Pages

31 de maio de 2011

As Canções de Amor (2007)

Um filme de Christophe Honoré com Louis Garrel, Chiara Mastroianni e Clotilde Hesme.

Está na hora dos preconceitos serem abandonados. Quando uma forma de amor tão simples e tão natural é exposta, não se deve julgá-la. Algumas pessoas tentam promover a paz, mas como se faz isso quando elas próprias censuram o amor? A união homoafetiva está aí como uma simples prova disso. Se uma forma de amor é tratada com tanta intolerância, isso apenas comprova que o mundo não está preparado para uma coisa tão profunda quanto os sentimentos humanos. A falta de coerência em diálogos de desaprovação é vergonhosa. O amor não pode ser detido, enfim. Então, para se ver essa pérola de Christophe Honoré, o melhor a se fazer é abandonar os preconceitos e deixar o amor prevalecer em tamanhas situações cotidianas, porém apaixonantes.
As Canções de Amor é um musical simplista que mostra de forma ultrarromântica os altos e baixos de um relacionamento não tão comum em Paris. O casal é formado pelo jornalista Ismaël Benoliel (Louis Garrel) e por Julie Pommeraye (Ludivine Sagnier). A diferença está no terceiro elemento do grupo: a também jornalista Alice (Clotilde Hesme) participa desse triângulo amoroso. Ao mesmo tempo que a relação entre Ismaël e Julie esfria, Alice se torna cada vez mais dependente do amor dos dois. Porém, uma infeliz tragédia faz com que os valores amorosos do grupo sejam revistos.
Desde o começo o filme começa a mostrar qual o seu maior trunfo. Após uma discussão entre Ismaël e Julie, ele a surpreende na saída do cinema e começa a dialogar entre versos e estrofes cantadas. O apaixonante dialeto francês deixa o amor ainda maior quando as vozes dos atores saem e se complementam numa declaração amorosa. E se isso é apenas o início, só se pode esperar o melhor. Nas cenas seguintes vemos canções claras sobre as complicações do ménage à trois, uma discussão calorosa nas ruas parisienses, uma família que não se comunica e muito, mas muito amor recheando cada palavra. O que não é mostrado nas cenas para o público é mostrado nas canções, essenciais para o entendimento e não apenas uma alegoria a mais. Ver Ludivine Sagnier numa crise aguda de ciúmes, cantando com sua alma para Louis Garrel e Clotilde Hesme, isso é difícil de se resistir. E, cenas mais tarde, quando esse mesmo Louis Garrel canta um dueto com Grégoire Leprince-Ringuet, ele apresenta em versos líricos o contraste entre o início de um coração apaixonado, que começa a exaltar seus sentimentos, e um coração amargurado, que não suporta formas de amor que o relembram da dor da perda. É inegável que Alex Beaupain fez um trabalho magnífico em As Canções de Amor, e o elenco de atores-cantores não deixa as composições caírem na mesmice.
A obra inteira é dividida em três atos: a partida, a ausência e o regresso. Tudo se refere ao amor na vida do personagem Ismaël. A partida dos amores de sua vida, a quebra de sua ponte amorosa - numa referência à letra de uma música cantada pelo triângulo inteiro - e a não realização das fantasias de forma a se explorar todas as nuances de um romance tornaram o jornalista num homem infeliz. Ismaël é um romântico declarado, e nada menos justo para a construção de seu próprio personagem. A vida na cidade-luz é romântica o bastante para uma pessoa, a vida nessa mesma cidade com duas mulheres ao seu lado deve ser o auge da paixão para qualquer um. Depois de lidar com a insegurança do território desconhecido do sexo à três, Ismaël não consegue levar uma vida solitário. Ele precisa de amor como um carro precisa de combustível. Mas como arranjar amor ao mesmo tempo em que você o renega pelas lembranças? Enquanto ele é flertado assiduamente por Erwann (interpretado por Grégoire Leprince-Ringuet), a família de Julie não o deixa se esquecer de seu compromisso.
A luta entre passado e futuro é forte. O passado, interpretado por uma Chiara Mastroianni que interpreta, de forma cativante, Jeanne, a irmã de Julie, é forte. Não necessariamente moralista, por uma alusão ao tabu de um triângulo amoroso ser aceitado com tamanha facilidade, mas com sua própria visão da ética. É um conflito de mentalidades. O futuro, representado por Leprince-Ringuet, é uma alternativa para o aplacamento do sofrimento do pobre Ismaël. Já chega de sofrer por uma ausência, a busca dos personagens de Honoré é pela felicidade - por mais que essa não chegue no fim das contas. Enquanto a história apresenta seu desenlace para o espectador em mais baladas e menos agitação à medida que chegamos ao desfecho, acompanha-se a direção de Christophe Honoré aos poucos, como se ela fosse apenas um detalhe a menos ou a mais e não interferisse no todo. Mas interfere. As táticas de enquadramento e angulação fazem toda a diferença para a visão do espectador sobre determinada situação. Os atores trabalham em sincronia com essa direção essencial: o trio principal, composto por Sagnier, Hesme e o sempre competente Garrel está ótimo.
As Canções de Amor é um filme para se ver descompromissado, desde que você saiba amar. Isso já fica óbvio no título, mas aqui ele apresenta uma visão bem mais ampla do que apenas um relacionamento ordinário entre um homem e uma mulher que geralmente resulta numa comédia-romântica. O filme é um ensaio sobre o amor, não importando sexo, não importando moral. Esqueçam a lei de deus, esqueçam a lei dos homens, a prevalência aqui é apenas da paixão. O manifesto de Louis Garrel no fim prova isso. Não há dor que perdure tanto que não é apagada pelo choque de um novo amor. "Ama-me menos, mas ama-me por muito tempo". Faça-me chorar por nosso relacionamento, mas não me faça sofrer por tua ausência.
NOTA: 9

29 de maio de 2011

Cashback (2006)

Um filme de Sean Ellis com Sean Biggerstaff e Emilia Fox.

Relacionamentos são duros para se suportar quando eles não dão mais certo. Um relacionamento no ápice de sua ruína pode ser um desastre para ambas as partes. E quando ele finalmente desaba, a única coisa sensata a se fazer é não insistir mais em colar os pedaços de algo rachado, e sim dar tempo ao tempo, para que os resquícios vão embora. Cashback é um filme assim: um relacionamento e seu desabamento, e a tristeza de se suportar ele presente em cargas horárias e alterando vidas aos poucos. E, por mais que não seja uma obra prima inesquecível, é um filme divertido em seus diversos momentos despretensiosos.
Ben Willis (Sean Biggerstaff) é um estudante de arte que vive um relacionamento já arruinado com sua namorada Suzy (Michelle Ryan). Quando Ben revela para ela o que realmente sente sobre ambos, eles terminam, o que acarreta numa insônia para Ben. Para passar as horas noturnas extras que perde com sua falta de sono, ele encontra um trabalho num pequeno supermercado e acaba, rapidamente, se adaptando à rotina do local e a seus companheiros de trabalho. Enquanto todos trabalham, cada um imagina uma habilidade especial para fazer o tedioso turno da noite valer a pena. Ben começa a imaginar que consegue parar o tempo para captar toda a beleza de um instante em seus diversos ângulos. Ao mesmo tempo, sua vida começa a voltar aos trilhos graças a Sharon Pintey (Emilia Fox), a garota do caixa.
Aqui tudo está explícito na tela. Não há metáforas fortes o bastante para a trama se construir em cima e se assemelhar a um caso que afeta o mundo todo, há um bom roteiro que consegue prender o espectador nas partes sem ambição de Cashback, mas que falha em sua prática. O filme, ainda assim, consegue funcionar em seus 100 minutos de duração, com uma trilha sonora simples, que ajuda a manter a sensação agradável de uma comédia-romântica adolescente; e uma fotografia clara o bastante para as minúcias do filme se deixarem expostas. Não há nenhum detalhe a ser escondido. Aqui, o tempo funciona como um castigo. Dar tempo ao tempo nem sempre é simples quando o tempo começa a brincar com você. Se você para de dormir, o tempo se duplica e torna ainda mais insuportável. O personagem principal, Ben, é uma pessoa que não sabe o que fazer com o tempo, o que é até interessante devido a sua característica de poder congelá-lo. Ele congela o tempo para poder desenhar uma beleza que possa substituir a carência de descanso dele. Um descanso da depressão, um descanso do tempo.
Os atores funcionam em cena. Ninguém tem uma atuação inesquecível, mas todos são versáteis o bastante para mesclar comédia-romântica com drama nas maiores partes, por mais que isso soe exagerado. Sean Biggerstaff e Emilia Fox funcionam individualmente, mas juntos a química entre eles parece bastante forçada. A narrativa em primeira pessoa deixa o filme com uma característica mais descontraída, e é aí que estão as melhores cenas. Quando eles não querem fazer de conta que o roteiro é incrível envolvendo uma partida de futebol bastante esquisita, um personagem misterioso que surge do nada sem qualquer aprofundamento ou um estereótipo de um chefe que poderia ter saído de um episódio d'Os Trapalhões, ele finalmente se torna incrível. É incrível as sacadas que ele fez entre um relacionamento afetando toda uma vida, mudando toda uma rotina. É incrível o trabalho para tudo parecer bastante natural, e os trejeitos dados aos personagens também se aplicam nesse trabalho. A edição é a coisa mais incrível de Cashback, pois, num filme sem muita verba, eles conseguem transportar um personagem do meio da rua até a sua cama sem nenhum corte. É algo lindo, não como filmes recheados de efeitos especiais onde não se pode distinguir o real, mas como se o real fosse aquilo mostrado na tela. Em certo ponto, até acreditamos na habilidade de parar o tempo.
Cashback, primeiramente, já havia figurado no Oscar de melhor curta-metragem em 2005. Sim, antes de tudo, o filme tinha aproximadamente os 20 minutos iniciais. Ao ver essa repercussão, o curta virou um longa. É uma tática realmente perigosa, mas ele consegue convencer e agradar aos menos despretensiosos e sem nenhuma expectativa. Por mais que tenha conseguido se segurar alongando sua duração, não acho que o filme valeria a pena com mais de duas horas. De qualquer modo, está de parabéns. Não é qualquer filme independente que consegue retratar tempo, tédio e amor combinados num roteiro que poderia dar certo se mais explorado. Culpem a falta de recursos, mas Cashback, como ideia, ainda é um primor.
NOTA: 6

25 de maio de 2011

Crash - No Limite (2004)

Um filme de Paul Haggis com Sandra Bullock, Don Cheadle e Michael Peña.

Não é segredo para ninguém que ocorre uma guerra infinita no Oriente Médio, apenas por um conflito territorial e religioso. Não é segredo para ninguém que o momento em que o negro realmente virou um cidadão foi muito recentemente, depois de uma luta mundial em meio a Apartheid's e Ku Klux Klan's. Tamanha crueldade foi vivenciada em anos de história que tiveram contra-culturas, movimentos feministas e panteras negras, feitos para alcançar um único objetivo que deveria ser universal e inalienável: igualdade. Mesmo assim, o problema não acaba. O preconceito já está tão enraizado em nossa sociedade que é impossível falar de nossa história sem citá-lo subliminarmente.
Um persa chamado Farhad (Shaun Toub), que sabe pouco da língua americana, e sua filha Dorri (Bahar Soomekh) moram em Los Angeles e vão comprar uma arma para proteger a loja da família dos preconceituosos que a atacam. O casal Rick e Jean Cabot (Brendan Fraser e Sandra Bullock, respectivamente) tem o carro roubado após uma bela noite por Anthony (Ludacris) e Peter (Larenz Tate). O detetive Graham Waters (Don Cheadle) enfrenta sua mãe para a aceitação da namorada branca, Ria (Jennifer Esposito). Daniel (Michael Peña) trabalha trocando fechaduras arduamente, e mesmo assim não se cansa e ainda consegue animar a infância de sua filha Lara (Ashlyn Sanchez) dos perigos do mundo. Os oficiais John Ryan e Tom Hansen (Matt Dillon e Ryan Phillippe) estão patrulhando, até que param o carro de do casal Cameron e Christina Thayer (Terrence Howard e Thandie Newton), o que acaba num assédio sexual. Todas essas histórias se ligam por meio de um acidente. Crash.
Alguns dizem que o Crash se resume a uma síntese da sociedade pós 11 de Setembro. A sociedade sempre foi assim e sempre será, antes ou depois do atentado às torres gêmeas. O que o ataque terrorista fez foi apenas mostrar um rancor que sempre esteve lá, mas com receio de se manifestar pela ética e pela moral das regras em convívio. Agora a xenofobia anda explícita. O preconceito em Crash é tudo fruto do medo. Medo dos negros pela raça branca, medo dos brancos pela raça negra, medo da sua própria raça. Medo da cultura latina, da cultura asiática, medo das minorias. E o medo anda pela tela com suas próprias pernas. Já é algo que caminha junto a uma cultura milenar, controla os próprios movimentos e assume as características e palavras impensadas. Às vezes o medo aparece em cena na forma da raiva, o que torna as ações ainda mais instintivas e menos racionais, desencadeando um efeito dominó baseado na teoria do caos durante todos os 100 minutos da sessão. Duração pequena mas muito bem aproveitada para Haggis expor seus argumentos de maneira diferenciada.
O ritmo do filme é atordoante e não perde a linha, uma situação desesperadora passa para outra ainda mais tensa com facilidade. O racismo contorna as ações, por mais que elas sejam sutilmente mascaradas para dar um duplo sentido em diálogos preconceituosos. É a não incriminação e um pseudo senso de ética se manifestando. Mas o racismo está lá, gritando para que o espectador perceba e se envergonhe, porque além de estar na tela ele está no público. O quão repugnante é você temer a sua própria raça? Não poder confiar no seu irmão? Geraldo Vandré cantava na época da ditadura que "somos todos iguais, braços dados ou não". No entanto, essa igualdade não está presente em nosso cotidiano. Se há alguém que expressa isso muitíssimo bem em cena é Ryan Phillippe, um policial que é um preconceituoso enrustido. Você não confiar em alguém por um motivo tão simplório quanto a cor da pele é algo mais perdoável do que você, explicitamente, assediar alguém num abuso do poder? Tudo está perfeito em Crash: a edição, o elenco, o roteiro, a direção, a fotografia e o cenário. Mas não seria nada sem o preconceito. Obrigado humanidade, por tamanho laboratório de personagens.
Mas antes de uma crítica forte a tamanho preconceito explícito, há um porém. As pessoas mudam. Não importa que você seja um corrupto ou utilize da força para explorar outros, se você se encontra numa situação extrema você faz coisas impensáveis. Os personagens podem passar de racistas convictos a pessoas tolerantes e salvadores em uma fração de segundos. A tolerância pode ser um plano de fundo para um preconceito que tem vergonha de se mostrar. Isso é um ótimo argumento a ser explorado nas vidas falsas de rancor e futilidade mostradas em cena, mas o preconceito ainda deixa marcas impossíveis de serem apagadas. A fotografia do filme é escura, colorida com os focos de luz aparentes na tela, sejam eles de faróis de carros embaçados ou das luzes de neon artificiais da cidade dos anjos. O elenco trabalha em sintonia, e não há ninguém que se sobressaia aos demais, merecendo a todos uma ressalva especial. Por menos que apareçam em cena, Michael Peña me emocionou em tamanho carisma numa relação familiar; Matt Dillon me surpreendeu com a força de seu personagem ambíguo; e Sandra Bullock roubou minhas lágrimas em sua última aparição.
Filmes com uma abordagem óbvia e usual sobre o preconceito já tiveram sua época. Ainda é ótimo ver pessoas que vão ao cinema ver uma combinação nada inédita de drama e comédia sobre o racismo, o cinema é uma arma poderosa para se acabar com o preconceito. A diferença entre eles e Crash é que esse filme é o preconceito, enquanto outros apenas o abordam. E a razão pela qual a obra de Paul Haggis, que chegou a faturar o Oscar de melhor filme em 2006, consegue ter tamanho reconhecimento é pela sua veracidade. Todas as cenas são fundadas em situações que ocorrem em qualquer lugar, ações e consequências que ocorrem com qualquer um e o preconceito, que está espalhado no mundo, implicita ou explicitamente. Não há um individualismo, há massas, há generalizações, há uma cidade inteira, há um país inteiro, há nosso mundo. Crash é isso.
NOTA: 8

21 de maio de 2011

Across The Universe (2007)

Um filme de Julie Taymor com Jim Strugees, Evan Rachel Wood e Joe Anderson.

Quem acreditou que naquele dia 8 de dezembro de 1980 os Beatles estariam acabados para sempre, estava certo. Na realidade, antes disso, já que a harmonia entre os integrantes já não era a mesma e John Lennon já estava balançado em sua carreira graças à ativista Yoko Ono. A morte de Lennon apenas concretizou o que já estava fadado. Mas se alguém achou que eles seriam apenas mais uma banda a ser esquecida com o peso do tempo, cometeu um erro gravíssimo. Os Beatles viraram o grupo musical mais aclamado do mundo, e até hoje isso aparece. É surpreendente que, após 40 anos do fim dos Beatles, ainda haja uma massa de tributos artísticos a eles, se renovando a cada dia e fazendo novas versões para cada canção antiga.
Jude (Jim Strugees) é um adolescente inglês que vive em Liverpool, mas nunca conheceu o pai, que abandonou a mãe enquanto ela estava grávida. Jude parte para os EUA para procurar o pai e, ao entrar numa universidade, acaba conhecendo Max (Joe Anderson), um estudante rebelde que ainda é ligado às amarras da família controladora. Além disso, Jude acaba se apaixonando por Lucy (Evan Rachel Wood), a irmã de Max, que começa a se interessar pelos movimentos da contra-cultura hippie e protestar contra a Guerra do Vietnã.
O que mais se destaca nas esferas de Across The Universe é a forma com que a notável trilha sonora é interpretada a cada momento, se adaptando a diversas situações. Primeiramente, o elenco de atores-cantores faz com que ela funcione com versões populares para músicas famosas da banda de Liverpool. Ver, ao mesmo tempo, o competente Jim Strugees cantando a música homônima ao filme e Dana Fuchs, interpretando a cantora Sadie, gritando com seu coração os versos de Helter Skelter ao som de guitarras fortíssimas é algo avassalador, ainda mais com as imagens que se juntam às canções. E o que dizer de Hey Jude? All You Need Is Love? All My Loving? Até Bono Vox aparece na sessão cantando uma versão de I Am The Walrus. Porém, por mais que trilha sonora seja aquilo que move toda a sessão, também é aquilo que torna o filme fraco. O roteiro, que deveria adaptar as canções para as situações mostradas na tela, faz o inverso. Ele se constrói em cima das diversas músicas dos Beatles. Em alguns momentos, é até permitido se esquecer que existe uma estória no fundo, pois parece que o objetivo não é criar uma comparação com a trajetória da banda de rock ou então mostrar seus ideais, mas sim colocar o máximo de músicas possíveis em 130 minutos.
A emoção é transposta em cima das músicas e, sendo você um beatlemaníaco ou não, você acaba por se emocionar, seja com os sons, seja com as imagens. Uma pena que o clímax, ou onde ele deveria estar, acaba sendo desconexo das outras partes e que muitas canções assumam um tom mais videoclipe do que filme. O roteiro faz uma ligação direta com a história dos Beatles e ela aparece de um modo ou de outro. Quem não viu o auge da psicodelia e do uso de drogas nos anos 70 na mistura de cores e sensações, na vida alternativa, na composição de imagens distorcidas e supersaturadas? Quem não se sentiu voltando ao tempo, quando viu o movimento hippie lutando por causas pacíficas na tela do cinema? Quem não viu os horrores da Guerra do Vietnã afetando, por mais que indiretamente, o padrão de vida americano, espalhando medo no mundo? Quem não viu um espírito de revolução surgindo de uma ideia? E havia uma maneira melhor de acabar com a obra do que com um show interrompido no telhado, remetendo à última apresentação dos Beatles? Jim Strugees e Evan Rachel Wood tem uma química deliciosa de se ver e o resto do elenco se segura nas atuações, por mais que alguns caiam.
Sinceramente? Talvez Across The Universe seja um filme desnecessário em sua maioria, ao tentar adaptar uma história inteira de amor para colocar a carreira dos Beatles nela. Mas funciona em algumas cenas, que conseguem mesmo demonstrar um sentimento escondido atrás de tanta revolta e de tanto precípite. E, além de tudo, ainda serve como uma homenagem extremamente bem feita sonoramente. O tamanho do filme também dificulta, prender a atenção do público por mais de duas horas sem clareza na filmagem e com um bombardeio de ideia é difícil. Entretanto, os Beatles merecem essa homenagem, assim como muitas outras que certamente virão para essa banda que se tornou mais popular do que Jesus Cristo.
NOTA: 7

17 de maio de 2011

Closer - Perto Demais (2004)

Um aviso prévio antes da leitura: muitos já comentaram que falo excessivamente de partes de filmes nos posts e estou tentando melhorar nisso, por mais difícil que seja. Porém, exclusivamente nesse texto, foi impossível para mim não comentar muito do filme. Essa resenha serve como uma interpretação de Closer, sugerida apenas para quem já viu. Se você ainda não viu, recomenda-se que leia até o quarto parágrafo e pule para a conclusão.  
Um filme de Mike Nichols com Natalie Portman, Jude Law, Julia Roberts e Clive Owen.

Bem vindo ao mundo moderno, algo que não se difere muito das eras passadas. Aqui, o amor se baseia em apegos, em encontros, em uma paixão temporária que pode ou não se estender. E aqui, o que prevalece não é quem sente mais forte, é quem tem mais circunstâncias e mais espaço para abrigar o amor. Closer é um ensaio da paixão e dos relacionamentos. E é inegável que eles são fortes e explícitos, mas são verdadeiros? Se uma paixão ocorre em tempo recorde de uma primeira vista, em quanto tempo ela consegue se extinguir?
Dan (Jude Law) é um escritor de óbitos cuja ambição é se tornar um grande romancista. Quando ele finalmente consegue escrever seu livro, intitulado O Aquário, ele vai tirar as fotos da obra com Anna (Julia Roberts), uma fotógrafa bem-sucedida que acabou de passar por um divórcio. Durante a sessão de fotos, Dan se apaixona por Anna à primeira vista, e Anna corresponde o amor de forma reservada. Com ciúmes de Anna, Dan começa a teclar pela internet com o médico Larry (Clive Owen), fingindo que é a fotógrafa. O trote virtual acaba por fazer Larry encontrar a verdadeira Anna e se apaixonar por ela. Ao mesmo tempo, Dan mantém um namoro com Alice (Natalie Portman), uma stripper apaixonada e instintiva que o escritor de óbitos conheceu antes de tirar as fotos com Anna.
Numa esfera visual, Closer é perfeitamente montado. A linguagem das minúcias tornam o filme bastante comunicativo em seu quesito detalhista. A fotografia do filme condiz com cada ambiente físico ou emocional, se adaptando à tensão de cada cena. Os sentimentos transbordam da tela para afogar o espectador numa mágoa ou num afeto. A suave trilha sonora tem o poder de embalar a obra do início ao fim. Primeiramente e finalmente com a canção Blower's Daughter, do cantor Damien Rice, caracterizando lindamente a paixão retratada e, com isso, abre-se o leque de sentimentos que é Closer com chave de ouro. Todo o cenário tem algo a dizer em sincronia com as situações, seja de uma forma implícita ou explícita. O retrato de um retângulo amoroso se completa com as semelhanças e diferenças de cada casal. Os diversos elementos de cena entram em harmonia para mostrar as paixões. É uma delícia ver a frequência com que os personagens de Jude Law e Natalie Portman desistem e voltam a fumar, o que acaba localizando o espectador nesse labirinto romântico de idas e vindas.
O jogo do amor está no ar e infecta a todos. No entanto, nem só de pão vive o homem e nem só de felicidade vive o amor. Ações viram um perigo e consequências, uma brincadeira. Os personagens são construídos de forma inteligente e ocultam várias personalidades firmes. O filme se torna uma identificação do sensível. Controle, adultério e mentiras enchem o território de um relacionamento e, por mais que Dan, Alice, Larry e Anna tenham todos os seus defeitos à mostra, uma característica passional acaba por assemelhar-se com o público.
As metáforas não param por aí, o filme inteiro acaba por convergir para o seu fim. O doutor Larry, interpretado por um Clive Owen com uma força de interpretação no seu auge, é o típico romântico seguro, que não perde o foco e o controle por um segundo. Mas a interpretação não para de Owen para Larry, mas Larry continua a atuar para o mundo. Confiança não é algo que nasce pronto. A caracterização do médico, um ofício que é encarregado para a cura, serve como a cura de amores. E aí entra a ironia da cena, a cura das paixões que ele traz não é verdadeira, e não há nada pior do que um convívio apaixonado de fachada. Será esse o preço da traição? Enquanto o médico traz um caráter de segurança e vida, - por mais que essa vida assemelhe-se à morte por vezes - o escritor de obituários é encarregado de trazer às notícias da morte e, ironicamente, matar todo o amor que lhe entra em contato. O escritor Daniel vive uma vida de regressões: começa como um jornalista que odeia o trabalho, termina como um escritor fracassado. Dan troca a vida pela morte, porque, sob o controle de duas paixões, ele não tem a força para consolidar qualquer uma delas. Jude Law entra, competente, na pele de um canalha irreversível.
O elenco feminino não fica atrás. Aqui, Julia Roberts se rende à Anna, uma mulher que não deixa seus sentimentos à flor da pele, mas que se mostra tão reduzida à própria vida sentimental quanto qualquer protagonista do filme. A fotógrafa se mostra um foco da percepção dos outros dois. Por mais frígida que se deixe parecer, Anna é a única que consegue atrair a atenção dos homens no relacionamento. A obsessão dela de fotografar estranhos é sarcasticamente correspondida por seus sentimentos ao se apaixonar por um, e acabar com um estranho para o próprio coração. Já Alice é a atmosfera de sedução do filme inteiro. A sempre competente Natalie Portman entra em cena e consegue deixar todos boquiabertos com sua mesclagem de diálogos, movimentos e olhares. Por ser uma stripper, sua personagem sugere um aprofundamento maior e um preconceito pela desonestidade e pela facilidade de trocar um homem. E aí que ocorre a maior ironia. Alice só consegue ser honesta com seus próprios estranhos, enquanto, sendo uma romântica irrevogavelmente apaixonada, tem de mentir para o coração e para o amado. Banalmente, ela consegue ser Jane Jones, a stripper verdadeira que apenas oferece uma noite de libido e tesão. Emocionalmente, ela se esconde no reduto de Alice Ayers e se finca numa vida mais banal como alguma outra profissão.
Sim, do mesmo modo que uma paixão começa, ela pode acabar. Sim, uma paixão pode ser duradoura ou pode ser efêmera. Closer é uma aula de relacionamentos contemporâneos, uma aula com Jude Law, Natalie Portman, Clive Owen e Julia Roberts supervisionando o assunto e ensinando, de uma maneira intensa, todos os assuntos abordados para que nada seja feito em demasiado excesso. Verdades e mentiras, confiança e desconfiança, fidelidade e traição, tudo converge para que o desfecho dele seja exatamente igual ao começo: uma nova alternativa para novas relações. Satirizando Anna Karenina, "Cada relacionamento feliz é igual, mas cada relacionamento triste é triste à sua maneira".
NOTA: 10

14 de maio de 2011

Os Pássaros (1963)

Um filme de Alfred Hitchcock com Tippi Hedren, Rod Taylor e Jessica Tandy.

Após as pessoas se assustarem com o racionalmente irreal na forma de espíritos, fantasmas, vampiros e outras criaturas sobrenaturais, está na hora de brincar com a mente delas do que pode ocorrer. A partir daí, explora-se a psicopatia e outras psicopatologias a fim de assustar os mais preparados com uma situação que, por mais improvável que seja, ainda consegue ser aterrorizante. Veja o clássico do terror, Psicose. O terror do filme provém de uma perturbação mental de Norman Bates causada por uma situação que pode ocorrer a qualquer momento. Os Pássaros, outro clássico de Hitchcock, anda paralelo em relação a sua realização no todo, mas a ideia de ainda aterrorizar a mente e não o corpo permanece por meio de um conflito natural filmado incrivelmente.
Os Pássaros começa com a bela Melanie Daniels (Tippi Hedren) entrando numa loja de pássaros procurando sua encomenda, até que conhece o belo Mitch Brenner (Rod Taylor), um advogado bem-humorado que procura periquitos para a irmãzinha. Por Mitch não ter encontrado o que queria, Melanie, a fim de provocar o advogado, compra os periquitos e leva para a casa de praia dos Brenner, na cidade de Bodega Bay. Mas chegando lá, algum fenômeno ocorre, transformando os pássaros da cidade em máquinas mortíferas. Fora isso, Melanie ainda enfrenta os ciúmes da professora Annie Hayworth (Suzanne Pleshette) e da mãe de Mitch, Lydia Brenner (Jessica Tandy).
Aqui, a natureza é a agressora principal de um filme sobrenatural que se utiliza de elementos do cotidiano. E aqui não vemos uma trama sobre um assassino, é tudo amarrado de forma a não se poder escapar do suspense criado por Hitchcock. As técnicas utilizadas na obra são tradicionais para aumentar a tensão da platéia, e são extremamente bem feitas pra década de 60. Numa cena vemos a competente Tippi Hedren sentada num banco, enquanto dezenas de corvos, paulatinamente, se aglomeram logo atrás dela. Os momentos que variam entre a face da bela protagonista e os assassinos alados atrás dela são excruciantes. Outra cena genial aparece na tela quando há uma imensa revoada que ataca a cidade de Bodega Bay de uma maneira calculada e precisa. Os ataques são filmados de forma ao primeiro plano ficar por conta de dois pássaros atacando um cidadão enquanto o segundo plano fica atormentado por corvos e gaivotas planando de uma forma descontrolada. Não é à toa que o filme ganhou uma indicação merecida ao Oscar de melhores efeitos visuais, já que tudo contribui para uma dor impecável no thriller que se segue. As atuações deixam tudo ainda mais natural e assustador, com uma ressalva para o elenco feminino que rouba qualquer cena.
A maquiagem é extremamente bem feita e contribui para o visual apavorante de Os Pássaros. O sangue falso é bem colocado em meio a bicadas e não aparece a qualquer hora apenas para uma visão assustadora do que está por vir. Hitchcock coloca o suspense em seu filme por meio da espera, recheada de sons de pássaros grasnando, a única semelhança com uma trilha sonora de todo o filme. A fotografia se segura em seus momentos iniciais, começando bem e terminando numa sincronia perfeita. O contraste entre o domínio dos pássaros contra a cidade é que serve como uma quebra. Não há um momento melhor no filme, já que todas as cenas da cidade são completas por habitantes desconfiados que acreditam piamente numa crença acarretada por opiniões diversas. A cena num restaurante de Bodega Bay é fantástica por seus diálogos, antecedendo cenas dignas de fim de mundo causadas por pássaros. Tudo é causado por uma metáfora intensa baseada no medo. Entretanto, o medo em si é causado por uma ornitofobia ou por uma xenofobia?
O filme é apenas um aviso de Hitchcock para analisar de um modo mais completo sua tese sobre o terror. Não se engane se for ver Os Pássaros, as aves são as coadjuvantes do filme. A ira da comodidade de um ambiente é que o torna assustador. O final apenas comprova isso. Os pássaros voando servem como metáfora para ilustrar um medo infinito do ser-humano com o que ele não conhece. E Hitchcock colore essa figura que ele criou através de muita tensão provinda de corvos, gaivotas e qualquer coisa que encontremos no céu diariamente. O filme é uma transfiguração, seja de pássaros em seres hediondos, seja de uma cidade capciosa e de seus habitantes ingênuos numa cena de um crime. Um crime suicida.
NOTA: 10

10 de maio de 2011

As Coisas Impossíveis do Amor (2009)

Um filme de Don Roos com Natalie Portman, Scott Cohen, Charlie Tahan e Lisa Kudrow.

Cria-se uma imagem bacana quando uma situação vista como tabu é invertida para a visão de quem a sofre. Mas para isso deve haver uma manipulação extremamente bem-feita, de forma a nos sensibilizarmos com as outras posições e reavaliarmos os preconceitos de outrora para um caso já condenado se transformar em algo modelável e defensável. E esse é o caso de As Coisas Impossíveis do Amor, o novo filme de Don Roos com a recente ganhadora do Oscar, Natalie Portman, que transforma a amante numa pessoa e inverte a situação de adultério, denunciando assim a instabilidade das relações consagradas como o casamento e os laços familiares.
A história mostra a vida da advogada Emilia Greenleaf (Natalie Portman) que consegue uma vaga como sócia num escritório de advocacia, trabalhando junto com Jack Woolf (Scott Cohen). Ambos acabam por se apaixonar, mas Jack, por ser um homem casado, tem de se decidir entre a mulher atual, Carolyn Woolf (Lisa Kudrow) e a amante. Após se decidir por Emilia, ocorrem as complicações do divórcio e a dificuldade de integração entre a nova mulher e o enteado William (Charlie Tahan). Além disso, uma tragédia acontece e abala a situação emocional do novo casal.
Como o amor, um elo forte entre duas pessoas, acaba enfraquecendo até a própria convivência social? Como o amor junta uns e separa outros? Isso consegue resumir bem as relações problemáticas da obra. Enquanto um filho morre de ciúmes por não ter uma relação diária com a figura paterna, - um complexo de Édipo invertido numa linguagem contemporânea de adultério - a ex-mulher acaba por ter uma fúria não resolvida do ex-marido, e resolve descontar isso por meio de restrições entre o enteado e a madrasta. Isso sem falar na família da amante. O amor é uma faca de dois gumes e o filme mostra isso com clareza. Ao mesmo tempo em que ele gera uma vida, o excesso amoroso ainda pode matar uma. E com essa morte, gerar mais outra graças a uma relação de interdependência extrema. Ao mesmo tempo em que uma paixão destrói relações, ela pode reconciliá-las, por meio da importância do amor em relação ao alvo de tamanhas emoções. E o que dizer do amor à segunda vista? Qual é a impossibilidade de poder se apaixonar de novo por uma mesma pessoa?
O diretor Don Roos acaba por transformar o filme, que tinha uma característica de personagens que poderiam resultar numa tremenda comédia familiar, num drama melancólico, expresso através de cenas tristes com um Central Park num clima frio servindo como fundo das relações gélidas mostradas na tela. Não é raro ocorrer um silêncio pela falta de intimidade com as palavras ou uma fotografia clara, mas com elementos escuros e lentos se sobressair ao resto. Certas cenas ainda possuem uma edição para deixar a morbidez ainda mais viva. A personagem de Natalie Portman, aqui numa atuação digníssima, exala um nervosismo o tempo inteiro já que vive uma situação constrangedora, mas não pode fazer nada para mudá-la pois percebe o orgulho quebrado de um divórcio e o preconceito contra a famosa "destruidora de lares". Aqui, para a simpatia do público se tornar contrária ao senso comum, os personagens de Portman e Kudrow invertem de personalidades: enquanto Emilia é a vítima da história inteira, Carolyn se mostra a vilã autoritária e ditadora, com ordens restritas para o controle do divórcio. Além do mais, o carisma de Emilia ainda é conferido pelo seu drama interior, resultado de uma situação muitíssimo semelhante à do filme Reencontrando a Felicidade. Charlie Tahan e Scott Cohen fazem um bom trabalho aqui, por mais que o elenco feminino se sobressaia.
A amargura e a depressão se encontram no fim do arco-íris de felicidade e amor. Num filme de atuações excelentes em personagens lânguidos, com todas as figuras em tela gerando um maior estado de descontentamento com situações e com uma direção que não deixa o ritmo cair, por meio de lembranças vivas e relacionamentos conturbados, As Coisas Impossíveis do Amor é um filme de convivência. A convivência entre um homem e uma mulher, um marido e uma esposa, um casal divorciado, um filho e os pais, um enteado e uma madrasta, a dor de uma separação, o sofrimento de um luto, a alegria de um casamento, a felicidade de uma união. Mas, ruim ou não, é bom não se esquecer que tudo foi gerado pelo grande, poderoso e melancólico amor.
NOTA: 8

5 de maio de 2011

Encontros e Desencontros (2003)

Um filme de Sofia Coppola com Bill Murray e Scarlett Johansson.

Sofia Coppola é a jovem diretora que anda roubando os corações cansados do mundo. Cansados porque seus filmes apresentam, nada mais nada menos, que visões cansativas, tediosas e hedonistas do mundo, por personagens que nutrem uma profunda indiferença por qualquer brilho das relações sociais que são aclamadas pela futilidade. E isso é brilhante, uma inovação no cinema que, além de entreter, agora apresenta histórias num mundo rodeado por banalidade. Por mais que ela use a mesma fórmula do vazio existencial na essência de seus projetos, cada um possui uma beleza diferente. Enquanto As Virgens Suicidas trata da delicadeza feminina mesclada com a solidão, Maria Antonieta mostrou o tédio de uma vida pública da monarquia, e seu novo Um Lugar Qualquer é um ode à uma vida cheia, porém solitária. A solidão ronda os filmes da filha de Francis Ford Coppola, e Encontros e Desencontros não foge à regra.
Bob Harris (Bill Murray) é uma estrela do cinema, conhecido por seus diversos filmes de ação, mas que se encontra num estado de decadência em sua carreira, sendo obrigado a ir à Tóquio para gravar um comercial de uísque. No mesmo hotel onde Bob está hospedado, também se encontra Charlotte (Scarlett Johansson), a mulher de John (Giovanni Ribisi), um fotógrafo viciado em seu trabalho, que deixa a esposa o dia inteiro sozinha na capital japonesa enquanto tira suas fotos. Como o fuso horário entre Japão e Estados Unidos é diferente, nem Bob nem Charlotte conseguem dormir, e ambos acabam se encontrando no bar do hotel. A partir de outros encontros, começa entre os dois uma relação forte e verdadeira de amor e amizade.
Por mais que todas as cenas do filme sejam recheadas de pessoas, todos estão tão sozinhos como se estivessem trancafiados num quarto de hotel o dia inteiro. Ao mesmo tempo em que o filme denuncia a solidão individual numa vida em grupo, ele ainda apresenta o que leva a vida em grupo a se esquecer da solidão individual: dinheiro, trabalho, futilidade. Bob é cercado por seus agentes que destruíram sua família, que vem mantendo há 25 anos, por meio do trabalho incessante que acabou por cortar relações mais intimistas com as pessoas mais próximas, por isso tanta frieza e falta de jeito que completam seu personagem em meio às lotadas ruas japonesas. Ao mesmo tempo Charlotte tem de conviver com sua dor de perder o marido para o trabalho, exatamente o oposto do que acontece com Bob, o que torna os personagens com características tão distintas e personalidades opostas, e ao mesmo tempo torna a relação entre ambos ainda mais deliciosa enquanto a sessão dura. Ainda há a futilidade presente na figura de Anna Faris, que interpreta uma atriz com direito a uma construção de personagem parecida com a de uma patricinha.
A temática do filme só funciona graças à interpretação forte e a direção precisa, mas eles não seriam nada disso sem a temática. O ciclo se fecha aí. Bob Harris, o ator que foi explorado o bastante e já sabe o suficiente sobre os ossos de seu ofício, trabalha como um perfeito contraponto de Scarlett Johansson, a mestranda em filosofia que está cansada de sofrer indiretamente as mazelas da profissão do marido. A relação entre os dois é de tanta veracidade que não temos mais preconceitos na tela. Não há uma visão de um adultério, não há relação de idade, há apenas um sentimento que aflora nos dois personagens, que já estava dentro deles há bastante tempo mas foi perdido devido à falta de originalidade na vida. A trilha sonora, o cenário e a fotografia exalam uma melancólica sensação de déjà vu, que contribui para o visual do longa metragem.
A direção de Coppola trata de uma situação incomum, onde ambos estão perdidos e solitários numa terra distinta com uma cultura milenar diferente da nova hegemonia americana, e ambos acabam encontrando exatamente aquilo que não tinham na terra de tédio e conforto. Situações como uma prostituta japonesa, uma visita a um templo budista e até um banho se tornam engraçadas devido à total indiferença dos personagens, pela banalização do cotidiano. A novidade do filme é uma relação amigável de ambas as partes, onde a sinceridade surge como fator essencial para transformar a motivação dos personagens. Como já dizia o filósofo Arthur Schopenhauer, o ser humano é um buraco negro de tédio, que gera uma vontade cuja realização com certeza gerará uma dor. E para sobreviver, o homem busca mais desejos. O tédio completou os protagonistas de Encontros e Desencontros, cuja racionalidade não os deixa aproveitar mais uma vida que se mostra menos viva do que qualquer outra coisa. Tanto Bob quanto Charlotte andam, pensam, respiram, mas não vivem, eles são o empirismo da filosofia Schopenhaueriana. E quando há um choque entre realidades semelhantes e caracteres distintos, a velha razão morre para um sentimento nascer.
Todo mundo precisa ser encontrado. A fuga da artificialidade é dada através do romantismo no meio de luzes coloridas, neons e arranha-céus. E tudo é feito da maneira mais casta encontrada por Coppola. É bastante engraçado o rumo que as situações tomam. Enquanto tudo poderia ser explorado para a criação de uma comédia numa terra tão exótica, o filme se afunda num mar de tristeza. Mas o que poderia se tornar clichê se torna bonito e novo de tão puro. E a pureza do relacionamento entre os excelentes Bill Murray e Scarlett Johansson se dá de maneira a visualizarmos uma amizade no meio da rua, com direito a abstenções e segredos. Encontros e Desencontros é um filme que não dá as respostas, mas o público que o vê também não as procura.
NOTA: 8

3 de maio de 2011

Frankie & Alice (2010)

Um filme de Geoffrey Sax com Halle Berry e Stellan Skarsgård.

Há sempre um apelo no psicológico para se conseguir criar uma situação num drama que fuja do banal. E não é de hoje que o cinema busca em distúrbios mentais uma base para se criar um filme. Depressões são representadas como consequência de paixões, TOCs surgem para caracterizar um personagem e dividí-los por manias que acabam por trazer o riso, autismos aparecem de modo a aflorar os sentimentos do espectador e trazer uma emocionante história de superação. E o transtorno dissociativo de personalidade permanece dentre as diversas psicopatologias que são exploradas pela mídia, enquanto continua uma incógnita para a medicina. Porém, nesse filme de Geoffrey Sax, ele é explorado de forma a colorir uma personagem perturbada, que não seria nada sem a interpretação de Halle Berry.
Anos 70. Frankie (Halle Berry) é uma stripper que sobrevive dançando numa boate para tentar pagar suas contas, além de continuar se esforçando em sua rede de mentiras para enganar a própria mãe, Edna (Phylicia Rashad). Porém, Frankie tem um passado obscuro que, consequentemente, altera sua vida: a garota tem uma personalidade diferente, a racista Alice. Após ela ser detida pela polícia, um certo psiquiatra de nome Dr. Oz (Stellan Skarsgård) começa a cuidar de Frankie para que ela possa superar os traumas e achar seu verdadeiro eu.
O filme começa bem e consegue colocar em ordem todos os pormenores da situação. Mas o ritmo frenético do início não se adequa bem para as outras partes do filme, deixando-o rápido e sem força para explorar melhor a situação da protagonista confusa. O distanciamento com o público ocorre de uma maneira bastante natural, já que o filme não faz nada para envolver o público com as transformações constantes da personagem Frankie. Além do mais, ele acaba por se embolar em seu desenvolvimento, já que o preconceito e o racismo começam a dominar os assuntos da tela ao invés do transtorno dissociativo de personalidade em sua própria essência. A direção se firma em uma fotografia clara em sua maioria, sendo preenchida às vezes por uma iluminação caótica de uma casa noturna. As formas do diretor criar uma barreira entre o passado e o presente funcionam para a caracterização de Frankie mas aumenta ainda mais a distância entre a obra em questão e o público-alvo. Ilustrando flashbacks como filmes antigos com ações lentas e sons altos, explorando locais escuros e manias de personagens de ângulos distintos, a direção se segura no banal, mas é ofuscada pelo roteiro sem rumo.
Aqui nos lembramos porque Halle Berry ganhou o Oscar em 2002 por sua atuação em A Última Ceia. Sua construção para sua personagem ficou excelente e coube, de uma maneira bem direta, em seu papel - lembrando-se do fato de que, por interpretar diferentes personalidades, ela deveria mudar uma grande parte da construção de uma para entrar em outra. No clímax do filme, é difícil ver a personagem dela mudando de forma de pensamento constantemente, e acompanhar tudo para descobrir a origem de tantos traumas. A segurança que ela demonstra numa hora se parece com o orgulho de outro momento, assim como o medo que exala em suas recaídas. E talvez, por esse nível extremista de sentimentos distintos é que sua atuação seja a única ressalva positiva de Frankie & Alice, por mais afetada que seja pelo ritmo. De um modo ou de outro, ver uma Berry completamente psicótica num drama é bem mais agradável do que a uma heroína felina numa roupa de látex. Phylicia Rashad, Stellan Skarsgård e Chandra Wilson tem atuações agradáveis, mas o título já mostra que o filme é de Frankie, Alice e, consequentemente, Halle Berry.
Transtorno dissociativo de personalidade. O tema já foi explorado de uma maneira extraordinária por diversos títulos, como os filmes As Três Faces de Eva e Desconstruindo Harry, além das séries Sybil e a atual United States of Tara. E talvez, por tamanha competição entre algo que se sobressaia na doença ou por uma tentativa simplista de um relato de superação, Frankie & Alice se torna apenas um trabalho que mostra uma Halle Berry numa atuação extremamente boa, mas que permanece num lugar-comum pela falta de evolução da trama.
NOTA: 4