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31 de janeiro de 2011

Inverno da Alma (2010)

Um filme de Debra Garnik com Jennifer Lawrence e John Hawkes.

O filme tem uma trama que poderia ser boa, não nego. Afinal, o filme todo se baseava na força de uma personagem, já que os únicos atrativos das cenas são a fotografia escura e um cenário cruel de um retrato estadunidense real. E essa parte entre cenas e atuação deu certo, mas a história se tornou muito arrastada. Com a força de Jennifer Lawrence no papel da protagonista, o filme começa estabelecendo uma sessão familiar bem diferente da esperada, mostrando um lado cru dos Estados Unidos que a indústria Hollywoodiana esquece de mostrar e coloca, ao invés dela, apenas o brilho de Nova York, Chicago ou Califórnia. Admiro a simplicidade no roteiro e o objetivo de colocar em voga o lado esquecido da maior potência mundial - afinal, ela não é toda a promoção que fazem nela. Mas, no fim, a simplicidade que antes parecia um atrativo se torna um obstáculo para a carga do filme.
Ree Dolly (Jennifer Lawrence) é uma adolescente que vive numa região montanhosa no centro dos Estados Unidos e tem de carregar toda a sua família nas costas. Ela tem uma mãe doente e dois irmãos menores completamente dependentes de uma figura, atribuída a irmã já que o pai não esteve presente na vida dos filhos por cuidar de seu tráfico de drogas. Um dia, um policial bate na porta de Ree, avisando que o pai está foragido e que, se ele não voltar para a delegacia, a polícia tomará toda a casa e o bosque pertencentes a Ree, já que o pai deixou isso como garantia de sua condicional. A partir daí, Ree começa uma busca pelo pai desaparecido para não ter de deixar sua família. O problema é que seus próprios parentes a impedem de continuar a procura.
A atuação é fantástica mesmo. Jennifer Lawrence dispensa comentários, está excelente em seu papel. Sua personagem é a alavanca que move o filme. Como ela é a força motivadora de toda a obra, ela precisava de uma boa carga dramática, o que Lawrence tem de sobra. Imagine uma adolescente que rege toda a casa, tem de cuidar de uma mãe incapaz e dois irmãos que ainda não entendem o suficiente para um grau de independência. Ter de trabalhar cortando lenha para sobreviver, ver que o dinheiro não é suficiente para sustentar a família, ter de dormir em poltronas por falta de uma cama, ter de rezar para encontrar uma caça que alimente os familiares. Já é uma vida sofrida. Mas ver que um familiar importante na formação dessa família, porém ausente nesse período, deixou todo o sustento de uma vida como garantia de sua condicional é demais para ela. E ainda ver que ninguém a ajuda, ainda mais pelos laços de sangue que regem todos, é para sofrer. Ree Dolly ainda vai além. Enfrenta todos os familiares, que fazem parte de uma imensa máfia, nem que isso possa lhe significar uma morte rápida e, consequentemente, a morte da mãe e dos irmãos. Mas ela ainda vai atrás. Ter de suportar um peso desses, a vida na imensa precariedade e a ignorância dos familiares para com o caso, não é para qualquer um. Jennifer Lawrence tira de letra.
Vemos até onde ela iria por todas aquelas pessoas que não dariam nada para ela. Ela corre atrás de respostas do pai em toda a sua árvore genealógica, mas nenhuma resposta é dada. Porque ela continua correndo atrás? Se importa tanto assim com o pai? Na verdade, ela não daria nada pelo pai. Nem por qualquer outra pessoa da família que não convivesse com ela diariamente e criasse, no caso, um verdadeiro laço familiar. A importância da família no filme é tratada não com crueldade, sim com realidade. Não é toda família que é estereotipada ao passo de não acreditar na crueza de um homicídio em família. A família é tratada com verdade no filme em meio às relações conturbadas de um retrato implacável do verdadeiro Estados Unidos, e não do mundo empresarial e de cabaret que a mídia promove. Um ótimo exemplo do filme é o incrível John Hawkes, que faz Teardrop, o único familiar que acaba entendendo a sangria da sobrinha para encontrar o pai. Mas não pense que esse entendimento é tratado com amor, longe disso. Fora isso, ainda há o clima pesado e tenso que o filme produz com seu cenário denso numa região montanhosa, as diversas culturas de um país com imensa densidade, a fotografia escura com tons azuis para lembrar a frieza que a película traz e até a trilha sonora, variando entre o country tradicional e alguns toques de banjo, trazem a melancolia e a mesmice da região.
Não vá esperando uma superprodução, muito menos uma fuga da realidade através de efeitos. O filme preza por ser real ao extremo e por ser redondo, acabando no mesmo ritmo maçante do início. Inverno da Alma tem o crédito de ser um filme absolutamente real e imprime essa mensagem para o público através de uma simplicidade estonteante na elaboração do roteiro e de uma veracidade desagradável. Assim como em Biutiful, serve para acabar com uma visão perfeita de um lugar imperfeito ao mostrar a realidade crua. Mas não funciona com a mesma sintonia do longa espanhol. Concordo que o filme tem atuações dignas de Oscar. Agora se ele em si é o bastante para uma indicação ao melhor filme, são outros quinhentos.
NOTA: 6

29 de janeiro de 2011

Juventude Transviada (1955)

Um filme de Nicholas Ray com James Dean, Natalie Wood e Sal Mineo.

Não se pode esperar nada de um ser humano. Cite algum outro bicho mais instável do que ele, com suas recaídas, com problemas de relacionamento, com uma mágoa reprimida pela relação desgastante com os pais e amigos. Ainda combine isso com os hormônios fervilhando à flor da pele e com emoções que podem ser mostradas ou devem ser guardadas, isso de acordo com o que a norma social manda. Em norma social, lê-se a "galera". Se você é você mesmo, ninguém liga e isso pode até gerar o chamado bullying. O importante não é ser original, o importante é ser uma cópia da atitude alheia. O jovem é um bicho de sete cabeças de tão complicada que é sua vida e, se há um filme que retrata bem o caso dessa juventude reprimida, esse é Juventude Transviada, um filme antigo porém bastante atual.
Jim Stark (James Dean) é um jovem que acaba sendo preso por embriaguez e desordem na madrugada de Páscoa. Na mesma noite, também estão no distrito policial outros dois jovens, Judy (Natalie Wood), que fugiu de casa depois que o pai lhe chamou de vagabunda e tirou sua maquiagem, e John Crawford (Sal Mineo), também chamado de Platão, que atirou em cachorros. Os três jovens, de grupos sociais bastante distintos, se encontram pela primeira vez aí, com suas vidas no ápice de um drama abalado por razões emocionais. Ambos estudam no mesmo colégio e se encontram na manhã seguinte, mas são incapazes de fazer amizade entre si por pertenceram a lugares diferentes numa pirâmide social movida por popularidade. Ao Jim tentar ser amigo de Judy, isso acaba atraindo a atenção do namorado dela, Buzz (Corey Allen). A partir daí, começa uma rivalidade que leva a situações que mudam, no mesmo dia, a vida dos jovens.
As primeiras cenas do filme são um aperitivo para o que ainda estava por vir. A coisa que mais transparece é a personalidade dos três jovens. Jim Stark tem a mesma atitude do início do filme até o fim, que é sua rebeldia, a qual o tornou icônico. Sua originalidade é que não o integrava aos outros alunos. Isso porque tinham medo de ver algo tão verdadeiro numa vida movida por emoções reprimidas e atitudes falsas? Ele era uma ameaça aos moldes e grupos que continham os alunos? Em seu primeiro dia de aula, ele funciona como uma ponte entre diferentes grupos sociais. Ao mesmo tempo que fica amigo do garoto mais introspectivo do colégio, no caso Platão, ele tenta se unir ao grupo em que Judy está incluída. Onde há turmas juntas, ele vê cada pessoa individualmente e se interessa por elas, não importa se estão abaixo de uma cadeia já construída ou se estão no topo. E a obra ainda se torna mais marcante com sua trilha sonora que aparece nos momentos de maior tensão, para acentuar o sentimento.
Outra característica forte é a personalidade dos jovens que eles desejam mudar. A cena inicial do filme já é uma obra sozinha. James Dean bêbado e no auge de sua atuação, que só ia melhorar ao longo da sessão, deita numa rua e pega um boneco. A partir daí, suas cenas na delegacia mostram ele cuidando do boneco como se fosse um filho. Ele gostaria de ser aquele boneco ao invés de receber o amor artificial de seus pais? Os pais de Jim usam sempre o discurso: "tudo que você quer, nós não te damos?". Onde fica o amor e um exemplo paterno nessa relação completamente material? Se há algo que irrita Jim é ser chamado de covarde. Porque o pai dele é um covarde ao se submeter a mãe sem discutir, ao nunca interferir na educação de Jim. Na verdade, quem discute com a mãe é a avó, a mãe do pai. Na casa de Jim Stark, o pai era o personagem mais submisso às duas mulheres da casa. A mãe dominadora não é um exemplo daquela época, onde a sociedade era completamente patriarcal, regida por um homem. O machismo estava dominando. Mas qual a atitude de um garoto onde a maior influência na casa é feminina, onde nas outras é masculina? Não pretendo ser sexista com isso, mas era um padrão que regia a sociedade dos anos 50.
Ainda há Judy, uma adolescente já crescida que vê que o afeto entre o pai e ela já não é o mesmo, tudo interpretado com uma maestria sem igual por uma ótima Natalie Wood, que já na primeira cena, num diálogo com o policial, já consegue mostrar o seu tom sentimental e revelar uma difícil personalidade. Numa cena na mesa de jantar, ela insiste em receber um beijo do pai, que só dá carinhos para o irmão mais novo. Ela tem ciúmes do irmão ao ver que virou o novo xodó do pai? Ao mesmo tempo que ela não admite não receber o amor do pai por não ser mais nova, o pai lamenta o fato da menina estar crescida. Ao vê-la bonita, num vestido, completamente maquiada, ele não entende o fato de que sua filha cresceu e se tornou uma adolescente. Sua reação não é uma conversa ou uma explicação, é um tapa seguido de "vagabunda". Judy ainda tem que manter a pose resguardando suas mágoas para si.
E por falar em mágoas, ainda há Platão, o personagem mais fechado do grupo. Por nunca ter uma presença nem materna nem paterna em sua vida, vive sozinho e guarda seu rancor para ele, o que o torna cada vez mais doente. Se um garoto sozinho consegue pegar numa arma e atirar em cachorros, o que mais ele é capaz de fazer? É um adolescente sem amigos, reprimido, antissocial, mas com o sonho de ser integrado. E o que fazem com esse sonho? O destroem. Ao mesmo tempo que o adolescente pode ser instável, ele ainda é cruel sem razão. Ao ver uma pessoa que lhe abriu os olhos, Jim Stark, a atração pelo garoto começa. Jim vira um herói para o menino com dificuldade em se relacionar. Claro, já que ele é o único amigo que Platão já teve. Platão toma a figura de Jim como um molde para si mesmo, já que o amigo substitui a figura paterna que ele não teve. O problema é que um adolescente, tão danificado por dentro, uma hora transborda sua raiva com o mundo. Há de tomar cuidado com ele. E esse tema não acaba nos anos 50, já que continuamente aparecem jovens tímidos, que se revelam mortais a cada bullying que sofrem. Tiros em Columbine é sobre isso. O personagem Platão ainda fica melhor por ter o excelente Sal Mineo o interpretando, e isso muitíssimo bem. Ele não consegue se aproximar com facilidade das pessoas e, ao conhecer alguém que lhe deu um 'bom dia', já o toma como melhor amigo.
É um relato verdadeiro de uma juventude em época de mutação resultante da educação que lhes foi dada. O fato é, tudo que os acontece é uma culpa da atitude paterna. James Dean não era chamado de covarde para não se comparar ao pai sem atitude. Natalie Wood buscava em seus relacionamentos com os populares completar a lacuna do seu amor com o pai, que se tornou cada vez menor. Sal Mineo sofre tudo o que lhe foi imposto pela falta dos pais em sua infância. Os adolescentes estão com muitos amigos, mas cada vez mais sozinhos ao ter de enfrentar as situações de sua vida complicada. Afinal, numa fase de mudanças neles, qualquer mudança para com eles pode acarretar numa destruição de personalidade. Ao fim do ótimo filme com uma maravilhosa direção de Nicholas Ray, basta apenas refletir sobre essa juventude tão complicada e tão simples ao mesmo tempo. Já cantava Cássia Eller, "Eu entendo a juventude transviada...".
NOTA: 10


Dedicado a Cristiano Contreiras.

25 de janeiro de 2011

Biutiful (2010)

Um filme de Alejandro González Iñárritu com Javier Bardem e Maricel Álvarez.

Muitas pessoas vão ao cinema ou assistem filmes e os utilizam como uma válvula de escape do mundo real, umas duas horas fora de sua vida. Alguns assistem filmes para não encararem a realidade dolorosa e acabam vivendo num mundo apenas cinematográfico, onde o romance e a ação acontecem a qualquer momento. Pra essas pessoas, ver um filme de Iñárritu deve ser uma tarefa dolorosa. Não se deixe enganar pelo título, de bonito Biutiful só tem o nome. Ainda por cima escrito errado. E não espere uma visão romântica de Barcelona como Woody Allen mostrou em Vicky Cristina Barcelona. Aqui o diretor faz um jogo de imagens para criar um retrato contrastante da magnífica cidade-turística. Isso tudo sem escapar da realidade em seu relato cru de um lugar com duas caras. O problema é que apenas uma cara desse lugar é promovido.
Uxbal (Javier Bardem) é um médium que nunca conheceu o pai e perdeu a mãe ainda muito cedo. Na sua vida, ele é casado com Maramba (Maricel Álvarez), uma mulher que tem transtorno bipolar e frequentes recaídas. Além disso, ele tem dois filhos, Ana e Mateo (Hanaa Bouchaib e Guillermo Estrela, respectivamente) que sustenta arduamente. Ele ganha dinheiro usando o seu dom para falar com os mortos e descobrir o que lhes afligia na vida real, além de explorar imigrantes ilegalmente africanos e chineses. E, na sua vida, ainda tem que resolver problemas sobre o túmulo do pai junto com seu irmão Tito (Eduard Fernández). Para piorar, Uxbal descobre que tem câncer de próstata e que lhe restam apenas poucos meses de vida.
O filme é de uma densidade incrível. E como disse, não foge da realidade. Na verdade, a confronta. Tudo em Biutiful parece um jogo imenso de figuras armado por Iñárritu. Vemos cenários de uma cidade que vai além do que pacotes de viagem podem mostrar. Temos um contraste claro ao ver a Sagrada Família em segundo plano, transformada numa sombra pela presença de uma enorme favela em seu entorno. Há uma cena na obra em que os imigrantes africanos, ao estarem vendendo drogas na cidade alta, são perseguidos por uma polícia cheia de ódio e raiva, e uma vontade enorme de lucrar. A falta de pudor nas cenas seguintes, cheias de uma violência gratuita, são dignas desse longa. Enquanto os imigrantes correm pelas ruas de Barcelona, os cidadãos tranquilos, tomando seu café da manhã, finalmente tomam conhecimento dos africanos que andam pelas ruas da sua 'pacata' cidade, ao vê-los esbarrarem em mesas e pessoas numa desesperada fuga por liberdade. O jogo imenso de Iñárritu consiste nisso, fazer um balanço entre o 'beautiful' e o 'biutiful' numa cidade julgada por um preconceito mundial.
Outra curiosidade é a veracidade no personagem tenso de Bardem, já que ele move o filme. Com uma atuação perfeita, ele entra na pele do médium sofrendo os sintomas de um câncer avançado. E isso com maestria, as cenas finais, tratadas com uma frieza no auge do sentimentalismo previsto no início do longa, são dignas de sua indicação para o Oscar de melhor ator. O que o filme faz é simplesmente não esconder as facetas dos seres humanos. Uxbal sempre guardava o dinheiro de seus bicos para uma situação imprevista com os filhos, e utilizava seu dom de maneira incorreta, visando o lucro em seu difícil mundo. Não é para julgá-lo, mas a vida dele é realmente deplorável. Ele, que no começo do filme era o sustento da mulher bipolar, de seus filhos completamente dependentes e dos imigrantes que ele agenciava ou protegia por seus contatos na polícia, se torna um inútil após o câncer. Ao ver que a mulher começa a tomar as rédeas da situação familiar, ele se torna revoltoso, porém passivo. A doença o consome de forma a torná-lo impotente em relação a tudo. Um ótimo exemplo é o filho dele, uma criança insegura que ainda faz xixi na cama. À medida que o filme avança, Uxbal é quem começa a mijar nas calças, graças à incontinência urinária adquirida.
A peça que causava o equilíbrio familiar se torna mais dependente do que nunca. E não fala isso para ninguém. O filme ainda é bom para essa questão do machismo. Por conta da falta de cuidados, os homens morrem mais que as mulheres por tentarem parecer mais fortes do que realmente são. Se os sintomas de um possível câncer chegam, a ida ao médico só acontece dois meses depois, quando a dor se torna insuportável. O homem se torna tão dependente em seu silêncio que não são precisas palavras para se ver o quanto a morte se aproxima. Ige, uma imigrante senegalesa interpretada muitíssimo bem por Diaryatou Daff, vivia com o sustento de Uxbal. Quase no desfecho, ela que rege a casa dele, fazendo as tarefas diárias, levando as crianças para a escola, cuidando do médium enfermo e ainda tomando conta de um bebê. Todo esse cenário doentio é mostrado com o auxílio de uma fotografia escura, uma trilha sonora marcante e certeira e sua atmosfera pesada, cheia de sinais refletindo o quão perto está a morte de Uxbal.
Seja um relato intimista de uma vida miserável, seja uma denúncia às condições precárias vividas diariamente por milhares de seres humanos que se rebaixam em sua classe, seja uma crítica forte ao capitalismo, que vem antes de uma vida atualmente, - retratado muito bem na cena dos aquecedores ou a cena final de Ige - Iñárritu mostra que também consegue fazer filmes excelentes sem Guillermo Arriaga. São confissões bastante densas e hostis combinadas com a Barcelona existente e não vista hoje em dia, junto com belíssimas atuações como a de Javier Bardem e da inesperada Maricel Álvarez. Biutiful é um filme belo com um roteiro cruel e triste.
NOTA: 9

23 de janeiro de 2011

Vidas Que Se Cruzam (2008)

Um filme de Guillermo Arriaga com Charlize Theron, Kim Basinger e Jennifer Lawrence.

O que esperar depois da separação entre o roteirista e o diretor da ótima Trilogia do Caos (Amores Brutos, 21 Gramas e Babel)? Guillermo Arriaga mostra que consegue também dirigir ótimos filmes sem seu antigo parceiro Iñárritu com essa obra. Vidas Que Se Cruzam tinha uma história que renderia um drama fácil, porém, por mais que a Trilogia do Caos tenha terminado em 2006, ainda percebem-se resquícios dos outros filmes na primeira viagem de Arriaga, o que o torna mais do quem apenas mais um drama. A falta de linearidade, a ordem cronológica alterada, tramas entrelaçadas e personagens, no mínimo, curiosos, são figurinhas repetidas aqui. Por mais que ele tente reutilizar sua fórmula, o resultado ainda é inferior às suas três pérolas com o diretor mexicano.
Vidas Que Se Cruzam conta várias histórias paralelas entre si, que vão se tornando cada vez mais ligadas à medida que o fim do filme se aproxima. Temos, primeiramente, Sylvia (Charlize Theron), a dona de um restaurante que tem um passado obscuro e insiste em escondê-lo através de suas cicatrizes e de sexo completamente sem prazer; Mariana (Jennifer Lawrence), uma garota transtornada após a morte da mãe que se apaixona pelo filho do amante dela, Santiago (J. D. Pardo); Gina (Kim Basinger), uma mãe de família que comete adultério com Nick (Joaquim de Almeida); e Maria (Tessa Ia), uma menina cujo pai, um piloto que auxilia nas plantações de agricultores, sofre um acidente, e agora procura a mãe desconhecida.
O maior auxílio do filme em seu funcionamento fica nas ótimas atuações, que não caem em momento algum e trazem o máximo de emoção para as cenas que carecem dessas. Charlize Theron e Jennifer Lawrence carregam o peso do drama nas costas em suas personagens complicadas com passados obscuros. E tiram de letra. Charlize me convence do início ao fim em sua personagem fria com seus assuntos diários. Kim Basinger, a mãe que não sente mais prazer em casa com seu marido e seus filhos, está perfeita. E vemos nas telas o quanto ela sabe que está errada em distribuir o prazer e a obrigação numa balança fora da moral, já que suas expressões entre o feliz e o desconfortável se sobressaem em sua interpretação. Mas tenho que dizer que a novata Jennifer Lawrence é a minha surpresa do filme. A menina, indicada a inúmeros prêmios por sua atuação excelente no filme do ano passado, Inverno da Alma, mostra que esse pode ser o início de uma grande carreira com sua personagem.
Os personagens carregam a maior parte da teia formada pela trama. Mariana admite, logo no meio do filme, que amava a mãe morta, mas que não gostava dela. Claro, pra uma garota que ajuda a cuidar dos irmãos diariamente enquanto a mãe trepa na divisa do estado, uma descoberta dessas é um tiro na cabeça. Ela se sente muito traída e tenta tirar a mãe dessa vida para um possível arrependimento. Quando nada sai como o esperado, o martírio da garota começa. Ela carrega toda uma carga sem falar para ninguém e constantemente se fere para poder sustentar a dor física com a dor emocional que sente em sua alma retraída. E até que ponto vai essa dor? O sadismo da garota segue durante sua vida inteira. No futuro, ela não consegue sentir prazer num ato sexual, por mais excitante que ele seja. Ela tem de se ferir constantemente para segurar as pontas de seu passado obscuro.
Ao ter de suportar o peso da morte da mãe, ela se vê sozinha em casa, cheia de culpa, no meio de uma família abalada e cheia de vingança para dar àqueles que tiraram a matriarca da família. Não que a mãe fosse a base para o sustento e a sobrevivência da família, mas era o equilíbrio para ela. A partir daí, ela descobre o prazer. Mas como proceder se o resto diz que o prazer que ela sente é errado? Ao sair de sua vida tediosa, com suas obrigações banais para descobrir o amor e o sexo num jovem proibido, o que a menina era suposta a fazer? Um amor proibido gera uma traição e uma revolta. Essa traição e essa revolta geram um outro amor tão proibido quanto o primeiro. E esse novo amor gera uma revolta maior ainda. A culpa transborda na inquieta alma dessa garota. É culpada por tudo. E assim ela cresce, amargurada, cheia de sofrimento, tentando procurar a dor no prazer que a mãe buscava em suas escapadas. Esse crescimento é retratado de uma forma não linear, já que o futuro chega mais rápido do que o previsto na película. Mas tudo é acompanhado de uma fotografia esplêndida, cenários lindos e uma trilha sonora que prende, junto com os diálogos entrecortados e carregados do filme.
Com personagens profundos e uma boa direção, pra primeira vez, Vidas Que Se Cruzam se segura em suas excelentes atuações e num roteiro entrelaçado, com fortes referências à sua antiga parceria. Referências essas que começam com o próprio nome do filme. Um filme fora de ordem que carrega situações entre a vida e a morte, a paixão e o ódio, a culpa e a tranquilidade, o peso de uma mágoa marcante e arriscada e a leveza de uma vida tranquila sem qualquer chances de felicidade. Arriaga mostra que consegue fazer boas obras, embora com ainda uma certa dependência da Trilogia do Caos. A questão agora é se Iñárritu consegue se segurar sem seu roteirista em seu Biutiful.
NOTA: 8

21 de janeiro de 2011

A Mentira (2010)

Um filme de Will Gluck com Emma Stone, Stanley Tucci e Patricia Clarkson.

A comédia novamente nos surpreende ao se misturar com situações que já se julgavam perdidas. Com tantas produções que já existem mostrando uma adolescente que se desfaz de sua personalidade para subir na pirâmide social, não esperava que esse tema pudesse ser reaproveitado. A Mentira é uma ótima diversão tanto por sua temática quanto por sua protagonista, que descontrói todas as relações sociais, tornando-as cada vez mais banais e menos espontâneas e verdadeiras. E é nos olhos dessa menina que vemos o filme inteiro por seu lado, observamos o quão distante ela consegue ser, mas ao mesmo tempo observadora ao extremo ao caracterizar cada pessoa com um adjetivo próprio. Além do mais, suas narrações em off convencendo o espectador do lado verdadeiro de sua história mentirosa são pontos extras para o filme.
Olive Penderghast (Emma Stone) é uma garota invisível em seu colégio. Por mais que tenha um senso de humor e uma amizade com Rhiannon Abernathy (Aly Michalka), o resto do colégio parece não a notar por não ter um atrativo sequer. Para ela não ter de sair com os pais de Rhiannon num fim de semana, ela mente que tem um encontro com um garoto. Na segunda feira, sua amiga a interroga e ela acaba dizendo que transou com o menino para poder se livrar da conversa, mas tudo é escutado por Marianne Bryant (Amanda Bynes), uma religiosa conservadora e extremista, que espalha os boatos pelo colégio e logo a desconhecida Olive vira o centro das atenções. Com essa sua nova fama, ela se identifica com a personagem principal do romance A Letra Escarlate e acaba ajudando as pessoas mais apagadas da escola a serem mais vistas, fingindo que transou com elas por dinheiro. A partir daí, os boatos crescem e o que antes era uma suposição vira uma certeza: Olive é uma vadia.
O filme consegue não cair no clichê extremo usando um tema banal. Os méritos vão exatamente para isso e para o não exagero na construção dos personagens. Todos têm uma motivação bem clara. Rhiannon começa a ter inveja ao ver que sua amiga que, antes era invisível, agora é popular ao extremo. Marianne é movida por sua crença na religião, por mais que isso a torne insuportavelmente preconceituosa e intrometida. Olive é movida por algo que nunca experimentou antes. Uma garota que antes não poderia ser achada pelo Google Earth se estivesse vestida de prédio, como ela bem comenta no filme, agora é olhada por todas as pessoas do colégio? Ótimo, mas ela vai querer voltar a seu status de zero à esquerda? Por mais que sua mentira a incomode, ela prefere ser apelidada de puta a mentirosa. A partir daí, Olive aproveita da sua má reputação para ajudar os outros garotos da escola que não conseguem pegar nenhuma garota e acabam sofrendo bullying. E por mais que isso pare com as chacotas, a fama dela só cresce e, ao ver que a situação se torna incômoda, não há mais maneiras de acabar com sua mentira. A solidariedade da menina tem mesmo tanta razão? O altruísmo deve ser mais levado em conta do que a si próprio?
A sua nova personalidade toma conta de Olive para algo além do altruísmo, que é a vingança. Vingança de sua melhor amiga por não ter a apoiado nessa sua nova popularidade. Vingança do grupo hipócrita de crentes do colégio que começam a infernizar a vida dela. A protagonista não tem controle de suas ações ao se ver cheia desse ódio, tanto que encarna a protagonista adúltera do livro que está lendo em aula. A provocação apenas aumenta a vontade de continuar com esse personagem. E quando a mentira se torna perigosa e sua reputação desaba? Quando a despreparada conselheira da escola, interpretada por Lisa Kudrow, pede que Olive assuma sua DST, o filme chega no seu ápice. É uma pena que ele abaixe depois disso. No filme, vemos que Emma Stone, magnífica no papel de Olive, é a única com uma verdadeira carga dramática ao ter de viver no inferno que é a sua mentira. Consegue suportar toda a história do filme em suas facetas e em seu típico sarcasmo. Os outros personagens criados foram feitos apenas para uma comédia mais característica. Stanley Tucci e Patricia Clarkson estão como os pais de Olive para isso.
A Mentira é algo mais divertido do que se poder ver atualmente em comédias com alto nível de marketing e baixo nível de humor. O filme tenta trazer à tona um relato sobre o bullying nas escolas, a incompetência administrativa, a falta de interesse dos diretores para com os alunos e o homossexualismo e a forma primitiva como ainda é tratado por pessoas intolerantes. Mas isso fica em segundo plano, já que a história sobre a adolescente certinha que vira uma piranha é bem mais atraente e focada. Além de que, Emma Stone rouba qualquer outra atenção do filme com sua maravilhosa interpretação. É ótimo para se dar risadas e ver, nas telas, um relato dos relacionamentos adolescentes.
NOTA: 7

20 de janeiro de 2011

11 de Setembro (2002)

Um filme de Samira Makhmalbaf, Claude Lelouch, Youssef Chahine, Danis Tanovic, Idrissa Ouedraogo, Ken Loach, Alejandro González Iñárritu, Amos Gitai, Mira Nair, Sean Penn e Shohei Imamura com Ernest Borgnine, Emmanuelle Laborit e Vladimir Vega.

O que prevalece no filme é um sentimento. Agora que sentimento os diretores nos dizem. Indignação, desolação, desconforto, culpa, vergonha, indiferença, alegria, tristeza. São tantos os sentimentos que descrevem uma data especial que conseguiu mudar o mundo que não há como resumí-los num só, razão pela qual cada diretor de uma nação diferente fez um curta de 11 minutos, 9 segundos e 1 frame para mostrar seu sentimento sobre essa fatídica data. O resultado é composto de altos e baixos, nada que se espere mais. Com nações e culturas diferentes, é de se esperar que o ataque ao World Trade Center afete cada um distintamente e que cada um filme com essas diferenças, do jeito que a direção achar melhor. O melhor seria um momento silencioso? Uma história não necessariamente verídica, mas interferida drasticamente pela queda das torres? Será que é preciso mostrar apenas o lado triste dessa história ou também o lado que não sofreu diretamente? 11 de Setembro mostra isso em 11 curtas dolorosos e marcantes por suas técnicas, cada um transmitindo o que bem lhe interessa.
O primeiro curta traz um sentimento muitas vezes sentido como uma passividade ou indiferença para com o resto do mundo. No Irã, ao som de pessoas gritando sobre a possível Terceira Guerra Mundial e o caos que se espalhou pelo ocidente, temos como referência a visão de crianças que não conseguem entender o tamanho do acidente causado graças à ingenuidade, que chega a ser uma benção. Para fazê-las entender, uma professora aflita tenta criar um minuto de silêncio, mas as crianças permanencem irrequietas. Não conseguem calar-se perante algo que lhes afeta indiretamente. O segundo curta é a perspectiva de uma francesa surda que se muda para Nova York para viver ao lado de seu amor, um guia turístico para surdos. Ao termos todos os sentidos que ela possui ao nosso dispor, um silêncio irritante surge na tela ao vermos ela digitando um término de relacionamento em segundo plano, enquanto no primeiro as imagens das duas torres desabando são apresentadas na televisão. Por fim, um desastre conseguiu impedir o fim de um amor numa alma inquieta que não conseguia acompanhar os fatos por sua deficiência. O terceiro curta do egípcio Youssef Chahine é o mais fraco ao meu ver. Ao tentar apresentar imagens desconexas em forma de um documentário apresentando a alma de um jovem morto para tentar trazer uma vergonha aos americanos por suas guerras, seu espaço fica confuso e não muito bem sucedido.
Danis Tanovic faz diferente ao mostrar na Bósnia-Herzegovina um sentimento de revolta pelo massacre em Srebrnica em 11 de Julho, criando a tradição de uma passeata a cada dia 11. Quando os dois dia 11 se interligam, os bósnios mostram um misto de confusão mas um respeito para seguir em frente por essas duas datas fatídicas através da figura de Tatjana Sojic e Aleksandar Seksan. O quinto curta, provindo de Burkina Faso, foi minha surpresa mais agradável no filme inteiro. O 11 de Setembro aparece em segundo plano para dar lugar a uma história de um garoto cuja mãe aparece doente, e não tem o dinheiro para pagar os remédios. O drama surge daí, mas o que o dia interfere na história? O garoto, entregando jornais para sobreviver, reconhece na rua a figura procurada pela polícia: Osama Bin Laden. Daí em diante é um retrato verdadeiro da luta para capturar o terrorista e pagar o tratamento da mãe. O sexto curta, do inglês Ken Loach, mostra um chileno que vive na Inglaterra e escreve uma carta para os americanos que sofrem pelo 11 de Setembro. Mas ele se refere a outro 11 de Setembro em sua carta, o de 1973, quando Salvador Allende foi deposto do governo chileno por intermédio dos americanos, ao verem que o Chile estava renegando o sistema capitalista. Sua carta, transbordando emoção, traz o sentimento mais humanitário possível, a compaixão por aqueles que destruíram uma vida e trouxeram a morte e o exílio para milhares.
Iñárritu tem um curta simples e poderoso. Ele aproveita de seus 11 minutos ao mostrar o desespero dos repórteres, dos entes queridos, de pessoas que sofrem diretamente com o atentado por conversas desesperadas e imagens sofridas, separadas por longos segundos do mais puro silêncio e escuridão. A tensão se dá pelo mexicano. O oitavo curta, do israelense Amos Gitai, é ótimo. Ele consegue mostrar toda a confusão, o desespero e o desentendimento através de um alerta de bomba num único plano-sequência, onde o foco muda de lugar numa câmera descontrolada. É a bagunça criada na mídia sensacionalista ao mostrar caos no lugar do sofrimento. O nono curta, da indiana Mira Nair, coloca o sentimento de perda de uma mãe ao ver que seu filho está desaparecido. A partir daí, ele é acusado como terrorista e a mãe sofre as consequências dessa falsa acusação. Ela, uma indiana vivendo nos Estados Unidos, sofre com a discriminação através da xenofobia e da falta de contato com seus amigos, outra hora tão receptivos. Tempos depois, quando o filho dela se revela um herói, nada adianta. O que está sofrido, está sofrido. Ela só pede a Deus, num momento poderoso, compaixão por aquele povo perdido e pela memória do filho como ele realmente foi em sua vida.
Por mais que os outros curtas retratem os sentimentos mais antagônicos e variados para o horror de 2001, espera-se que o americano mostre um caos horripilante culpando o oriente. Não. Sean Penn consegue ser tão polêmico quanto os outros ao mostrar a felicidade obtida num 11 de Setembro para americanos revoltados que perderam suas casas. Ele consegue mostrar que, mesmo onde todas as pessoas veem a morte, há vida desabrochando. O último, o curta japonês de Shohei Imamura, reflete um sentimento de vergonha poderoso ao mostrar a história do homem que, com vergonha de seus atos de guerra, preferiu se transformar numa cobra. Por mais peçonhenta que seja uma cobra e por mais que ela mate por sobrevivência, não seria preferível viver por instintos do que matar seus semelhantes por discussões tolas? E o Japão consegue isso sem nem lembrar dos Estados Unidos em seu momento.
É um filme irregular, mas com personalidade. Ao termos em nossa mente o 11 de Setembro como um atentado terrorista com as informações apenas dadas por uma mídia não tão confiável assim (o curta de Amos Gitai lembra isso bem), esquecemos de olhar por outro lado. Não espere aqui um sentimento de revolta americano, repleto de injustiças para com o Oriente Médio. Espere aqui um sentimento dos outros países atingidos, direta ou indiretamente, pelo 11 de Setembro.
NOTA: 8

19 de janeiro de 2011

Selo de Qualidade


O Selo de Qualidade é um prêmio do Projeto Créativité concedido ao Crítica Mecânica pelo nosso parceiro do blog CINEBULIÇÃO, Luiz Santiago. Um obrigado ao Luiz pela premiação.

Como dizem as regras, devo indicar agora até 15 blogs que, ao meu ver, também merecem esse Selo de Qualidade e avisá-los de que os premiei:
.Ccine;
.Cinegrafia;
.O Mundo dos Cinéfilos;
.Película Criativa;

E como também dizem as regras, os indicados devem responder o seguinte questionário:
Nome: Gabriel Neves.
Uma Música: Todo O Amor Que Houver Nessa Vida.
Humor: Bastante mutável, mas ultimamente anda péssimo.
Uma Cor: Preto.
Uma Estação: Outono.
Como Prefere Viajar: Prefiro não viajar. Se não houver essa opção, algo que não voe.
Um Seriado: True Blood.
Frase e/ou Palavra Mais Dita Por Você: "Deus do céu..."

Obrigado mais uma vez pela indicação do CINEBULIÇÃO.

Enrolados (2010)

Um filme de Byron Howard e Nathan Greno.

Agora é isso que eu chamo de inovação, o que realmente não aconteceu em As Viagens de Gulliver. Ao pegar uma história clássica e infantil dos Irmãos Grimm e modificaram algumas coisas para a boba e infantil princesa ficar mais atual nos olhos do público. Rapunzel agora tem uma história independente da que a sustenta, cria uma ligação com o espectador ao usar uma linguagem muito menos rebuscada que a versão original e agora tudo tem um motivo para ter acontecido e para ainda acontecer. Junte isso com músicas cantadas a cada 5 minutos por personagens que, embora tenham sofrido alteração com a atualização, continuam com a mesma carapaça de sempre e pronto, temos um conto de fadas moderno. Músicas com a carga sentimental de uma princesa complexada e a comédia, que surge inevitavelmente pelas situações propostas, ao mesmo tempo.
Uma flor nasce num vale pacífico e calmo, flor essa que tem o poder da cura para quem a canta uma certa canção. A velha Madame Gothel acha a flor e, egoísta como é, não divide o poder de cura com ninguém. Com o passar dos anos, um reino é construído na vila. A rainha, grávida, fica seriamente doente, o que faz os súditos procurarem a flor. Ao achá-la, a rainha toma a flor e melhora. Como efeitos da flor, nasce uma menina de cabelos loiros, que possuem os mesmos poderes da flor. Madame Gothel, querendo ser jovem e saudável para sempre, rouba a menina e a tranca numa torre. 18 anos depois, Rapunzel, esta mesma menina dos cabelos loiros, sonha em sair de sua torre para conhecer o mundo de fora. Mal ela sabe que isso logo se tornará possível com a ajuda do ladrão Flynn Rider.
É uma renovação dos sonhos clássicos. A boba e passiva Rapunzel, que vivia em sua pose de princesa condescendente, vira uma menina jovem com sonhos e motivações para suas ações, cujos sentimentos são explicados facilmente pela história que se vê nas telas. O príncipe encantado, em sua pose galante e com seu belo cavalo branco, se transforma num ladrão vil e atrapalhado, que não liga para mais ninguém senão ele mesmo. E o cavalo branco, que trabalha para a polícia mas não recebe a atenção que deseja, é desconfiado e competente. Ainda há a malvada bruxa, que se torna um pouco mais humana que na versão original e tem sua personalidade mais bem explorada na trama. Fora isso, tudo que acontece no filme é o que acontecia nos contos de fadas com requintes aqui e acolá. Os vilões se transformam em mímicos e colecionadores de unicórnio. O cabelo de Rapunzel tem uma razão para ter 21 metros - e em nenhum momento do filme esses metros de cabelo são deixados de lado ou fora de cena. O romance ainda acontece em meio a músicas que ficam na cabeça sobre sonhos e um instinto materno traiçoeiro cheio de segundas intenções. O 3D vira uma alternativa mais interessante, mas não tanto a ponto de pagar o preço estipulado. E, a dublagem permanece horrível. O ladrão, que já possui o estereotipo de atrapalhado, ganha a voz de Luciano Hulk nas telas brasileiras, e devo dizer que não é a melhor das experiências.
Com musiquinhas irritantes que permanecem gritando na mente por horas à fio, com cenas românticas em barcos a luzes de lanternas voadoras, com um final feliz e intocado, como na versão original, mas com um drama a mais para manter os olhos atentos na tela, Enrolados é uma boa sugestão para uma diversão a mais. Com personagens bem trabalhados que parecem ter saído do mundo atual, feitos para as crianças se identificarem, e mantendo o bom-humor na sessão inteira, vale a pena conferir o que a Disney fez dessa vez.
NOTA: 7

As Viagens de Gulliver (2010)

Um filme de Rob Letterman com Jack Black e Emily Blunt.

O real problema do filme é a inovação que segue descontrolada. Mas parece que o diretor nem percebe esse fator ao criar uma nova lição para o clássico As Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift. Ao construir a cidade e personagens completamente baseados na trama de 1726 sem dar crédito algum para o escritor da obra, o diretor inova num clássico para colocar símbolos da cultura pop, que variam desde o sucesso que foi Avatar até o jogo Guitar Hero e o seriado Glee. O problema é que não há nada de inovador na mensagem que o filme tentou passar através de suas dancinhas e histórias já vistas milhares de vezes em outras obras. Se bem que, o livro do século XVIII passa uma lição bem melhor do que o filme dessa nova década ao ironizar uma sociedade e não servir como uma lição para o crescimento interior como uma boa pessoa.
Gulliver (Jack Black) trabalha no setor de correspondência de um jornal de Nova York. Ao tentar chamar Darcy Silverman (Amanda Peet), a chefe da seção de viagens, para um encontro, ele acaba como um escritor e sendo mandado para fazer uma matéria no Triângulo das Bermudas. Ao chegar no local, ele enfrenta uma imensa tempestade e um redemoinho invertido, que o suga para uma ilha estranha, onde todos os habitantes medem centímetros e o condenam por ser um completo estranho nesse mundo novo. Mas ao salvar a princesa e o rei de Lilliput (Emily Blunt e Billy Connolly, respectivamente), ele ganha a admiração do povo e começa a ser tratado como herói, parte por seu "ato de bravura", parte por suas mentiras.
Sinceramente, não gosto de Jack Black, talvez por que ele faça em sua maioria filmes de comédia, que eu geralmente não suporto. Mas é inegável o fato de que ele dá o tom para a toda a trama se sustentar. O filme inteiro é baseado apenas em facetas e expressões de Jack Black para se dar a graça na sessão, criando até certa simpatia e sorrisos a contragosto de tão patético, caricato e infantil que é o protagonista. E, graças a essa sua oportunidade de fazer bonito e criar a comédia do filme inteiro, os outros atores não se sobressaem. Ele praticamente rouba a cena. Por mais que Amanda Peet esteja junto dele para criar certo romance, é pra ele que a câmera se dirije. O resto não fica muito feliz em seus papéis. Emily Blunt parece forçada na ingênua e sonsa princesa, e seus diálogos constantes de vítima só a tornam mais chata e passiva, por mais que ela tome atitudes durante o filme.
De resto, o filme fica em sua suposta inovação ao parodiar cenas comuns de nosso dia-a-dia, como propagandas, séries, filmes. Isso sem falar no Times Square que Gulliver cria no meio de uma cidade, as falas com personagens fictícios no meio e uma cantada feita apenas por uma música do Prince. Se isso funciona para roubar risadas da plateia? Com toda a certeza, e ainda risadas bastante verdadeiras. Mas eu só quero ver até quando. O 3D, assim como todo filme ultimamente, não é bem utilizado, só sendo aproveitado em 5 minutos da trama inteira. Apenas serve para uma família gastar muito com um ingresso de cinema para colocar óculos que cansam a vista. De resto, nada sai perfeito. As intenções da história de Swift se perdem totalmente nessa inovação, que se transforma de uma crítica à sociedade inglesa da época para uma fábula feita para ninar crianças.
Imagine uma sociedade que desconhece tudo o que você é, faz ou sabe. Você os ensinaria ou tiraria proveito de sua ingenuidade? O clássico virou uma comédia meio forçada em sua construção e os ensinamentos ficam em último plano para dar ao público o que eles mais gostam hoje em dia: beijos no fim do filme, risadas provindas de situações nada usuais, um antagonista bem característico e um protagonista que se perde em meio a suas trapalhadas, mas se supera no fim. Um filme bem previsível, vamos falar. Recomendo para se dar risadas, mas o objetivo verdadeiro fica tão minúsculo quanto um lilliputiano em meio à comédia.
NOTA: 3

17 de janeiro de 2011

O Labirinto do Fauno (2006)

Um filme de Guillermo Del Toro com Ivana Baquero e Sergi López.

Guillermo Del Toro conseguiu. Após dirigir Blade II, Hellboy e A Espinha do Diabo, via-se logo uma indicação do diretor para o mágico e o fantasioso. Com O Labirinto do Fauno, isso é comprovado rápido. O filme inteiro é uma luta entre a crueldade da realidade e a fantasia infinita da ingênua mente de uma criança, mas cabe apenas ao espectador dizer qual é qual no que lhe é apresentado. Del Toro criou um mundo mágico com todos os direitos que podem ser imaginados: fadas em todos os cantos, faunos, reinos belos, um cenário espetacular que circula entre banquetes e florestas e uma magia original. Mas ele também cria a crueldade em seu mundo a partir de monstros caricatos e da mentira e a maldade que existem em qualquer lugar. Mas, apesar da imperfeição, das terríveis criaturas e das mortes brutais apresentadas em cenas fortes, o mundo imaginário ainda é, indubitavelmente, um lugar melhor que o mundo real.
Estamos na Espanha do século XX, onde a Guerra Civil termina oficialmente, mas os rebeldes ainda lutam por seus direitos contra os oficiais. É nesse cenário que surge Ofelia (Ivana Banquero), uma menina inocente que ainda acredita em sua literatura de fantasia. A menina, junto com sua mãe Carmen (Ariadna Gil), vai para o local principal da iminente batalha para viver com o padrasto, o capitão Vidal (Sergi López), um fascista cujo objetivo principal é exterminar os guerrilheiros. Nesse novo local, Ofelia se vê sem a companhia da mãe e deslocada se não fosse por Mercedes (Maribel Verdú), a empregada que também é a informante dos rebeldes. Numa noite, a menina sai de casa em perseguição a uma fada e acaba parando nas ruínas de um labirinto existente na área. Ao seguir a criatura, ela chega ao centro do labirinto, onde descobre uma passagem secreta que a leva a um fauno (Doug Jones). Esse fauno lhe diz que ela é a princesa de um mundo subterrâneo, mas para poder voltar para casa, ela precisará cumprir 3 provas decisivas, mostrando sua verdadeira identidade.
O filme trata de usar um conflito real para explicar um conflito imaginário, assim como a maioria das cenas apresentadas no longa. Enquanto a guerra civil permanece forte, a batalha travada entre o real e o irreal fica mais forte com o passar do tempo. Observamos o tempo inteiro o quanto Ofelia se sente segura perto de seu mundo ideal, mesmo que no caminho ela tenha de ver sapos gigantes ou monstros carnívoros, mas que quando ela é forçada a abandonar seu porto seguro e confrontar a realidade cruel, representada nesse caso por Vidal, ela fica ameaçada no ambiente hostil que é a casa dos fascistas. O fascismo, no caso, é o mundo real em que Ofelia se vê presa por laços familiares, já que a mãe é a pessoa que ela mais preza no mundo mas essa se vê segura exatamente onde a filha vê o perigo. O mundo subterrâneo é um mundo novo para a criança ingênua, é o lado dos rebeldes que está prestes a eclodir, mas se mantém na guarda. Fora isso, há também a personagem Mercedes, que finge ser uma fascista, mas se vê logo que o ambiente dela é dos rebeldes, por isso entende tanto o lado da imaginativa criança, enquanto o resto a intolera.
Os personagens são a força principal do longa, pois ajudam a sustentar o filme com suas características marcantes. Mercedes, feita com seriedade por Maribel Verdú, é o lado dos rebeldes, o porto seguro da criança Ofelia e do filme inteiro. O capitão é o que Ofelia tenta fugir. Sergi López mostra o quão bom ator ele é ao interpretar o cruel capitão da realidade, um homem marcado por um legado de destruição que se vê obrigado a passar essa herança miserável para o seu filho. A criatura do fauno, que deveria ser um guardião exemplar da natureza, se mostra tão instável quanto o lado dos rebeldes. Prova de que, nem no mundo ideal as coisas são perfeitas. Afinal, mesmo com as promessas feitas, há um mundo perfeito e harmônico? Ofelia é um meio termo entre as duas coisas. Seu coração e sua mente a levam para seu mundo novo, mas o sangue que grita em seu interior mostra que ela ainda tem um lado que é a humanidade. Sim, pois ela prova ser "humana" ao ver a imperfeição na personalidade do fauno, mais humana ainda por aceitar um lado que a renega e renegar um lado que a aceita. Ivana Barquero surge aí com uma atuação delicada e consegue segurar o filme com a força de sua personagem.
O filme, além do mais, conta uma fantasia para adultos, pode-se dizer assim. É um mundo mágico com a violência do mundo real. A estética ajuda bastante nesse caso, já que o cenário foi realmente construída em certas cenas, e a fotografia escura o complementa revelando o lado sombrio em ambos os mundos em que a protagonista transita. A maquiagem está, realmente, impecável, ao lado dos magníficos efeitos visuais vistos ao longo da sessão. Ela realmente mereceu o Oscar, pois nunca vi tanta veracidade no falso. O fauno traiçoeiro com movimentos mecânicos, pele escura e sombria e personalidade indecifrável está ótimo, mas não tão bom quanto a criatura vista no banquete, que carrega os olhos nas mãos e come o que vê pela frente, ambos interpretados por Doug Jones.
O Labirinto do Fauno nos faz esquecer, por mais que transite continuamente em suas cenas de guerra e violência, de um mundo caótico para podermos mergulhar na sensibilidade que é a imaginação fértil de uma criança. Guillermo Del Toro criou uma fabúla com fatos reais como fatores explicativos, e foi uma fórmula que deu muito certo, já que a distinção entre realidade e imaginação fica pelo espectador, pois o filme não te mostra um caminho para se acreditar. A cena final pode ser muito bem o fim de um conto de fadas assustador quanto o fim de uma história verídica extremamente triste. Qual é a certa fica por sua conta.
NOTA: 10

16 de janeiro de 2011

O Lobisomem (2010)

Um filme de Joe Johnston com Benicio del Toro, Anthony Hopkins e Hugo Weaving.

Um filme antigo movido por mitos antigos que ainda se mantém vivos. O Lobisomem está aí para comprovar e renovar a vida destes mitos, o que não o torna mais atraente do que a versão original de 1941. Por mais que o remake não se compare com o original, o filme de 2010 ainda consegue atrair e renovar a mitologia daquela época e mostrar que, por mais que o tempo passe, o medo continua o mesmo, nem que para isso a abordagem seja um pouco mais distinta. O filme usa de vários artifícios para remeter à época do mito original do lobisomem, mas ainda com violência mais explícita. É um bom filme que até consegue se tornar agradável em meio a cenas de mutilação e chacina. E, por mais que haja um romance na história, não há uma deturpação das origens do lobisomem, pois o que mais prevalece é a brutalidade do lado animalesco.
A refilmagem do clássico é levada por Lawrence Talbot (Benicio Del Toro), um ator cuja trupe entra em turnê extra-continental para levar a peça para a América. Mas, na véspera da aguardada viagem, Gwen Conliffe (Emily Blunt), a esposa de seu irmão, aparece lhe pedindo ajuda, já que o marido está desaparecido. Quando Lawrence volta à Inglaterra, descobre que o corpo de seu irmão foi encontrado completamente mutilado. Com essa notícia, ele se instala na casa do odiado pai, Sir John Talbot (Anthony Hopkins), para fazer uma busca pela criatura que matou o irmão. Essa sua procura o leva a ciganos, onde ele dá de cara com o monstro e leva um mordida dele. Embora ele se cure completamente do incidente, tudo começa a ficar mais estranho em sua vida, até que, numa noite de lua cheia, ele vira um lobo sanguinário.
O elogio do filme vai para sua estética invejável. No trabalho de recriar uma Inglaterra vitoriana, o filme se sobressai, colocando uma fotografia cinzenta e escura nas cenas travadas com a iluminação apenas de uma brilhante lua cheia. Todo o visual, seja de uma vila isolada e sombria, seja de Londres numa terrível noite sanguinária, está ótimo, reforçando o terror ideal que o filme veio passar. O problema no longa está no rumo que ele insiste em seguir após dar todos os seus grandes esforços em excelentes efeitos visuais. Não se aproveita muito do tempo nem dos personagens, colocando muitas situações ao mesmo tempo para sobrecarregar o espectador na função de definir o objetivo principal do filme. Ao seguir o mito do lobisomem originalmente, o fato principal é mostrar a árdua jornada de Lawrence Talbot para quebrar a maldição. Mas ao colocar isso em segundo plano, ao lado de um estudo da mente humana bem arcaico, um romance muitíssimo mal-trabalhado, a relação problemática entre pai e filho junto com uma perseguição policial, o filme perde a linha e se transforma numa confusão.
De resto, tudo segue quase bem. A licantropia é seguida perfeitamente, dando ao espectador a imagem já feita de um lobisomem assim como se é ouvido na crendice popular. Transformações na lua cheia, um poder rápido de cura, a não imunidade à prata e a não piedade em matar é que caracterizam o lobisomem como um verdadeiro monstro, e o filme segue os mitos. A diferença é que, para se atingir um maior público alvo, o que a película não conseguiu, precisa-se inovar. O filme acerta em manter o visual vitoriano predominante no longa e não passar a história atualmente, mas não se pode esperar que tudo fosse bem se não houvesse uma explicitação da violência nos tempos de hoje. A partir daí, surge o gore. Então, se for ver O Lobisomem, espere cabeças rolando, vísceras, tripas e miolos pendurados em paredes, cadáveres e sangue sem nenhum pudor. Por seu personagem ser bem explorado, Benicio Del Toro é o mais agradável no longa, ao lado de Anthony Hopkins como o seu pai perturbado. Fora isso, há Hugo Weaving que faz um inspetor previsível ao máximo e não foi bem aproveitado, junto com Emily Blunt que parece ser totalmente descartável ao filme. Sua personagem se prende a um romance meio inconcebível e, como dito anteriormente, mal-explorado.
O Lobisomem é uma ótima renovação. Dá espaço para o público conferir uma versão mais atualizada do que a da década de 40, e ainda lembra a uma juventude bastante influenciável pela cultura pop como os lobisomens realmente são. Ainda por cima, consegue construir um cenário antigo com ações atuais. Mas é um filme mal construído em suas situações e personagens, que não dá credibilidade alguma para uma história que parte completamente da mitologia.
NOTA: 6

15 de janeiro de 2011

Código de Conduta (2009)

Um filme de F. Gary Gray com Gerard Butler e Jamie Foxx.

Código de Conduta é um filme de ação que quase chegou lá. A pena é que ele não foi bem aproveitado em sua história e o que poderia render discussões saudáveis sobre um sistema ineficaz se transformou em explosões e planos surreais. Enquanto a primeira parte do filme é uma trama bem elaborada sobre a justiça e o quão justa ela realmente é, o resto acaba com essa parte através de clichês nada elaborados. O que me pareceu é que estavam a fim de fazer a primeira hora de filme, mas ao chegarem na metade, o ânimo em fazer um filme inteligente virou cansaço, e a partir daí colocaram ideias já utilizadas sem nenhuma explicação, ações que não condiziam com os personagens em questão e cenas já vistas com um desfecho incompleto. Mesmo com metade igual a qualquer outro filme de ação, ainda é uma boa pedida.
Clyde (Gerard Butler) é um amoroso pai de família, vivendo num sonho com sua mulher e sua filha. Mas nem tudo é bom no futuro dele. Numa noite, dois ladrões invadem a casa de Clyde, estupram a mulher dele e matam as duas amadas desse dedicado pai. Ao tentar obter justiça, a única coisa que ele recebe é a liberdade de um dos culpados, graças ao promotor Nick (Jamie Foxx) que olha primeiramente para a carreira do que para a justiça. Dez anos depois, o assassino que ficou livre morre misteriosamente, e o que recebeu pena de morte tem uma morte lenta e dolorosa. A partir daí, Clyde é preso como principal suspeito e acaba confessando que cometeu os dois crimes. O problema é que não sabem o verdadeiro objetivo de Clyde, que é vingar a morte de sua família.
O filme não tem problema nenhum em começar bem, envolver o espectador com sua temática mista entre a ação e um tema mais polêmico, presente diariamente na vida de qualquer cidadão. O filme não sabe terminar essa temática, talvez por que não tivessem uma solução boa para fechar um filme e manter as mentes trabalhando no que acabaram de ver, talvez por que acharam que não houve ação o suficiente e colocaram tudo pra explodir, literalmente, como em qualquer outra ação óbvia. Primeiramente o filme envolve todos com a justiça. Ela é relativa? Existem casos maiores que prevalecem sobre ela? E o que achar sobre a justiça com as próprias mãos, ainda é considerada justiça? Gerard Butler consegue fazer uma ótima cena num tribunal entre ele e Annie Corley, que entra na pele de uma juíza. A cena é praticamente um monólogo da genial e perturbadora mente do personagem, que se dá motivos para sair da cadeia sem precisar de um advogado e, quando a juíza vai lhe dar liberdade, ele a repreende dando motivos para continuar preso.
Outro fator que ainda me dá ânimo sobre o filme é o fato de tudo se apresentar de outra maneira, mas isso logo se revela uma faca de dois gumes. Enquanto Clyde se mostra como um pai dedicado no início e logo se torna um assassino à la Jogos Mortais, Nick é um promotor corrupto e logo se torna um defensor da justiça. Ninguém é um protagonista perante a justiça, mas essa mudança de atitudes deixou os personagens com atitudes pouco críveis ao que se conferia no início. Ao passo que Gerard Butler me surpreendeu nesse filme em certas cenas com uma atuação boa, Jamie Foxx se mostrou mediano em boa parte fazendo o policial bom/policial mau. Fora isso, o filme ainda confere bons efeitos para situações que não precisavam estar lá, já que ele perde o foco na discussão da justiça para conseguir mostrar o quão terrível é o lado de Clyde, e aquele que antes era um Dexter, um psicopata fazendo uma justiça com as próprias mãos e ainda conferindo simpatia para o público, virou apenas mais um sociopata bastante perturbado em não conseguir se segurar numa vingança infinita.
O filme te dá as questões certas, mas não é para se esperar respostas. Não é porque elas vem através de metáforas, e sim porque elas não vem. Através de um roteiro duvidoso e cheio de furos, o filme consegue acabar pessimamente, mas ainda mantém o questionamento inicial no ar. É um filme para se parar depois da primeira hora, quando começam a surgir misteriosas organizações e um passado horrível para o vilão da história. Código de Conduta é um filme de ação que não oferece menos do que isso, mas dá um pouco mais. O problema é saber se esse mais vale a pena ou se era melhor ele continuar no mediano já conferido.
NOTA: 6

12 de janeiro de 2011

O Albergue (2005)

Um filme de Eli Roth com Jay Hernandez e Derek Richardson.

Um filme de sádicos para sádicos, elegido como muitos como o mais assustador filme de todos os tempos. Não sou da mesma opinião desses, mas é inegável que O Albergue é chocante e merece ser visto. Com a constante mudança e inovação do gênero do terror, o que antes era aterrorizador, hoje é patético. Veja Psicose do mestre do terror, Hitchcock. O ápice do horror no filme é uma cena de uma mulher sendo esfaqueada no banheiro, com sangue escorrendo no ralo. Nada de violência explícita ou algo assim. Quem se assustaria hoje em dia? Por mais bem-sucedido que tenha sido a inovação apresentada em A Bruxa de Blair com os falsos documentários, pode-se dizer que a ideia já está gasta ao tentar mostrar um horror rápido, que câmeras de mão não conseguem acompanhar, criando muita tensão quando bem utilizada. A onda do terror agora é o explícito, a tortura, o sangue, as náuseas, o subversivo. Tudo que eles puderem fazer para você se sentir mal, o terror faz. E essa pérola de Eli Roth cumpre bem esse papel.
Paxton (Jay Hernandez) e Josh (Derek Richardson) são dois mochileiros americanos, saindo pela Europa em busca da diversão de sempre, sexo, drogas e tudo mais o que puderem ter. No meio da jornada, ambos se juntam a um mochileiro islandês, Oli (Eythor Gudjonsson), para vivenciar a farra de suas vidas. Juntos eles, por intermédio de um "amigo", vão parar na Eslováquia, onde lhes foi dito que iriam achar as melhores mulheres da Europa. Ao chegar no albergue recomendado, os três conhecem Natalya e Svetlana (Barbara Nadelyakova e Jana Kaderabkova, respectivamente), duas belas moças que se apresentam dispostas para qualquer fantasia que tenham. Mas, no ápice dessa viagem, Oli desaparece. Quando os amigos tentam ir embora, eles se veem numa terrível armadilha mortal para estrangeiros.
A sacada genial do filme é oferecer o humano como um produto. O Albergue foi inspirado num site em que as pessoas pagavam U$ 10.000,00 para atirar em outras. Até onde vai a sangria do ser humano, e até que ponto o sadismo é uma excitação a mais? Afinal, o sadismo é realmente algo a ser levado a sério como excitação? É mesmo assim tão correto machucar outras pessoas, mesmo que por dinheiro? Eli Roth ironiza isso ao extremo. Enquanto os mochileiros partem numa viagem inesquecível, onde pretendem gastar o dinheiro com drogas e mulheres, - mais uma vez, transformando o humano em produto - a história termina invertida. Quando o albergue mostra suas caras, é tarde demais. Os dois protagonistas bonzinhos se transformam numa diversão horripilante. Os eslovacos fazem fila para ter o prazer de torturar alguém, e pagam muitíssimo bem por isso. Vemos no filme policiais, médicos, advogados pagando o que seja para ver alguém sofrer de uma maneira bem lenta. Um curto diálogo quase no fim do filme mostra isso bem.
Ao mesmo tempo que Eli Roth transforma o comércio humano num terror desolador, tudo tem seus lados negativos. É um bom filme, mas não chega a ser o terror do século. Os filmes de gore estão cada vez mais se tornando o novo terror com a banalização e olhos caindo, miolos nas paredes e litros de sangue já estão presentes nos filmes atuais. A violência explícita aparece agora não só no terror, mas em outros gêneros com o intuito de inová-los pelo choque. Embora todo esse terror tenha se tornado normal, O Albergue surgiu na era certa, modificando a visão de alguns espectadores, transformando esse filme na separação do novo e do velho horror. O resto do filme se torna uma balança entre o bom e o ruim. Por mais que o cenário do filme seja excelente, uma perfeita locação para um filme de terror tão tenso, as atuações encobrem esse aperitivo em seus raros bons momentos. E por mais que a temática seja até interessante em explorar a crueldade humana, O Albergue ainda deixa suas marcas, fazendo com a Eslováquia o mesmo que Turistas fez com o Brasil.
O ritmo do filme segue tão lento que nos primeiros trinta minutos não se podia dizer que era um horror. Mas a película vai se revelando aos poucos com um humor negro indiscritível, uma trilha sonora impactante e cenas nojentas, repletas de tortura e sadismo, movidos pelo dinheiro e, no fim, pela vingança. O que Eli Roth quis trazer em O Albergue não foi um horror para o espectador, e sim um prazer pelas suas cenas cruas. Sou tão humano quanto esses sádicos? O filme é uma banalização da humanidade junto com uma banalização da pior forma de terror. Mas efeitos desnecessários combinados com situações descartáveis não fazem jus ao que o filme veio mostrar.
NOTA: 6

10 de janeiro de 2011

Onde Vivem Os Monstros (2009)

Um filme de Spike Jonze com Max Records e Catherine Keener.

Um filme infantil com mais complexidade que as animações existentes por aí. Se for ver Onde Vivem Os Monstros, pode esperar aquilo que se vê num filme infantil, uma história fantasiosa envolvendo uma criança e uma lição aprendida no desfecho. Mas não espere que tudo venha cuspido, porque Spike Jonze dificulta bastante as coisas pra esse lado. É um filme infantil recomendado para muitas crianças e para muitos adultos. É possível que muitos jovens não entendam e vejam mais fantasias e cenários atraentes porque o filme fala exatamente sobre essa juventude, o período da infância com todos os direitos que as crianças devem ter e acham quem têm. E é exatamente esse foco no realismo de uma criança que transforma o filme nessa obra maravilhosa. Se for ver, não espere uma criança quietinha ou estereotipada. As crianças que eu conheço, como o protagonista, fazem birra, brigam com a mãe, querem ser a estrela da casa, não entendem as dificuldades que a família passa e têm uma imaginação mais ativa do que um olhar para o mundo.
Max (Max Records) é um garoto comum vivendo os melhores momentos de sua vida que lhe parece tão infeliz. Por mais que sua irmã goste dele, ela é adolescente e não tem mais como dividir o tempo entre o irmãozinho e os amigos de maneira justa. Por mais que sua mãe o ame, ele acha que ela não dá atenção o bastante para ele enquanto ela cuida do trabalho e faz jantares para o namorado. E é num desses confrontos com a mãe que Max foge de casa e entra numa canoa sem rumo. Quando ela para, ele se vê numa ilha cheia de criaturas estranhas, grandes e com dentes pontudos - monstros. Antes de eles terem tempo de devorá-lo, ele os convence de que é um rei que pode fazer tudo num piscar de olhos, tornando-se o rei da ilha, idolatrado por seus novos amigos monstros.
O filme não tem pressa em mostrar sua mensagem. Se você for um desavisado na sessão, pode passar o filme inteiro dormindo, já que a direção de Spike Jonze tem foco numa linda fotografia e cenários maravilhosos, ambos acompanhados pela cativante trilha sonora composta pela barulhenta Karen O, líder dos Yeah Yeah Yeahs, junto com crianças tão barulhentas quanto ela. Com isso, o ritmo do filme decresce drasticamente, deixando-o maçante em várias partes. Mas se a paciência de acompanhar o desfecho da história for grande, valerá a pena ter enfrentado a preguiça causada. O segredo do longa metragem é dar responsabilidades a um menino sem elas, lhe confrontando com problemas que ele causava antes. Ao se tornar rei, os monstros vão se revelando para as telas. Judith, monstra com a voz de Catherine O'Hara, torna-se insuportável por ter tanta inveja, coisa que Max tinha aos montes de sua irmã e sua mãe. Douglas, com a voz de Chris Cooper, é enérgico e ativo, características da infância; Alexander, voz de Paul Dano, acha que não é levado a sério pelos outros monstros. Os monstros mais caricatos, KW, com a voz de Lauren Ambrose, e Carol, com a voz de James Gandolfini, são, na versão monstrenga, uma relação amorosa entre Max e sua irmã. Max se identifica logo com Carol pelo caráter destrutivo de ambos, de não gostarem de ser contrariados, por mais que a situação exija. KW é a sensata do grupo, por mais que se afaste dele e goste de seus momentos de solidão.
A partir daí os conflitos do filme são formados. Ao se tornar rei de uma ilha inteira, o menino de 8 anos vê que não é capaz de controlar uma situação desse tamanho. Por mais que ele consiga viver de imaginação durante algumas horas, ao ver o quão sério se tornam os relacionamentos entre personalidades tão distintas submetidas a uma criança inexperiente, ele tem de enfrentar o que ele criava para sua família. Ao longo do filme, o rei aprende com KW a arte da introspecção e vê que não querer passar tempo com as pessoas que ama não significa não amá-las. Ao mesmo tempo, junto com seu melhor amigo, Carol, ele vê como não suporta a si próprio quando a responsabilidade bate de frente com seus instintos. Ao querer que os monstros tomem conta da criança que ele é, ele se vê mais seguro que os monstros que vivem na farra. É uma metáfora forte ao ter de enfrentar um impasse entre a infância, a fase de que se acha que pode tudo, e a pós-infância, quando as crianças já conseguem ter uma noção entre o certo e o errado.
Ao se ver cercado por suas piores personalidades, o pôster do filme cria uma razão na vida real. Logo abaixo do título, está escrito que há um monstro em cada um de nós. Realmente, ao lidar com a inveja, o desprezo, a solidão, a passividade, a ignorância e a destrutividade, tem de haver uma mudança ao ver que elas não se encaixam para uma harmonia perfeita. Ao querer que características tão distintas trabalhassem juntas ao criar uma imensa casa em paz, há coisas que precisam serem mudadas, e para elas mudarem, o rei tem de mudar a si próprio. Tudo o que Max Records, aliás com uma atuação excelente e eficaz, faz na ilha criada é um reflexo de suas atitudes no mundo real, testes que ele tem de enfrentar entre sua atitude e a atitude alheia. Como dizer pra alguém o que é errado se você fez essa mesma coisa antes, se achando em seu direito? A imaginação do menino cria o que poderia ser um porto seguro. Mas essa mesma imaginação, ao ser refletida num espelho através de monstros, se torna um pesadelo.
Um filme belíssimo é Onde Vivem os Monstros. É dedicado em sua construção e faz metáforas simples para explicar um período complexo. A incapacidade da criança em ser rei é algo óbvio no filme, assim como tudo que estava errado na ilha entre os monstros. O fato é, se os monstros não tivessem encontrado um equilíbrio na criança desequilibrada que aprende aos poucos a se equilibrar, eles teriam se destruído aos poucos. O mesmo com o menino se não tivesse se reconhecido tanto nos seus amigos que ficam insuportáveis por serem tão iguais a ele. Um show de filme abordando as relações de uma criança descobrindo o mundo a partir de seus olhos problemáticos.
NOTA: 8

9 de janeiro de 2011

Solomon Kane - O Caçador de Demônios (2009)

Um filme de Michael J. Bassett com James Purefoy.

Olhando para o pôster, alguém já conseguiu notar alguma semelhança com outro filme? Após poucos minutos da sessão, o assassino que virou inocente Solomon Kane revira um assassino ao ver que sua missão é realmente matar tudo o que vê pela frente - só que agora diferenciando o bom do mal. E se veste como está o pôster, este vestido como Van Helsing, obra de 2004 com Hugh Jackman. E o fato é, se você viu Van Helsing, não há nada de inovador em Solomon Kane, pois desde o figurino até as cenas mais emocionantes, tudo se repete. E isso é realmente uma pena, além de que é uma pena tentar fazer uma obra a partir de outra obra fracassada. Ao mesmo tempo que Robert E. Howard escreveu no século passado sua maior obra, Conan, O Bárbaro, ele também teve suas desgraças, como Solomon Kane. Já era de se esperar um resultado como este.
Solomon Kane (James Purefoy) é um bandido perigoso com um passado que o atormenta e o move através de roubos e assassinatos. Porém, ao se deparar com um perigo ainda maior do que ele, o caminho dele entra em colapso, o forçando a viver uma vida como um pacifista, enclausurado numa igreja. Quando ele é finalmente despejado começa a viver como um nômade, ele se depara com William Crowthorn (Pete Postlethwaite) e sua família, que o abrigam e veem bondade naquele temível homem. Mas quando o fatal e cruel destino de Solomon se interliga com a bondade da família, ele se vê obrigado a voltar a sua vida de assassinatos para libertar das garras do mal a filha de William, Meredith (Rachel Hurd-Wood).
Solomon Kane é um filme de ação como qualquer outro e não se esforça para ser melhor do que isso, por isso digo que quem viu qualquer outro filme que envolva lutas entre o bem e o mal já viu tudo o que esse filme é capaz de dar. E não há como descrevê-lo melhor. O filme cai no clichê durante boa parte de duração, para não dizer toda, e o ritmo, que poderia ter sido bem mais elevado graças às lutas incessáveis de espadas e a ação crescente no filme por personagens com sede de sangue, é parado graças ao caráter benévolo, pacifista e duvidoso do protagonista, e por sua busca cansativa. Tão cansativa que momentos como uma crucificação, aliás, ótima cena que mostra o conflito também religioso entre o bem e o mal; e o assassinato brutal de uma criança de, no máximo, 12 anos, não consegue exprimir mais que um sufoco passageiro. Para não dizer que o filme é de todo ruim, há sempre o que agradar, como a maquiagem bem feita, uma trilha sonora funcional e bons cenários. Por outro lado, há o roteiro que se perde no meio de tantos outros filmes de ação existentes por aí, os diálogos que não se podem esperar muito, os personagens mal construídos (afinal, conhecemos os aliados em dois segundos do filme e o temível vilão do fim é apenas apresentado nos 8 minutos finais) e o figurino, que parece ter sido reaproveitado de Van Helsing. A atuação é um diferencial até que medíocre. James Purefoy é o melhor do filme, mas sua atuação cai demais em lugar-comum, não traz absolutamente nada de novo além de suas expressões de raiva. Não consigo falar de outros atores, já que os personagens foram trabalhados de maneira tão inexpressiva e eficaz que não sobra muito além de James Purefoy. Mas Pete Postlethwaite consegue chamar a atenção junto com as poucas aparições de Max von Sydow, fazendo o pai de Solomon.
Pra quem gosta de filmes de ação, com tudo beirando o óbvio, mas com muitos efeitos e lutas, Solomon Kane é um prato cheio. Talvez para alguém que nunca tenha visto um filme de ação, esse seria um bom começo. Mas de resto, o longa não consegue se segurar em seus próprios pés, caindo até não conseguir passar da linha do pior impossível. Com uma ideia já criada, mas com cenas até instigantes, o filme vai seguindo, mas se embolando na própria teia.
NOTA: 4

6 de janeiro de 2011

Histórias de Amor Duram Apenas 90 Minutos (2010)

Um filme de Paulo Halm com Caio Blat, Maria Ribeiro e Luz Cipriota.

É novamente aquela história que eu não me canso de comparar com Dom Casmurro - o homem desconfiado da traição. Só que esta pérola nacional vai mais além disso, ela se alimenta e cresce com a dúvida, além de inverter a dúvida do cético personagem de Caio Blat ao longo da trama e transformar a vítima no culpado, ou será que a vítima numa vítima ainda maior? Mas o que realmente dá o tom certo para Histórias de Amor Duram Apenas 90 Minutos é a narrativa machista e completamente parcial do frustrado protagonista, junto com suas conversas reflexivas sobre o sexo, a carreira, a vida.
Zeca (Caio Blat) é um pseudo-escritor frustrado vivendo uma crise em sua vida. Seu livro, que contém o que poderia se tornar um grande sucesso, não sai da página 50. Como ele insiste na ideia de viver de seus livros inacabados, ele passa o dia sentado em frente ao computador fumando e imaginando como seria o fim de sua história, apenas sendo sustentado por uma mesada do pai (Daniel Dantas), que veio da herança de sua mãe. Além disso tudo, ele, um aficcionado por sexo, já que seu excessivo tempo livro o permite, não consegue se satisfazer sexualmente por conta de que sua mulher Júlia (Maria Ribeiro) trabalha como professora e ainda estuda. A partir dessa situação descrita infeliz e desesperadora pelo escritor, Zeca passa a desconfiar que Júlia tem um caso com sua mulher amiga, Carol (Luz Cipriota).
Por uma coincidência eterna ou por uma jogada do diretor, Zeca é completamente Dom Casmurro. O personagem por semelhanças daquele que é um dos maiores escritores brasileiros virou um fracasso na literatura. Vemos essas características não só na forma de lidar com uma suposta traição, que foi se amargurar por dentro graças à semente da dúvida, já instalada na alma do personagem por não ter confiança nem nos outros nem em si mesmo. Ambos os personagens se menosprezam ao ser verem submetidos a uma mulher mais independente do que eles jamais serão, tendo que seguir essa superioridade feminina que acaba com a "masculinidade". E a narrativa entre as histórias também é a mesma - altamente pessoal, com a própria opinião adaptando a realidade ao que eles próprios querem ver ou sentir. E isso combinado com o complexo de Peter Pan que o personagem do filme apresenta ao se mostrar tão infantil quanto uma criança pequena em seus pensamentos egoístas, Zeca poderia ser um bom personagem de Machado de Assis.
O filme apresenta uma trilha sonora marcante em seu ritmo que ora cai, ora sobe, mas não se mantém na linha por mais que a trama envolva cada vez mais o espectador com suas dúvidas. Ué, mas Júlia realmente traiu Zeca? Isso não é apenas uma visão reduzida da verdadeira realidade ao não conseguir ver além disso? Esse é o verdadeiro problema de Zeca, não conseguir ver além do provável. Ao se deparar com uma situação como a amizade profunda entre duas mulheres, ele pensa logo no adultério. Claro, uma mulher assim não pode ser tão perfeita a ponto de sustentar uma casa inteira, ela tem que trair o marido dela. E ainda com uma mulher, é o que diria o pensamento limitado. Ao se deparar com uma história de um açougueiro assassino que esconde os crimes na arte, ele não vê mais saída ao tentar acabar com a história, por mais que hajam inúmeras maneiras dela ir. Afinal, a história que ele escreve não acaba virando seu álibi para fugir das responsabilidades e viver para sempre na sua infância revivida? Enquanto o personagem que ele criou esconde os homicídios na fotografia, o próprio escritor esconde os maus-hábitos na literatura.
Caio Blat está muito bem interpretando seu personagem, tão bem que mal consegui sentir algo por ele que não fosse raiva, uma raiva por não conseguir enxergar o óbvio que não seja óbvio para si mesmo. De qualquer modo, ele é um bom ator que fez um personagem ótimo. Maria Ribeiro me surpreendeu, não esperava mais dela do que do próprio protagonista, mas ela se mostrou capaz de até roubar a cena quando ela não podia ser roubada na mente mesquinha do narrador. Luz Cipriota é outra surpresa no filme, a argentina incontrolável atrai a câmera tanto por sua beleza quanto por sua interpretação. Daniel Dantas é outro, aparece pouco mas segura seu personagem com força.
Histórias de Amor Duram Apenas 90 Minutos é um filme completo. Não se segura em muitas partes ao ficar tropeçando no seu ritmo e focar a trama num personagem que surpreende no começo, mas que cansa perto do fim. Fora isso, é um Dom Casmurro na versão de 2010, com direito a mais erotismo do que a sociedade permitia na época em que Machado escrevia sua pérola. Paulo Halm acertou, é uma diversão ver tamanho filme surgir assim, polemizando uma temática já banal através de novos meios de enfrentar uma traição. E ainda mais, ver tamanha obra surgir de um acervo nacional.
NOTA: 7

5 de janeiro de 2011

As Crônicas de Nárnia: A Viagem do Peregrino da Alvorada (2010)

Um filme de Michael Apted com Tilda Swinton e Ben Barnes.

As Crônicas de Nárnia continuam sendo uma diversão para um fim de semana. Não posso comparar com outras histórias do mundo da ficção mais bem trabalhadas que os contos de C.S. Lewis, mas ainda vale a pena conferir as novidades que surgem. O problema da saga de As Crônicas de Nárnia é que, sinto, que em cada filme algo vai caindo, ao contrário de outras sagas que vão melhorando e amadurecendo a cada filme, como Harry Potter ou Senhor dos Anéis. A primeira adaptação ao cinema, O Leão, A Feiticeira e o Guarda-Roupa continua imbatível. Ele ainda chega a ser superior aos outros dois, O Príncipe Caspian e A Viagem do Peregrino da Alvorada, talvez porque começasse essa mágica história como o primeiro episódio, ou porque trazia uma carga emocional maior que os outros dois, que são aventuras fabulosas populares.
No novo capítulo da saga As Crônicas de Nárnia, apenas dois irmãos Pevensie, Edmundo (Skandar Keynes) e Lúcia (Georgie Henley), voltam à mágica terra de Nárnia, mas acompanhados de seu primo exremamente realista Eustáquio Mísero (Will Poulter). Nesse retorno, ambos voltam a ver o Príncipe Caspian (Ben Barnes), agora rei de Nárnia, que está junto com bravos narnianos à bordo do Peregrino da Alvorada, um navio cujo objetivo é percorrer os desconhecidos mares de Nárnia em busca de 7 conselheiros do pai de Caspian. O que eles não imaginam é que o desconhecido guarda muitas surpresas para os bravos cavaleiros, como dragões, serpentes marítimas, ninfas, ilhas fora do mapa e até o longínguo País de Aslan, num dos locais mais afastados do mundo.
A história, com um teor de magia, aventura, tudo é possível no outro mundo, é ótima para as crianças, mas chega a ser uma metáfora religiosa que atinge em cheio o público mais influenciável. Num mundo onde o deus é um leão que realmente aparece e pode fazer tudo de tudo, onde cada ilha traz uma lição diferente para ser aprendida, o livro de fábulas de C.S. Lewis é quase uma bíblia metafórica. Graças a isso, já vale a pena suportar o ritmo que chega a despencar em certos momentos do filme com cenas que "não fedem nem cheiram" para chegar a um final contando tudo o que foi aprendido durante a sessão. Enquanto o primeiro capítulo dessa famosa franquia da literatura chega a ser bonito e tenha conquistado vários fãs no mundo, as outras duas películas não fazem por onde adquirir o mesmo sucesso. A fotografia ainda é o forte do filme, junto com uma trilha sonora favorável e um figurino até interessante. Agora as atuações cansam em boa parte do filme, muitos ficam na linha do mediano em pontos altos da obra e dificilmente passam dela. Chamo a atenção para Will Poulter, o mais caricato e o melhor do filme e, por mais que seja o menos carismático e tenha menos conectividade com o público, ainda assim chega a ser melhor que os carismáticos Skandar Keynes e Georgie Henley.
O futuro da franquia d'As Crônicas de Nárnia é tão sombrio quanto o destino do Peregrino da Alvorada no filme, já que os filmes vêm sofrendo uma decaída imensa e isso nem a mudança de diretores dos filmes pode melhorar. Agora, ao invés de conseguirem cativar um público que pago caro no cinema num programa família, a saga apenas pega 60% desse público para colocar morais de contos de fada e cenas de luta completamente desgastantes, sendo que o público ainda paga caro por ver o 3D sem qualquer razão. Completando a minha primeira frase, As Crônicas de Nárnia continuam sendo uma diversão para o fim de semana, mas por tempo indeterminado. Além disso, há programas ainda mais divertidos por aí.
NOTA: 5

2 de janeiro de 2011

Ilha Do Medo (2010)

Um filme de Martin Scorcese com Leonardo DiCaprio e Mark Ruffalo.

Loucura. É a polêmica cinematográfica utilizada para se explorar qualquer problema humano. Ele se suicidou? Era louco. Matou a mãe e o pai com uma caneta Bic? Tinha sérios problemas mentais. Ateou fogo na casa do vizinho porque ele não disse bom dia? Deveria ser internado urgentemente. A Ilha Do Medo trabalha a loucura de um modo bastante peculiar e com uma visão já utilizada, mas eficaz e incrivelmente imprevisível. Através de reviravoltas, temos uma visão completamente confusa e nova da loucura. Será que é? Ou será que não é? O filme de Scorcese é um imenso ponto de interrogação na cabeça de quem assiste, coisa de louco, literalmente. Mas, afinal, depois da sessão, uma pergunta fica acesa: como definir a loucura em uma sociedade que dita as regras através de um padrão do "normal"?
Teddy Daniels (Leonardo DiCaprio) é um agente federal dos Estados Unidos contratado para investigar o sumiço de uma paciente da Ilha do Medo, clínica feita para doentes mentais localizada em Massachusetts. Ele, junto com seu parceiro Chuck Aule (Mark Ruffalo), vão a ilha para tentar achar a perigosa Rachel Solando (Emily Mortimer). O que eles não contavam é que a ilha é cercada de mistérios, como um diretor que chega a ser tão louco quanto os pacientes e um farol que esconde perigos inimagináveis. Ao tentar ir embora, os dois ficam presos na ilha graças a um furacão e têm de ficar na clínica por tempo indeterminado.
É um ótimo ensaio sobre a loucura baseado em dois fatos bastante controversos, mas ambos inquestionáveis se levados a fundo, já que os propagadores desse fato realmente acreditam no que falam. Um fala sobre a loucura de um modo passivo, de modo a incentivar a fantasia que as doenças criam na mente dos atingidos a fim de que se observe algum resultado positivo no combate contra a loucura. O outro é baseado na teoria da conspiração na mente de quem é atingido - será mesmo? - pela suposta doença mental que os impede de pensar a sério, uma teoria cheia de métodos medievais utilizados como um resultado eficaz. Até que parte da teoria chega a ser loucura? Uma fala da obra retrata isso: "Se alguém nos rotula loucos, não há escapatória. Negações ou defesas, coisas completamente normais, são consideradas sintomas da doença". O filme, em seu clímax, é aprofundado demais na loucura, que chega a atormentar os mais desavisados. Afinal, como contestar uma verdade universal através de falas duvidosas de uma pessoa "incapaz"?
O filme, retratado em 1954, ainda chega a ser muito atual. Do modo que o mundo anda, não há o que pode diferenciar um devaneio de uma pessoa insana ou um ato de maldade de um não-psicopata. Teorias contraditórias chegam a ser loucura. Como você vai duvidar do que acabou de ser fornecido a você nas telas onde o filme estiver passando? Martin Scorcese usa a artimanha que deu vida ao filme, a loucura. Através dos ouvidos da loucura, você acredita no que quiser. Vemos, no surpreendente fim, que não há uma divisão do tempo e como a loucura chega a ser furada com a realidade. Mas e a realidade, que conseguiu ser quebrada com a loucura? Não há um meio termo entre o normal e o louco para decidir o que acreditar e o que não acreditar? Outro ponto muito comentado no filme é a globalização incansável e evidente. Muitos pacientes amam a Ilha do Medo pois ela é o porto seguro deles, outros, por não conseguir acompanhar o passo rápido entre guerras mundiais, bombas atômicas, armas de fogo, corridas armamentistas, nazismo, entre outros, se enclausuram na clínica através do medo na forma da loucura. A Ilha do Medo está aí, é um refúgio para aquelas pessoas que apresentam risco para a sociedade, mas elas próprias têm medo dessa sociedade que as despreza. Um medo recíproco cria o local surreal e perdido.
Gosto das atuações de Leonardo DiCaprio, mas nesse ano ele me pareceu meio repetido. Tanto em Ilha do Medo quanto A Origem, ele é um protagonista perturbado pelas memórias inquietantes de sua falecida esposa, mas que aparece tanto em sua vida que chega a ser um segundo ser habitando no corpo dele. De um modo ou de outro, ainda consegue segurar o filme com certa simpatia, ainda mais que ele é a alavanca principal para a obra ter funcionado do modo que funcionou. Mark Ruffalo é outro, não chega a roubar a cena por sempre se mostrar em segundo plano e não ter tantas deixas como DiCaprio, mas continua um ótimo ator, do início ao fim. Achei Ilha do Medo diferente pois, do modo que foi filmado, até conseguiu parecer um pouco de um filme antigo. Os diversos planos utilizados na filmagem e a viva fotografia me deram essa impressão.
Scorcese, ao criar Ilha do Medo quis dar vida a um livro longe onde explora com afinco o thriller psicológico e reviravoltas abrasadas pelo ritmo incansável, do modo que acontecem as atividades. Por mais que não esteja acostumado ao suspense, achei uma sessão agradável. Ao recriar, a partir do livro homônimo, personagens tão impotentes em suportar o peso da realidade, um clima tão assombroso quanto o descrito na obra, delírios tão reais e realidade tão delirantes, consegue fazer um dos filmes mais perturbadores de 2010, por mais que as suposições se quebrem no fim imprevisivelmente previsível.
NOTA: 8