontade dos atores e atrizes. Reino Animal foge a regra. O filme é tão frio que não se pode buscar sentimentalismo nele, por mais que suas atuações sejam convincentes o bastante e a história seja repleta de metáforas e bem construída. David Michôd, na sua estreia no cinema australiano, segura o filme pela construção das personagens e do roteiro com uma complexidade feita para prender e instigar um público que se emociona, aos poucos, com a frigidez.
A impassividade dos personagens faz com que eles se aprofundem numa crueldade, ao mesmo tempo que confere um ar monótono ao filme, já que nunca há uma surpresa, nunca há uma emoção. Se houver, é indignação do espectador por ser ingênuo ao não acreditar em tamanha hostilidade. Por mais que as relações se estabeleçam dessa maneira, não é possível não se cansar com a realidade mostrada, por mais chocante que seja. Mas, próximo ao desfecho, ocorre uma parte completa de reviravoltas, para tirar do público todo o sentimento maçante que estiver nele e completar com uma tensão feita através do relacionamento de assassinos e criminosos com a polícia civil numa guerra que ocorre no silêncio, para não assustar os cidadãos e transeuntes. Outro fator que aumenta a tensão de Reino Animal são os closes e velocidades de filmagem. Em uma parte ou em outra é impossível deixar de comparar as diversas relações familiares com o de uma manada de leões. A vida na cidade grande é uma selva, e essa selva é o habitat para uma guerra por sobrevivência.
O espectador vira um cúmplice em meio à violência do filme, e tem de ver o drama que gira em torno de Josh, interpretado por um James Frecheville que consegue esconder e liberar suas emoções nos momentos certos, para conseguir transmitir a mensagem do filme. Quando ele passa de sua vida tediosa para uma vida repleta de crimes, é difícil não se corromper. Ele tenta se segurar o máximo na sua monótona vida normal, sustentado por uma relação morna com sua namorada, mas não consegue escapar de ser o alvo dos criminosos. O garoto funciona como o ponto de apoio para a polícia acabar com a selvageria violenta provinda da família criminosa e como um bode expiatório para a família criminosa se safar de suas próprias acusações. Outros pontos fortes e cruciais para o funcionamento do longa metragem (e de uma cadeia alimentar) são Leckie, o personagem de Guy Pearce, um leão que lidera, pacientemente, suas forças contra a matilha inimiga; Andrew, personagem de Ben Mendelsohn, o animal que controla a situação silenciosamente, na calada, e consegue tomar as rédeas da líder quando preciso; e Craig e Darren Cody, Sullivan Stapleton e Luke Ford, que interpretam, respectivamente, um animal inseguro e desconfiado, que não consegue se acalmar, e um animal que beira um ataque de nervos. Ambos se entregam a emoção e se mostram os mais despreparados, psicologicamente, do grupo. Para completar o bando, temos Jacki Weaver, excepcional na matriarca, que sabe reger com calma a segurança do bando, mas que também sabe atacar quando for necessário, e com uma força que só a mãe pode ter. O instinto materno de proteção fica evidente em sua personagem nos primeiros minutos de aparição, quando ela mostra calma defronte a um assassinato e uma relação quase incestuosa de tão protetora e feroz com os filhos.
Um prato cheio para a explicação de uma onde de crimes. Feito com atores frios e calculistas, com um roteiro entrelaçado para amarrar semelhanças e coincidências com as relações existentes entre os seres humanos e os bichos em seus instintos selvagens, e com uma direção ora fria e relaxada, ora cuidadosa e precisa, do estreiante David Michôd, Reino Animal é um daqueles filmes para se sair boquiaberto com tamanho cuidado na elaboração. E a regra do filme segue os mais básicos instintos, já que o filme inteiro é regido através destes. No reino animal, assim como na criminalidade, as coisas funcionam assim: um dia é da caça, mas o outro é do caçador.
NOTA: 9

4 de março de 2011

Don Juan DeMarco (1994)

Um filme de Jeremy Leven com Johnny Depp, Marlon Brandon e Faye Dunaway.

Não há jeito. As pessoas mudam de forma tão inconstante que não se pode mais prever sentimentos. Um romance não necessariamente surge de uma relação de longa data, mas talvez de apenas poucas conversas nos últimos 4 meses. O mundo anda tão bipolar que ele chega a ser inesperado atualmente. Se isso é ruim? Nem um pouco. O ruim é ver pessoas completamente destituídas de emoção ao longo de situações vividas pelos antepassados, ou até pela própria pessoa, que a condenam a uma máscara, não a permitindo revelar seus sentimentos. O romance se tornou segundo plano num mundo de realizações médicas, globalização e capitalismo. Pra quê sentimentos se se possui dinheiro? Não se dá para viver num mundo apenas de amor. E Don Juan DeMarco, filme de 16 anos atrás, permanece bem atual para mostrar que ainda há fagulhas de amor no mundo, e mostrar que quando essas fagulhas atingem certas pessoas, elas causam um belo incêndio.
Don Juan DeMarco (Johnny Depp) é o maior amante do mundo. Ele se encontra em Nova York, vivendo sua vida baseada num romantismo já esquecido em dias atuais. Porém, ele não se contenta em sua vida boêmia, já que, em seu mundo de mulheres, só há uma que lhe interessa, mas que ele não consegue alcançar. Com isso, Don Juan opta pelo suicídio. Mas, o psiquiatra Jack Mickler (Marlon Brando) o convence a mudar de ideia. Com a descoberta desse Don Juan do século XXI, o personagem é internado por 10 dias num hospício para os doutores descobrirem quem está escondido por trás da máscara. Entretanto, com o paciente convicto que é Don Juan DeMarco, ele começa a contagiar Jack e outras pessoas com sua vida e seu sex appeal.
O filme ganha pontos por mostrar aquilo que já cansou nas produções atuais: o amor. Mas não é uma história de amor baseada em fatos rápidos e inacreditáveis, é uma história de amor sobre o verdadeiro rei do amor. Desde criança, Don Juan DeMarco apresentava uma sensualidade e um carisma que lhe conferiram, posteriormente, o título de maior amante do mundo. Mas o amor aí é apenas um dos lados de um dos maiores conflitos da humanidade: seguir uma vida de razão ou de emoções? Enquanto a psicologia em geral classifica o protagonista como um homem esquizofrênico e bastante perturbado, ele próprio se considera a idealização de uma paixão ardente. As armas que cada um possuem? A ciência possui fatos baseados no empirismo, que já se torna mecânico. Don Juan é cativante e apaixonante, possui uma criatividade sem igual e uma vida bastante intensa, o que consegue amansar, aos poucos, os corações mais frios. Aos poucos a relação que já estava esfriada entre o dr. Mickler e sua mulher, interpretada por uma Faye Dunaway que consegue animar as poucas cenas em que participa, se torna cada vez mais viva, graças a uma pitada de romantismo colocada pelo estranho paciente. Don Juan começa a afetar cada vez mais as vidas das pessoas, fazendo-as pregarem mais pelos sentimentos e esquecerem por um momento a razão. Daí que se goza a vida. Os românticos não vivem pensando num ato, mas vivendo-o.
Não há idade para a paixão, então não há porque existir um nojo de um relacionamento entre os mais velhos, ou então uma data de validade para um casamento se tornar frio e forçado. O amor dura enquanto tiver que durar e, se as duas pessoas envolvidas num relacionamento aproveitarem o máximo de uma relação e se entregarem completamente, o amor pode durar para sempre. O mundo atual estraga os sentimentos, fazendo-os parecerem uma ideia primitiva. Um exemplo, explorado pelo filme, é a ideia da estética. As mulheres, cada vez mais preocupadas em parecerem bonitas de um modo artificial, se maqueiam, se vestem, se estragam. Don Juan, romântico incorrigível, não vê defeitos na naturalidade, ele ama uma mulher pelo que ela é e não pelo que ela aparente ser. E é esse o segredo do filme e do maior amante do mundo. Tratando a amada como ela merece ser tratada e vendo dentro da alma dela, atinge-se um prazer maior do que uma enxurrada de palavras bonitas, porém falsas, ou até uma relação sexual cujo objetivo é o prazer, mas que só foi obtida através de uma beleza artificial e não de uma beleza platônica.
A aura sedutora que envolve o belo Don Juan DeMarco, numa atuação deliciosa de Johnny Depp, é como um desejo realizado. Ele é como se a personificação do auge do romantismo estivesse presente no século atual. Imagine, atualmente, o jovem Werther se suicidando por uma bela Charlotte. É um Don Juan nos dias de hoje, sendo incompreendido por intelectuais por não se interessar em conhecimento, e sim em amar. A vontade da ciência de saber quem é o psicótico Don Juan é mais alta do que dar-lhe o verdadeiro diagnóstico: amor. O dr. Jack Mickler, interpretado pelo excelente Marlon Brando numa atuação que cria a comédia e um romance renascido da obra, é o único a saber disso e um dos primeiros a sentir na pele a força atrativa de Don Juan DeMarco. Ele aprende a tirar sua própria máscara de seriedade para revelar o caráter emocional escondido em sua figura. O resto da comédia do filme fica no fato de misturar um personagem de dois séculos atrás num contexto atual e ver como ele se sobressai com os ideais diferentes. O mistério de Don Juan não é desvendado até o fim do filme, mas o público é que decide quem Johnny Depp estava interpretando. Ou Don Juan, para os mais românticos, ou um jovem doente, para os mais realistas. Os cenários paradisíacos, recheados de uma fotografia clara e vermelha, caracterizando a paixão e a luxúria, e de uma trilha sonora tão sedutora quanto o personagem principal, maximizam o tom amoroso da trama.
Freud acertou ao definir o homem como libido. A vontade de ser dominado, o sexual e o sedutor do ser humano é forte. Porém, mais forte do que esse apelo sexual é a vontade de ser amado. O homem contemporâneo sente e ama. Por mais que preguem mais por fatos e por um racionalismo indubitável, ainda sobram sentimentais no mundo, e é graças a eles que há a vivacidade presente em todas as cenas com Johnny Depp no filme Don Juan DeMarco. Bom ver que num mundo onde as pessoas têm vergonha de declarar um amor, outros ainda tem um orgulho digno das emoções. Impossível não se apaixonar.
NOTA: 8

1 de março de 2011

Namorados Para Sempre (2010)

Um filme de Derek Cianfrance com Ryan Gosling e Michelle Williams.

O mundo muda, e com ele as pessoas. Essa mudança, que também afeta as personalidades humanas, acarretou atualmente num público difícil de ser entretido. Cada vez mais os diretores filmam suas cenas com menos pudor para colocar de verdade um sentimento conhecido nas telas. Não se pode esperar que todo mundo seja sentimental o bastante para acreditar numa história de amor cuspida com fórmulas prontas. Nos filmes atuais, há cenas de estupro explícito, de incesto com aprovação parental, de abortos resultantes de uma frieza desumana, de ultra violência, de sexo sem compromisso, de contínuas tomadas de sadomasoquismo e da exploração das mais variadas patologias, para um drama criar repulsa, nojo, indignação, tudo num espectador que vê a vida crua na tela. Daqui há um tempo, a revolta se tornará banal. Mas há algo que começaram a explorar, e explorar bem. Qual a verdadeira fórmula de uma relação amorosa?
O filme é retratado em dois momentos principais. Primeiramente, quando Dean (Ryan Gosling) e Cindy (Michelle Williams) já são casados e tem uma filha. Mas, ao morarem juntos e selarem o matrimônio, as primeiras discussões começam a aparecer entre o pintor e a enfermeira. Depois, o filme mostra o passado, quando ambos eram mais jovens e se conheceram - ela estudando medicina e ele trabalhando para uma empresa de mudanças. Entre os dois momentos vemos, além de brigas entre o casal, uma paixão que é explorada de todos os ângulos possíveis.
O amor aqui é retratado verdadeiramente. O sentimento é explorado através das personalidades fortes dos personagens principais. Cindy é uma jovem e seu caráter só prova isso mais ainda. Ela não se entrega a um amor, ela se entrega a uma paixão, e não consegue aceitar as consequências futuras de seus atos inconsequentes. Ela acredita que o amor já está esgotado, isso ao viver o lado maçante de sua vida. Trabalhando num ambiente hospitalar, ela se torna fria. Dean já leva as coisas com mais seriedade. Ele quer continuar sua paixão com a companheira pois a ama. Ele faz coisas por Cindy com uma força de vontade que eu dificilmente veria em namorados tão fiéis. Ele não acha uma paixão, ele encontra um amor. E seu maior objetivo é reacender esse amor. Há aquele ditado, se um não quer, dois não brigam. Mas isso realmente existe? Depois de viver algo tão forte e achar o significado de uma vida, o objetivo de certa pessoa é manter sua situação, vivendo a cada dia com o que ama. O filme, que conta com uma edição deliciosa, criando planos-sequência baseados em diálogos fortes, e uma fotografia azulada, intensificando tanto os momentos felizes quanto os mais pesados, é forte e envolvente no cenário em que foi criado. Quando quer emocionar, ele realmente emociona.
O sufoco criado entre uma tensão já conhecida em namoros infesta a atmosfera do filme ao envolver diferentes níveis de relacionamento entre uma Michelle Williams, que se deixa levar pelo coração antes de pensar em sua própria vida e a de outra pessoa, e um Ryan Gosling, que encontra o que quer e não admite que, agora que consegue uma finalidade, sua obsessão vá embora depois de tudo o que houve na química dos dois. A força do filme, inteiramente simples, sem precisar de uma trama bem costurada e bem elaborada, fica completamente nos dois. E eles desempenham belíssimamente os 4 papéis. 4 papéis simplesmente porque eles não são os mesmos personagens nos dois momentos retratados no filme. Há uma Cindy de antes e depois, há um Dean de antes e depois e, por mais que ambos conservem características do passado, o presente grita ainda mais forte e os molda de forma que eles consigam o que querem. Mas há uma forma pacífica de ambos conseguirem o que querem mutuamente, sendo esses desejos antagônicos?
Derek Cianfrance é competente a administrar dois atores com tamanha força e interpretação. Ambos poderiam causar um desastre caso a personalidade forte de cada um se chocasse. O diretor, nessa sua estreia no cenário independente, cria uma química. Não uma química feita baseada necessariamente num casal colhendo os frutos de um amor verdadeiro, cria a química de um casal que se apaixonou e viveu intensamente, fazendo de tudo para a emoção não se esgotar. Mas ambos acabam devastados por não conseguirem segurar a situação por mais tempo. O filme inteiro mistura lembranças de forma a criarem um elo com a situação de amor passado e a situação da paixão instável presente. As extremidades do filme, retratadas entre a tolice de dois namorados ingênuos se deparando com sentimentos à flor da pele e a frieza de um casal que já vive junto há 6 anos e tenta reinventar motivos e reencontrar amores, o torna ainda mais tangível e facilmente relacionável com vários relacionamentos atuais baseados na superficialidade do não saber o que se sente.
O que Namorados Para Sempre - a triste tradução de Blue Valentine - faz é mostrar o que vem depois de um felizes para sempre. Não é um conto de fadas, como muitas histórias insistem em ser, é apenas um retrato real do amor atual, é tudo isso feito com primor por um Derek Cianfrance que sabe aproveitar o espaço e os planos de sua filmagem para captar a simplicidade na essência da obra. Como a simplicidade não basta para completar tudo, temos ainda a equipe Williams e Gosling, que completam uma paixão que se revela uma faca de dois gumes à medida que o tempo passa. O amor de namorados pode até durar para sempre, mas quando ele evolui para um compromisso, quem pode prever o futuro dele? Afinal, como confiar nos sentimentos se eles simplesmente desaparecem?
NOTA: 9

Oscar 2011


O Oscar ocorreu domingo, 27 de Fevereiro de 2010. E o Oscar continua o que vem sendo há algum tempo: um desfile de moda, já que a premiação se torna mais importante no tapete vermelho, enquanto a entrega dos prêmios é previsível graças ao terrível conservadorismo da Academia. O Oscar é a mais importante premiação de cinema, mas não a mais confiável, e não falo isso apenas porque não gostei do resultado da noite.
Primeiramente, vou falar não do que aconteceu na premiação, e sim do que não aconteceu. Bravura Indômita, um ótimo filme para ser adicionado na ótima filmografia de Joel e Ethan Coen, não levou um prêmio sequer, nem por fotografia, nem por atriz coadjuvante, que merecia acima de tudo. Depois, houve 127 Horas. Não sei se sou o único que acha que o filme deveria ter ganhado o melhor edição, já que adorei a montagem do longa de Danny Boyle, mas eu estava ao menos crente de que iria ganhar em melhor canção original. Deveria ter lembrado que ele concorre com um filme de animação. Da Disney. Não há como ganhar. Depois, há o que não foi premiado. Ilha do Medo é um filme que eu colocaria fácil na lista de melhores de 2010. Christopher Nolan é um diretor que entraria rapidamente na lista dos melhores. Leonardo DiCaprio poderia ter sido indicado duas vezes, já que tanto em Ilha do Medo quanto em A Origem ele apresenta um ótimo desempenho. Andrew Garfield também poderia figurar entre os coadjuvantes, tanto pelo muitíssimo falado A Rede Social quanto pelo muitíssimo esquecido Não Me Abandone Jamais.
Alguns dos maiores prêmios da noite (totalizando 4 por melhor filme, melhor diretor, melhor ator e melhor roteiro original) foram adquiridos pelo tradicional O Discurso do Rei, um filme que não tem nada de mais, mas que é um prato cheio para o Oscar por ser bem feito em sua realização estética e ser agradável de se ver. Não me surpreende que ele tenha esquecido os não-convencionais Cisne Negro, 127 Horas, Bravura Indômita e A Origem. Estava claro como água que o maior prêmio da noite seria faturado por O Discurso do Rei ou por A Rede Social, mas não esperava que o melhor diretor fosse Tom Hooper. Ao menos David Fincher. Gostei que A Origem ganhou alguma coisa, por mais que somente prêmios técnicos.
Ator, Atriz, Ator Coadjuvante e Atriz Coadjuvante foi super previsível. Ainda não vi O Vencedor, não tenho embasamento para falar dessas duas últimas categorias. Mas senti pena dos atores e atrizes desse ano. Nicole Kidman tem um ótimo desempenho em Reencontrando a Felicidade. Javier Bardem tem uma atuação cruel em Biutiful. Michelle Williams me emocionou e me convenceu em Namorados Para Sempre. James Franco exala tensão em 127 Horas. Anette Bening é uma das chaves da trama bem-humorada de Minhas Mães e Meu Pai. Jeff Bridges, por mais canastrão que seja, faz um ótimo papel em Bravura Indômita. Como a atuação é a chave de Inverno da Alma, Jennifer Lawrence é uma concorrente de peso. E Jesse Eisenberg faz um dos seres mais irritantes e mostra que nem toda a formação de empresas é feita de forma justa em amigável em A Rede Social. Não desmereço os ganhadores, afinal, os melhores e com um trabalho muitíssimo bem feito para as categorias, mas ainda sinto pena dos outros. Se estivessem concorrendo em outros Oscar, poderiam ter ganhado facilmente. Além do mais, não é fácil concorrer com um rei gago e uma bailarina psicologicamente perturbada, interpretados com maestria por Colin Firth e Natalie Portman.
Por fim, nossa parcela nacional no Oscar não ganhou. E me surpreendeu. Esperava, se não um prêmio para Lixo Extraordinário, algo para o tão falado Exit Through The Gift Shop. Ambos são o contrário um do outro. Enquanto o brasileiro reinventa a arte através da reciclagem e reutilização no maior depósito de lixo do mundo, o inglês, ironicamente, critica a arte que vem sendo comercializada. Mas não foi um ano da arte e sim da economia.

MELHOR FILME: O Discurso do Rei
MELHOR DIRETOR: Tom Hooper, por O Discurso do Rei
MELHOR ATOR: Colin Firth, por O Discurso do Rei
MELHOR ATRIZ: Natalie Portman, por Cisne Negro
MELHOR ATOR COADJUVANTE: Christian Bale, por O Vencedor
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE: Melissa Leo, por O Vencedor
MELHOR ROTEIRO ORIGINAL: O Discurso do Rei
MELHOR ROTEIRO ADAPTADO: A Rede Social
MELHOR ANIMAÇÃO: Toy Story 3
MELHOR FILME EM LÍNGUA ESTRANGEIRA: Em Um Mundo Melhor
MELHOR DOCUMENTÁRIO: Inside Job
MELHOR DIREÇÃO DE ARTE: Alice No País das Maravilhas
MELHOR EDIÇÃO: A Rede Social
MELHOR EDIÇÃO DE SOM: A Origem
MELHOR MIXAGEM DE SOM: A Origem
MELHOR MAQUIAGEM: O Lobisomem
MELHOR FIGURINO: Alice No País das Maravilhas
MELHOR FOTOGRAFIA: A Origem
MELHOR ANIMAÇÃO (CURTA): The Lost Thing
MELHOR DOCUMENTÁRIO (CURTA): Strangers No More
MELHORES EFEITOS VISUAIS: A Origem
MELHOR CURTA-METRAGEM: God Of Love
MELHOR TRILHA SONORA: Trent Reznor e Atticus Ross, por A Rede Social
MELHOR CANÇÃO ORIGINAL: "We Belong Together", Toy Story 3