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2 de fevereiro de 2012

O Artista (2011)

Um filme de Michel Hazanavicius com Jean Dujardin e Bérénice Bejo.

É simplesmente difícil imaginar a reação de um público atual indo assistir a uma fita nos primórdios do cinema. Há quem ame apenas pensar em ter a oportunidade de ver um trem em preto e branco indo em direção a uma plateia em 28 de Dezembro de 1895, numa apresentação dos Irmãos Lumière. Outros não conseguem pensar em nada mais maçante do que observar por 100 minutos um filme sem falas e em preto e branco. É por isso que é difícil sair de toda a atmosfera de dramas, comédias, romances e horrores atuais que a evolução da sétima arte proporcionou para ir assistir um filme mudo e em preto e branco. Apenas numa comparação simples, o mundo prefere ver toda a magia dos efeitos especiais em Avatar a passar um final de semana resgatando filmes de George Mèlies e Charles Chaplin. E é exatamente por isso que é bastante difícil imaginar a reação do público vendo O Artista, uma comédia nada convencional que está dando o que falar em diversas premiações. Há quem ame essa obra de Michel Hazanavicius, mas há pouco tempo um público na Inglaterra exigiu o dinheiro de volta após ver que o filme exibido era mudo e em preto e branco.

Voltamos ao tempo, estamos em Hollywood, mas o ano é 1927. O cinema mudo está em alta e o maior astro é George Valentin (Jean Dujardin). Na inauguração de um filme ele acaba conhecendo uma fã por engano, cujo sonho é ser uma estrela de cinema. Batalhando por seu sonho, essa fã - de nome Peppy Miller (Bérénice Bejo) - acaba ascendendo no ramo cinematográfico e mantém sua amizade com seu ídolo. Porém chega a crise de 1929 e o cinema acaba se reinventando aos poucos até ele começar a ter falas. Valentin, ao se recusar a fazer filmes falados, tem de achar um jeito de continuar sendo um ator mudo e ganhar dinheiro. Ao mesmo tempo, a fama de Peppy cresce a cada dia. E, assim como o sucesso dessa nova estrela, cresce o brilhantismo de O Artista a cada minuto de sessão, seja por todos os aspectos técnicos, seja pela ideia original de criar (melhor dizendo, recriar) todo um passado. Atores se apresentando após a inauguração de suas sessões, uma banda tocando a trilha sonora ao vivo para o público. Toda a ambientação dos anos 20 está magnífica. A fotografia preta e branca de Guillaume Schiffman combinada com o roteiro, a direção e a edição maravilhosa de Hazanavicius são fatores essenciais para o espectador retroceder 80 anos e se ver num clássico cinema mudo.

São duas realidades se contrastando aqui. De um lado temos o charmoso Jean Dujardin, numa atuação inspiradíssima. Seu desespero em ver todo o seu trabalho se tornando obsoleto é transferido ao público da mesma forma que um simples sorriso do ator contagia toda a plateia. O fim de sua carreira é o marco do fim do cinema mudo. Por outro lado, temos a realidade de Peppy Miller, interpretada com todo o carisma e bom-humor da bela Bérénice Bejo. A estreia dela, junto com sua ascensão, marcam o início do cinema falado. O que realmente acontece é a mesma ideia do romance principal entre os dois: não é que o par é contrastante, mas ele se completa. O que seria do cinema falado se não houvesse um cinema mudo anteriormente? Do mesmo modo que nos perguntamos, como estaria a vida de Peppy Miller se George Valentin não tivesse apontado o talento da moça? Além de um elenco brilhante com nomes como John Goodman, Missi Pyle, Penelope Ann Miller e James Cromwell, outro nome que brilha n'O Artista é Uggie, que nada mais é que Jack, o cachorro de George Valentin. E tem de se dar o braço a torcer, ele rouba a cena com tanto brilhantismo, é o cachorro perfeito para um galã como Valentin.

Antes de tudo, eu vejo O Artista como uma grande homenagem que satiriza e se rende aos encantos do cinema mudo. Quem não vê naquele roteiro brilhante toda a situação do clássico Dançando na Chuva? E em cada expressão de Jean Dujardin e Bérénice Bejo não há um Orson Welles, um Gene Kelly, um Charles Chaplin, uma Mary Pickford, uma Olive Thomas? O novo filme de Michel Hazanavicius bebe da fonte da juventude da sétima arte e a modela para agradar ao público contemporâneo. O drama e o humor acabam se juntando igual ao cinema mudo e ao cinema falado, as duas partes de uma única peça. Para completar, só falta lembrar da trilha sonora - excepcional e minha favorita ao Oscar - de Ludovic Bource. Como qualquer outra coisa do longa-metragem, ela tem que lembrar o passado, ecoando cada timbre já conhecido em filmes de Hitchcock, Fritz Lang ou Billy Wilder. Cada nota define uma cena, cada nota define uma emoção, e a trilha junto à atuação faz o filme ficar completo. A ausência de falas é mero detalhe. No fim você pode perguntar pra qualquer um o que acharam de O Artista. As falas podem ter sido diferentes na cabeça de cada um, mas o resultado final é arrepiante. Não há palavras para descrever a total experiência.

NOTA: 9