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30 de setembro de 2013

Exilados do Vulcão (2013)

Um filme de Paula Gaitán com Clara Choveaux e Vincenzo Amato.

Desde o advento do cinema há uma predileção para a evolução ser cada vez mais introspectiva. Se compararmos um filme como O Nascimento de Uma Nação com outro do tipo Exilados do Vulcão, vemos que o contemporâneo tem um uso abusivo do silêncio, da calma, da leveza e da lentidão, por mais que o filme clássico seja mudo. A reflexão se tornou recorrente na maioria dos filmes contemporâneos, para muitos diretores a arte cinematográfica não é mais sinônimo de diversão, de entretenimento. É apenas uma forma de incômodo.

Depois de muito trabalho com o cinema político, é de se esperar que atualmente os filmes consigam mesclar essas duas qualidades: a de contar uma história clara ao público e, ao mesmo tempo, brincar com emoções e conhecimentos intrínsecos, de forma a criar uma sensação única a cada indivíduo. Exilados do Vulcão, filme de Paula Gaitán infelizmente não é esse tipo de filme. E qual a grande importância disso?

Vamos por partes. A história de Exilados do Vulcão é simples: uma mulher consegue resgatar de sua casa incendiada objetos que pertenciam ao homem amado e, assim, cria uma parede de lembranças. O argumento cria mais do que mil imagens, mas a diretora faz da forma mais diferente possível. Não se consegue entender essa história caso a sinopse não seja lida antes da sessão. A linha do tempo fílmica é completamente intimista - e não se pode dizer que é um intimismo compartilhado, ou mais da metade da sessão que foi exibida no Festival de Cinema de Brasília não sairia da sala no meio do filme.

Bem satisfeita com a não compreensão da história e das atuações de Clara Choveaux, Simone Spoladore e Vincenzo Amato, o filme (com pouco mais de duas horas de duração) ainda tem menos do que dez falas, além de nenhum diálogo. O som possui o mesmo ritmo lento e maçante da sessão e a trilha sonora contém intérpretes como Cat Power para ralentar ainda mais o resultado final. É colocada em bom momento uma canção da banda Yeah Yeah Yeahs, quase na metade do filme, talvez o ápice de animação que permite que o espectador comum volte a atenção pra fita. Afinal, é muito fácil se perder quando a própria tela já dificulta seu trabalho de localização.

A fotografia é um dos (senão O) maior trunfo do filme da ex-mulher de Glauber Rocha, a captura dos planos é excelente desde o seu início, quando numa paisagem desértica e estática observamos a gênese do movimento de um homem desconhecido - e que fica desconhecido durante o resto da fita, diga-se de passagem. Exilados do Vulcão ainda nos presenteia com mais imagens incríveis, como a corrida de diversos planos em uma floresta, o mega zoom em partes do corpo, o contraste perfeito de luz e sombra em corpos nus e ainda a bela cena final, com uma visão panorâmica excelente. E acredite, mesmo eu contando o final, é impossível dizer que isso é um spoiler.

O que quero dizer é que não há uma opinião certeira que defina o porquê de Exilados do Vulcão ter sido o grande filme vitorioso deste ano do Festival de Brasília, sendo que sofreu uma crítica tão dura do público e da própria crítica. É óbvio que é um filme sensorial, altamente abstrato, que funciona muito melhor como um grande apanhado de imagens do que como um longa metragem que arrasta todos os seus espectadores por uma viagem indesejada.

Não há como julgar o caráter reflexivo do cinema, que já se arraigou desde a década de 60 na sétima arte. Condenar a reflexão seria condenar toda a obra de Godard, Rocha, Truffaut. Mas há uma linha tênua entre uma reflexão que se utiliza de uma história e uma reflexão que é mero artefato. Exilados do Vulcão não enxerga essa linha; ele ultrapassa quilômetros dela. É sim um filme que o silêncio é incômodo, e muito mais que isso: o silêncio é apenas silêncio. Não o silêncio de uma pausa. Não o silêncio de calmaria. Não o silêncio de um cenário, de um personagem, de um estado de espírito. É o verdadeiro silêncio de quem não tem nada a dizer.

NOTA: 2

21 de setembro de 2013

Amor Bandido (2012)

Um filme de Jeff Nichols com Matthew McConaughey, Tye Sheridan, Sam Shepard e Reese Witherspoon.

Mud (Assim prefiro chamar Amor Bandido, esperem que não se importem, mas a tradução brasileira conseguiu transformar mais um título em piada) é o tipo de filme que nós não vemos todo dia, e eu dirijo esta mensagem a todos: desde cinéfilos até pessoas mais ocupadas que se limitam a ver, no máximo, um filme por mês. Há uma construção no cinema contemporâneo que segue a linha fácil de criação de blockbusters, na criação de um herói, de um clímax, de uma boa diversão, de gritinhos na plateia e de risadas em bons momentos.

Jeff Nichols, diretor de Shotgun Stories e o aclamado O Abrigo (com Michael Shannon e Jessica Chastain) é um novo diretor, e bem aclamado por seu trabalho. Permitam-me dizer, rapidamente, que eu não vejo o que a maioria vê em O Abrigo, seu segundo longa-metragem, mas isso fica pra outro texto. Há, porém, um mérito que eu tenho que entregar ao filme: simplicidade. A história é fabulosa, não há uma normalidade, não há um padrão a ser seguido, não é um excerto normal em uma vida normal, e mesmo assim o diretor ganha com a simplicidade do roteiro, das cenas e da conclusão.

Mud não está nem um pouco longe dessa estética. Ele ganha sua vez por ser um pequeno conto de fadas inserido num ambiente duro, grosso, áspero. Estamos nos pântanos do Mississipi. Há uma comunidade que vive na beira do rio, vivendo das próprias águas para a subsistência. Entre essas pessoas, há a família de Ellis (Tye Sheridan). A mãe não quer mais viver na casa à beira do rio, herança de seu pai. O pai precisa viver lá, pois não sabe o que fazer na cidade grande. O menino fica dividido, e assim também ficamos. A direção acerta em nos colocar na cabeça de Ellis, uma criança de 14 anos descobrindo a adolescência com resquícios de uma infância ainda viva no interior. Enquanto a mente entra em conflito, o espectador também entra no mesmo efeito. A inocência é a verdadeira guia do olho-câmera em Mud, são poucos os momentos em que um adulto fala e é compreensível o que diz. Pegamos as irritações, os jeitos, as dúvidas e as emoções de Ellis e, à partir do momento em que o menino foge da janela de sua casa, já começamos a nos conectar com todos eles.

A história, porém, prolonga além disso e foca em outras questões - todas ainda vistas pela visão inocente de um menino que crê no mundo em que vive. Ellis e seu amigo Neckbone (Jacob Lofland) ouviram uma história e querem comprovar a veracidade. Há um barco abandonado numa ilhota e é necessário ver para crer, ou ao menos satisfazer a vontade ilimitada do adolescente. É nesse barco que mora Mud (Matthew McConaughey), um homem misterioso com necessidades simples e uma personalidade dúbia. Para um garoto, Mud é um herói. Para o outro, Mud é o vilão. Quem é Mud?

Mud passa longe de herói, da mesma forma que não é um vilão. É um simples homem em conflito com uma força mais presente do que nas outras simples pessoas que existem. Mud é um deus ex-machina para almas inocentes assim como o barco é a representação do fantástico para o perturbado e obsessivo adulto. O que mais chama a atenção é o fato do próprio Mud possuir trejeitos infantis sobre a insistência em um determinado assunto, enquanto Ellis se parece muito mais adulto do que ele em algumas cenas, apesar de sua pouca idade. Matthew McConaughey faz muito bem sua caracterização do anti-herói, com inocência em uma carapaça de rudeza. Os trabalhos de Tye Sheridan e Sam Shepard não passam despercebidos, em especial para o ator mirim. Há de se lembrar também de toda a trilha de David Wingo, essencial para a construção do amadurecimento, o real objetivo de todo o filme com suas situações justapostas e seu ritmo leve.

Mud tem um saldo mais do que positivo por ser um conto de fadas moderno, baseado num cenário impropício ao nascimento de tanas emoções conjuntas. A seriedade e a mesmice da rotina são cansáveis, os momentos de alegria são poucos, muitos momentos o filme atinge uma densidade anormal para o esperado, e mesmo assim é a prova viva de que um filme consegue reproduzir relações pessoais tão simples como amor e amizade em uma tela.

Quantos filmes te fizeram sorrir neste ano, em relação a estreias? Me lembro de três filmes que me fizeram sair leve de uma sala do cinema, com um sorriso no rosto e uma sensação além do esquecimento. Mud é um deles, e consegue tudo isso com uma simplicidade admirável.

NOTA: 9

13 de setembro de 2013

Invocação do Mal (2013)

Um filme de James Wan com Patrick Wilson e Vera Farmiga.

Lembro-me de alguns anos atrás, quando Namorados Para Sempre estreou no dia dos namorados, numa tentativa clara de enganar um público-alvo com um nome completamente errôneo. Traduzindo literalmente do inglês, o nome seria algo como Dia dos Namorados Triste ou qualquer variação. Imagino a quantidade de casais que, esperando ver um filme romântico com seu par, depara-se com um melancólico fim de namoro. A distribuição é muito esperta e nem todas as vezes é justa. Fico feliz em dizer que Invocação do Mal não é uma enganação para quem vai na sexta feira 13 ao cinema esperando ver um filme de terror - e um melhor do que todos aqueles que nos foram apresentados ao longo do ano.

James Wan é o diretor australiano conhecido por ser o precursor de uma das maiores (e mais cansativas) franquias do horror desse novo século, Jogos Mortais. Isso já comprova sua qualidade como diretor de filmes de terror e de tensão, já que ele só dirigiu o primeiro filme, aquele em que tudo era novidade e apresentava um plot twist realmente inesperado. Essa não é sua única bagagem nos filmes de terror, já que ele se aventurou também em Sentença de Morte e Gritos Mortais. Wan, porém, conseguiu assumir uma estética recentemente com seu ótimo Sobrenatural, um filme relativamente simples que consegue manter tensão e ritmo até os momentos finais, mesclando todos os elementos possíveis.

Sobrenatural, porém, foca no exagero e na tensão precipitada. O foco do filme são sustos, o que nós vemos desde o início quando o nome do filme surge de uma tela preta com uma trilha ensurdecedora. Isso se difere de Invocação do Mal pois este gosta de construir uma atmosfera para chegar ao fim. Há sustos aqui também, mas eles são premeditados e crescentes. O medo do novo filme de Wan provém do acompanhamento da situação. Note que aqui não faz sentido apenas aparecer um relato do que ocorreu em forma de narrativa (Filha do Mal, O Último Exorcismo) ou flashbacks (O Exorcismo de Emily Rose). Nós, como espectadores, somos inseridos no tempo-espaço da família Perron e só assim conseguimos sentir o que eles sentem, da mesma forma que Atividade Paranormal fez e ainda faz.

Mais uma vez o roteiro consegue ser simples e, ainda assim, manter uma tradição do cinema do horror. É inegável a referência a obras como O Exorcista ou Poltergeist, mas originalidade não é pré-requisito de qualidade, por mais que seja bem vinda. Invocação do Mal, porém, tem muitos de seus bons momentos e criações. O filme ganha um ritmo muito bom, começando com lentidão no início até se revelar rápido e ágil em fugir de alguns lugares-comuns. A rapidez peca em alguns momentos, porém, e não esconde pequenos furos de roteiro que prejudicam a credibilidade da narrativa, critério importante em filmes de terror.

A construção da atmosfera é impecável. A fotografia é escura e predominantemente bege, quando alguns tons claros tentam voltar à trama. Toda a direção de arte tem uma preferência para cores neutras e tons acinzentados, desde os figurinos variados até a escala de cores do papel de parede. Muitos dos ângulos utilizados dão a impressão de vertigem, com foco naqueles que tomam o olhar do protagonista como referência. A maior parte de todo o terror concentra-se no psicológico da espera, e não do imediatismo. Há de se acontecer alguma coisa, em algum momento, em algum canto da tela. A surpresa excita, mas a falta dela mantém a angústia.

Talvez o grande trunfo do filme seja a grande representação de histórias paralelas entre toda a narrativa, o que nos leva a dar uma expectativa maior a uma sequência (que eu duvido que venha a acontecer). James Wan é muito esperto em deixas várias histórias abertas, como a filha do casal Warren, o segredo que permanece em ser o que Lorraine viu e que a aterrorizou tanto, o início do casal como caçadores do sobrenatural. É muito inteligente colocar como atração principal um evento da vida da família Perron sem tirar o foco protagonista de Ed e Lorraine Warren (Patrick Wilson e Vera Farmiga). A incompletude é que faz o filme parecer completo aos nossos olhos e é este artifício que faz o desfecho de Invocação do Mal, por mais que semelhante a muitos outros desfechos atuais, ainda manter o arrepio da espinha.

Não pude revelar o que é a história de Invocação do Mal, não pude falar mais sobre cada um dos detalhes que mais me chamou a atenção porque boa parte de uma experiência cinematográfica consiste no assistir para impressões próprias. Um terror consiste basicamente na não-expectativa para poder funcionar com precisão para um virgem do filme em questão, e tirar a experiência de qualquer um que não viu esta grande obra do horror que presenteia o dia do azar é um pecado.

NOTA: 9