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31 de julho de 2011

Morro dos Ventos Uivantes (1992)

Um filme de Peter Kosminsky com Ralph Fiennes e Juliette Binoche.

Há um ponto limite para os conflitos de um indivíduo, um ponto onde ele não consegue mais aguentar seus transtornos emocionais e morais se chocando a cada ato. Esse ponto é, literalmente, o inferno, um local doloroso onde o físico e o mental se unem para atordoar uma mente. Como aguentar a dor da paixão lícita? Como aguentar a perda do amor proibido? Como aguentar ambos? O romance dramático de Emily Brontë é um ensaio para todas as dores, que se contrapõem desde a intuição inconsciente humana até a moral externa ao indivíduo. E é nessa atmosfera constante de erros morais que Peter Kosminsky cria sua adaptação à esse clássico que exala razão e sensibilidade por trás de atos.
Na Inglaterra do século XVIII há uma propriedade no Morro dos Ventos Uivantes pertencente à família Earnshaw. O patriarca da família (John Woodvine), um dia, traz um garoto cigano que andava sem rumo pelas ruas e diz que o adotou, dando-lhe o nome de Heathcliff (Ralph Fiennes). Aos poucos ele começa a se sentir mais parte da família, por mais que o filho mais velho, Hindley Earnshaw (Jeremy Northam), nutra um ódio provindo de uma profunda inveja pelo menino adotado. Paralelamente, sua ligação com a filha mais moça, Catherine Earnshaw (Juliette Binoche), se torna cada vez mais latente. Quando o pai morre, Hindley assume a propriedade e coloca Heathcliff em seu devido lugar, o que lhe dificulta sua história amorosa com Catherine.
Entre a diferença de classes e a mazela das origens, o amor de Catherine com Heathcliff é uma coisa improvável para os padrões da sociedade britânica da época. Não se pode esquecer que não havia tanto liberdade na época do livro de Emily Brontë quanto atualmente. Heathcliff é a prova disso, do preconceito e da amargura consequente. Ralph Fiennes interpreta com uma força intensa seu personagem, lutando a cada hora por Catherine como se ela fosse sua própria vida. Mas, o amor dele é tão intenso que ele é incapaz de não sentir ciúmes, inveja, de não tratar Catherine como uma posse. Talvez isso se explique por sua origem cigana, e a entrada nesse mundo novo e idealizado do Morro dos Ventos Uivantes é a entrada para sentimentos novos em sua vida. O toque de um garoto que não teve nada com uma ponta do luxo da aristocracia é o bastante para se viver em sonhos. A volta ao preconceito de antes é o bastante para ele começar a sentir coisas novas por Catherine. Aquela menina que tanto lhe proporcionou e recebeu amor agora se volta contra ele, como isso se explica? A saída de Catherine de sua casta inocência para uma idade onde começa a frequentar a sociedade não modificou apenas suas ações, modificou o espírito inteiro de Heathcliff. A perturbação na alma deste provém de modificações daquela, os dois estão ligados de uma forma maior que a física. Por mais que um abismo de normas os separe, nunca se pode pensar em Catherine e em Heathcliff como almas distintas - são a mesma pessoa no fim das contas, um manipulando o outro para o bem ou para o mal, mas nunca satisfeitos no fim das contas. No fim das contas, Heathcliff se tornou não um carrasco, mas uma vítima. Mais perigoso do que um homem amargurado é um homem apaixonado.
Em contraponto a essa obsessão amorosa de Heathcliff, há Catherine, interpretada pela sempre ótima Juliette Binoche. Os olhares da menina provocante, as risadas despreocupadas da garota rica, o modo como ela trata Heathcliff num momento como se ele fosse uma diversão temporária e no outro como se ele fosse uma substância necessária para a própria vida, Binoche consegue adaptar tudo a sua personagem. Os dois, que contracenariam juntos mais tarde no ganhador do Oscar O Paciente Inglês, possuem afinidades em suas cenas. Com a relação dos dois, aos poucos fica improvável pensar no personagem de Fiennes sem Binoche e em Binoche sem Fiennes. Um necessita do outro, e só não necessitam quando tentam provar o errado para si mesmos. É um conflito interno infinito. Ou eles se separam e vivem num inferno da alma, ou eles se juntam e são abominados pelas regras da sociedade inglesa. Na difícil situação, ainda há espaço para Catherine mostrar ao espectador sua personalidade. Como herdeira de uma rica propriedade, ela viveu despreocupada até o momento que teve de fazer sua escolha difícil: ela pode levar em frente sua paixão ardente e se juntar a Heathcliff, com a desaprovação de todos os meios sociais que frequenta. Ou ela pode abandonar seu sentimento e levar adiante uma existência frívola movida pela união de bens e de um nome de peso. O que ela não contava com sua decisão é que, assim como Heathcliff, ela não pode viver sem sua alma gêmea. Sua vida só retorna quando ela vê um sinal de Heathcliff novamente em sua vida; e sua vida só acaba novamente quando ela vê que é impossível manter sua relação com o amante. A partir dessa mudança, é previsível o trágico destino da errante Catherine, uma mulher que não pôde lutar contra seus sentimentos mais fortes e se entregou, à contragosto, a uma paixão suicida.
Aos poucos, a paixão corrompe tanto a vida dessas almas que cada movimento de Heathcliff é direcionado somente à Catherine, e vice-versa. Mas como escolher entre dois destinos fatídicos, a morte e o sofrimento? Catherine teve suas razões para escolher sofrer, do mesmo modo que Heathcliff obteve o que era necessário para sentir o sofrimento da amada. O que houve foi exatamente o inverso. Enquanto Heathcliff sentia mais e mais a dor de Catherine, ele a amava mais. E, consequentemente, o odiava mais por infligir angústia à Catherine. Para representar essa paixão intensa e mórbida, nada melhor do que o cenário escolhido para ser o Morro dos Ventos Uivantes. Com uma fotografia clara iluminando cenários vazios até o limite de horizonte entre pedras, árvores e morros, o cenário possui um excesso de beleza natural para se contrapor à crueldade de um romance. O amor de Catherine e Heathcliff conta com uma pequena diferenciação da literatura, mas nada que possa comprometer o ritmo do filme. Falando nesse, as coisas acontecem realmente rápido demais. Isso pode dificultar um pouco em vivenciar o sentimento do casal principal, mas é só olhar na face de ambos: eles realmente se amam de um modo único. Eles se completam. Por mais que a vivência seja mais tocante, Morro dos Ventos Uivantes prega pela visão do romance. Um outro acerto da trama é a narrativa, que primeiramente mostra o futuro para depois retomar a história do princípio. Ela ativa a curiosidade do público em mexer com o sobrenatural e depois dar uma explicação para a história. Enquanto a narrativa conta seu romance, a trilha sonora de Ryuichi Sakamoto entra em cena como ponto de ebulição do drama. Deixa o nervosismo mais nervoso e a dor de Catherine mais real.
Desde o começo somos avisados que estamos prestes a visualizar uma obra dolorosa, que qualquer sinal de riso não deve ser levado à sério. O que se promete, se concretiza. Morro dos Ventos Uivantes não possui a certeza de um final feliz, mas há um romance em seu roteiro, um romance comprovado pelo verdadeiro significado de almas gêmeas. Catherine e Heathcliff estavam ligados pelo destino desde o começo. A vida de um só começou com a do outro, e a vida de um terminou com a do outro. Uma paixão que transpassou as barreiras metafísicas e que mostra a beleza até na maldade emocional. Uma pena que se restrinja a apenas um sentido e não tenha transpassado outras barreiras para marcar o público que o assiste.
NOTA: 8

28 de julho de 2011

As Bruxas de Salém (1996)

Um filme de Nicholas Hytner com Daniel Day-Lewis, Winona Ryder e Joan Allen.

Sentimentos extremistas e controlados são divididos por uma linha muito fraca e muito fácil de ser ultrapassada. Quando uma paixão vira uma obsessão? Quando a ira vira descontrole? Quando a justiça se torna vingança? E quando a verdade é modificada, ela ainda é verdade, mesmo se acreditada piamente para comprovar tal fato? E quando o poder vira controle, vira uma força motriz para almas alienadas, como conviver com uma decisão contrária? A credibilidade é demoníaca a partir do momento em que ela tem de eliminar quem a conteste. Tal fato, explorado em conceitos de verdade, justiça e religião e retratado na época intolerante de inquisições, é trazido à tona em As Bruxas de Salém, filme que mostra a relatividade e os dois lados da história com um ardor e uma paixão fortíssimas.
No povoado de Salém, no estado de Massachusetts, algumas garotas se unem para fazer um ritual, de forma a conseguirem conquistar seus amores. O ritual, que contém uma poção, danças e nudez, é flagrado por Samuel Parris (Bruce Davison), o reverendo de Salém. Por mais que as meninas tenham fugido, ele acha sua filha Betty Parris (Rachael Bella) e sua sobrinha Abigail Williams (Winona Ryder) ainda no local. No dia seguinte, sua filha não acorda mais, assim como a filha de outros vizinhos. Com esse inesperado episódio, ele chama outros reverendos de outras cidades para avaliar sua filha e dizer se ela está possuída pelo demônio após tal ritual "satânico". O caso acaba influenciando na vida de todo o povoado.
O tema é baseado num fato real, a Santa Inquisição, que chegou a matar nove milhões de pessoas no mundo inteiro no tempo que durou. Mas o filme se resume à histeria ocorrente em Salém, em 1692, onde dezenove pessoas foram enforcadas pela acusação da prática de bruxaria. O horror é visualizar, de um modo racional, o que realmente ocorreu na chacina que foi Salém. A diversão para o povo era alimentar sua alienação para poder manter a religião em voga, enquanto aqueles que ameaçavam sua principal fonte de fé eram enforcados. O ser-humano permanece o mesmo em instintos. Sua face não muda desde que pôde presenciar um massacre nos anos de história. A verdadeira face das acusações em Salém foi a mesma utilizada no pão e circo no Império Romano. Como se pode tachar uma religião que queima os outros na fogueira como uma religião liberal, um caminho para o amor? A verdadeira bruxaria de Salém foi sua religião intolerante e sua justiça cega, baseada na ingenuidade da idade e na vingança de moradores altamente odiosos. A batalha não termina entre a religião e a bruxaria que nunca existiu. A razão ainda batalha contra o sentimentalismo em todo o longa, causando uma indignação no espectador. A justiça com as próprias mãos foi usada, guiada por instintos altamente passionais e fatos egoístas. O coração gritou mais alto que a razão a palavra "bruxa!", e Salém entrou num conflito interno.
Com essa perturbação da racionalidade e a aceitação do absurdo, os personagens entram em cena e definem rapidamente suas características. Primeiramente, nos é apresentado a personalidade de Abigail Williams, a menina com personalidade forte interpretada belissimamente por uma assustadora Winona Ryder. Sua personagem causa repulsa e indignação na plateia, e ela consegue isso com uma dedicação extrema em seu ódio. Sua personagem é movida pelo ódio, pela ira, pela vingança. Ela é a verdadeira bruxa de Salém, contaminada pela magia de sua própria fúria. Após encerrar de uma maneira não tão delicada uma paixão antiga, ela busca todos os meios possíveis para acender a chama recíproca do amor em John Proctor. Proctor, interpretado por Daniel Day-Lewis, é um homem obstinado. Ele viu a verdadeira face de Abigail, uma menina consumida, o verdadeiro demônio. Com as acusações seguintes, ele começa a enlouquecer num dilema divino. Ele pode ser enforcado, mas não mentir e morrer consciente de um pecado que não prejudicou outrém. Mas ele pode salvar a vida e a da família mentindo, se assumindo um verdadeiro bruxo. Sua consciência limpa e a injustiça batalham num duelo entre todo o longa, e quando Day-Lewis finalmente explode, perto de seus momentos finais, é possível sentir o sofrimento desse homem em se entregar, em entregar sua alma e seu nome por algo que ele deveria possuir: justiça.
Outros personagens assumem uma atuação deliciosa e intrigante nos melhores momentos. Um bom exemplo é Elizabeth Proctor, papel de Joan Allen, que, de tamanha responsabilidade na verdade e na encarnação de sua personagem, foi indicada ao Oscar de melhor atriz coadjuvante do ano. De sua personagem, outro questionamento é trazido: onde uma mentira chega a ser melhor do que uma verdade? A morte de muitos é culpa da mentira de uma mulher que apenas dizia a verdade. A mentira é suficiente para esconder algo, mas faz apagá-lo? A vergonha da mancha em um nome que já foi manchado não é o ideal para limpá-lo. O filme inteiro de Nicholas Hytner, uma adaptação da peça de Arthur Miller, é um estudo da verdade e da mentira, e dos seus efeitos em sociedade. Criado para reproduzir um pedaço da intolerância e ignorância do século XVI, e faz isso com maestria. O figurino e o cenário fazem um bom contraste com o tema que é atemporal, e a fotografia cinzenta de Andrew Dunn torna o clima ainda mais sombrio. É o uso de uma sociedade por meio da crença. O fanatismo religioso e o poder exercido pela Igreja Católica são suficientes para o racional virar racional, para morte se tornar justiça e para o poder se tornar cego.
"Poder é toda chance, seja ela qual for, de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra a relutância dos outros". Essa relação feita por Max Weber encaixa-se no problema geral de As Bruxas de Salém. São pessoas fracas que, ao finalmente degustaram um pouco do poder, usam-no para uma manipulação bem pessoal, por meio de vias religiosas. É o bom se unindo ao agradável, é a imposição da justiça se unindo com o medo do inferno da religião. Pois o demônio, ele realmente existe, e a cara dele está nos humanos. O problema não são os sentimentos facilmente modificados, mas a suscetibilidade do ser-humano em aceitá-los.
NOTA: 10

25 de julho de 2011

De Repente, Califórnia (2007)

Um filme de Jonah Markowitz com Trevor Wright e Brad Rowe.

São muitos os filmes que ressaltam e trazem para reflexão uma mensagem de autoaceitação, do mesmo modo que o tema não se esgota com o tempo já que as situações são diversas. Para isso, cria-se um filme sobre patologias, mutantes ou de aparência. Paralela a essas situações, há outra diversidade que é jogada em tela: a sexual. O cinema acaba atingindo o público LGBT com mais facilidade com uma abordagem mais ampla e voltada não só a romances entre homens e mulheres. Os indicados ao Oscar, Meninos Não Choram e O Segredo de Brokeback Mountain são exemplos de uma história de amor bem-contada que cativa todos os públicos. Mas juntando as duas mensagens, autoaceitação e amor homossexual, temos De Repente, Califórnia, um filme que não se esforça em fugir dos clichês amorosos, mas se difere por contornar um tabu com naturalidade.
Zach (Trevor Wright) é um jovem que trabalha como cozinheiro em uma lanchonete. Seu maior sonho é cursar uma escola de artes, a qual foi obrigado a desistir para tomar conta do sobrinho Cody (Jackson Wurth) enquanto sua irmã Jeanne (Tina Holmes) sai com as amigas e com o namorado. Em seu tempo livro, Zach anda de skate e surfa com seu melhor amigo Gabe (Ross Thomas) e mantém um relacionamento instável com Tori (Katie Walder). Toda a vida do menino muda quando o irmão mais velho de Gabe, Shaun (Brad Rowe), volta para casa. A partir daí, nasce um sentimento maior que amizade entre os dois.
Há dois trunfos totais no filme. O primeiro deles é um relato intenso, resultado de vários fatores que auxiliaram em todo o ambiente para florescer a veracidade da paixão. O cenário, que alterna entre cenas praianas e o subúrbio, mantém uma diferença que é bem acentuada em cada tomada. A fotografia de Joseph White é composta por tons bastante claros, o que interfere em algumas cenas filmadas à noite, principalmente, mas ainda assim consegue trazer às situações do longa-metragem uma suavidade emocional, que combina com o ritmo detalhista das experiências do protagonista. As atuações beiram o bom e nenhuma se destaca das demais, o importante aqui é o caráter dos personagens. Cada personalidade complementa o que falta à outra nas cenas, e é trabalhando com essas pessoas incompletas que o filme mostra sua história de união. É uma graça ver o sobrecarregado e extremamente preocupado Trevor Wright se unir ao descontraído e divertido Brad Rowe. Ambos se completam, e aí o filme ganha. A química entre esse casal é inegável, e a forma com que ambos exploram os lados da paixão - cada um em sua cena mostrando um sorrisinho, um gesto que diferencie um estado passional e um estado normal - é ótima. Todas as nuances foram bem acrescentadas à trama, que as acolheu de uma boa forma.
O personagem principal fica claro nos primeiros minutos: é uma história sobre Zach. Aos poucos o espectador se encontra a par de todos os seus obstáculos na vida. Primeiramente, ele serve de apoio para a irmã ultrarrealista, que praticamente acaba com a vida do irmão para poder embarcar em seus próprios sonhos. É a destruição da vida dele para ela poder ter uma chance. Além de servir como suporte para Jeanne, ele ainda é uma figura paterna para Cody, que nunca conseguiu criar laços familiares mais fortes com o pai ausente. O tio acaba sendo um substituto, pela maneira amorosa que acolhe o sobrinho como se ele realmente fosse seu filho. Por mais que esse relacionamento seja subentendido pelo roteiro, que caiu no pecado do lugar-comum, outras interações entre os personagens acabam parecendo superficiais demais no meio de uma história cheia de detalhes sobre surf. Um exemplo disso é a relação entre Zach e Tori. O olhar de um não passa amor para o outro, e nada confirma uma relação entre ambos se não fosse a frieza dos cumprimentos.
A maior relação dos personagens é a muitíssimo bem explorada de Zach e Shaun, que traz outra barreira para a confirmação da paixão recíproca. Por mais que Shaun seja convicto de sua opção sexual, Zach até então se acreditava hétero. Ele até tinha um relacionamento com Tori, o que deveria confirmar sua sexualidade. A dúvida é o outro triunfo de De Repente, Califórnia, e Trevor Wright envolve isso em cada passo diário de seu personagem. Estar com Shaun é o que lhe faz sorrir em seu defeituoso ambiente familiar e  em seu trabalho medíocre, mas ainda assim ele não está certo de que é isso que quer para a vida. Ainda mais com Jeanne, que além de não deixá-lo viver sem estar ligado com os problemas pessoais dela, ainda explicita sua homofobia. Mas como Zach pode buscar aceitação se nem ele se aceita? Quando ele vê sua relação com Shaun do lado de fora, ele se renega. Para o Zach que a família quer que ele seja, ele deve continuar num relacionamento conturbado, longe de seus sonhos e completamente infeliz. Para o verdadeiro Zach, ele apenas que cursar a escola de artes e achar sua felicidade pessoal. E como se desiste tão fácil de uma felicidade que ele possui ao lado de Shaun apenas para ser a idealização alheia? Aos poucos, o homossexualismo floresce na mente de Zach, e o diretor estreiante acerta em mostrar, calmamente, a longa caminhada de compreensão e aceitação.
Um filme belo, feito para o público sentir a chama da paixão. Para Shaun, Zach é a inspiração de seus livros inacabados, o amor que ele finalmente encontrou depois de anos à procura. Para Zach, Shaun é a autoestima e o equilíbrio que lhe faltavam para ele iniciar uma vida sem ser dependente de ninguém. De alguma forma, essa história se tornou latente em meio ao cenário clichê de romances. De Repente, Califórnia não foi feito para ser um marco, mas um pequeno relato do amor verdadeiro que se passa em cada local, adaptando a isso numa realidade que, ainda hoje, sofre com o preconceito diariamente.
NOTA: 7

22 de julho de 2011

X-Men: Primeira Classe (2011)

Um filme de Matthew Vaughn com James McAvoy, Michael Fassbender, Kevin Bacon e Nicholas Hoult.

Criar adaptações não é a tarefa mais fácil do mundo, pois os detalhes são muitos nos meios veiculados da história. A criação do último filme - mas ao mesmo tempo o primeiro capítulo - da saga X-Men vai contra muitos dos detalhes das adaptações das HQs e dos filmes anteriores. Mas funciona tão bem que o verdadeiro erro parece se encontrar nos primeiros filmes dos mutantes, enquanto a história original se concentra mais em X-Men: Primeira Classe. Mudando a história mundial com a influência dos heróis, colocando foco no drama pessoal de personagens esquecidos e mostrando, com mais atenção, a baalha entre mutantes para a aniquilação da raça humana, o filme se torna uma ótima surpresa desse ano.
X-Men: Primeira Classe é um relato do começo da liga dos mutantes. Erik Lensherr (Bill Milner) é um jovem judeu que vive num campo de concentração no meio da Segunda Guerra Mundial. A diferença entre ele e os outros é que ele consegue controlar qualquer objeto de metal. Sabendo disso, Sebastian Shaw (Kevin Bacon), decide usar os poderes do garoto para seus negócios. Nos Estados Unidos, o jovem Charles Xavier (Laurence Belcher) conhece Raven Darkholme (Morgan Lily) e ambos decidem procurar mais mutantes, já que o garoto pode ler mentes e a menina se transforma em outras pessoas. Os três crescem e, após tornarem-se aliados, Erik, Charles e Raven (Michael Fassbender, James McAvoy e Jennifer Lawrence, respectivamente crescidos) unem forças para tentar impedir uma ameaça de outra aliança.
Um grande acerto do filme é o tom de uma guerra iminente que beira cada cena. Além de cenas que mostram a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria, ainda há um confronto entre protagonistas e antagonistas com poderes. A preparação dos personagens, a edição das cenas, o envolvimento da CIA e o preconceito com os mutantes são exemplos de uma reação em cadeia que resulta no grande embate final. Até os créditos finais, mostrando uma célula mutante como se estivesse sendo vista nos anos 50, é um acerto. A revolta entre seres-humanos com mutantes é um fator bem explorado: a crendice da normalidade, até então, estava prestes a mudar. Em outro filme da franquia, mais especificamente O Confronto Final, a luta entre as duas raças chega a seu ápice, com personagens conhecidos tendo que perder seus poderes em virtude de não aguentar a pressão social em cima deles apenas pelo problema de ser diferente. Mas aqui há um aprofundamento melhor no problema de ser diferente pela personagem de Jennifer Lawrence. Por possuir o corpo coberto de escamas azuis, ela se acha uma aberração, tendo que conviver com sua forma humana para não se olhar no espelho e se ver azul e feia, para os padrões humanos. Aos poucos, ela começa a conviver com sua aparência de uma forma com maior aceitação, vendo que seus poderes a fizeram bonita do modo que é. O preconceito entre os mutantes também fica claro na forma em que cada um lida ao encontrar um igual. Charles quase pula de felicidade ao ver que não é o único anormal ao encontrar Raven. Erik quase morre por uma reação incrédula ao ver Emma Frost e Azazel. Sebastian apenas ri ao constatar que o menino que domesticou possui poderes igual a ele.
James McAvoy, que sempre prova o quão bom ator é, está ótimo na obra. Porém, perde apenas para seu parceiro de cena, o forte e obstinado Michael Fassbender. Enquanto McAvoy cria uma atmosfera descontraída e familiar para contrução de seu personagem, Fassbender usa o ódio e a vingança como motores principais, se tornando um alvo muito mais interessante para motivação e ação. Por mais que a amizade ainda exista entre os dois, é aqui que percebe a principal batalha entre aqueles que viriam a ser Professor Xavier e Magneto: um pretende conviver com os humanos, outro pretende destruí-los. A aliança principal - que consegue lembrar a Primeira Guerra Mundial - contra a aliança dos vilões é só um subterfúgio para a obtenção do poder para o garoto traumatizado, disposto a tudo para vingar a morte da mãe. Mas para o menino que possuiu tudo, a luta é uma batalha para aceitação. Outro personagem que é bem caracterizado no longa-metragem é o de Nicholas Hoult, que enfrenta o mesmo problema de Raven por ter pés grandes. E isso, ele tenta consertar com sua inteligência e suas fórmulas. O preconceito não surge apenas dos humanos, já que os mutantes não estavam satisfeitos com sua forma. Foi o preconceito do Charles, enraizado em sua humanização, que fez Raven assumir sua forma humana por tantos anos de sua vida, e não se aceitar em parte alguma.
Se X-Men: Primeira Classe fosse o primeiro filme da franquia, ele funcionaria tranquilamente. Mas após assumirmos a antipatia entre Xavier e Magneto e a falta de afeto entre Mística e Xavier, é difícil desconstruir essa imagem pré-concebida para um a outra, antes da grande batalha começar. Mas tudo essas explicações são perdidas em meio à riqueza de detalhes do filme. A caracterização de cada ambiente e de cada personagem é mágica. Conseguimos observar as características vilanescas pelo olhar e pelos movimentos de bela January Jones, e Jason Flemyng não precisaria ser vemelho para o público perceber a maldade exalada por ele. Até Mística, que em outros filmes parece muito mais mortal por suas facetas, aqui se adapta com a inocência de Jennifer Lawrence, até na maquiagem azul que cobre seu corpo inteiro. A edição e a trilha sonora são outros diferenciais. Ver o treinamento dos personagens na mansão de Charles, observar as diferentes visões subjetivas entre russos e americanos numa batalha nuclear, encarar a cena final que varia entre um Kevin Bacon paralisado e um James McAvoy sofrendo, ambos na mesma posição mas em situações diferentes, o filme consegue prender, isso com toda certeza. Por falar nisso, Kevin Bacon é outro destaque no longa-metragem, se entregando em todas as suas decisões e fazendo um personagem detestável.
É difícil, após criar uma franquia, manter as continuações no mesmo nível de expectativa do primeiro. Um exemplo é a recentemente finalizada série Harry Potter, que teve seus altos e baixos nos filmes seguintes ao primeiro, mas anteriores ao sétimo. Outras mantém o mesmo sentimento em cada parte lançada nos cinema, como O Senhor dos Anéis, que combina ação e drama em todos os seus três capítulos. E há aqueles que conseguem criar tanto um filme esquecível e mediano antes de criar uma grande obra-prima e ressuscitar uma saga. O melhor exemplo disso, até então, era Batman: O Cavaleiro das Trevas, que ressuscitou as aventuras do homem-morcego para um outro nível. Mas X-Men: Primeira Classe faz uma tarefa parecida. Conta o começo dos mutantes, muda a história, coloca focos em personagens com alto desempenho e consegue ser o melhor filme da franquia. Até agora.
NOTA: 9

19 de julho de 2011

O Milagre de Anne Sullivan (1962)

Um filme de Arthur Penn com Anne Bancroft e Patty Duke.

A benevolência excessiva e a liberdade que é dada para pessoas limitadas não cumpre seu dever de uma ajuda. Cumpre seu dever de dependência. Muitas vezes o zelo é confundido com um simples mimo porque o mundo externo acredita que uma pessoa cega sempre vai precisar de alguém, que um cadeirante nunca vai poder andar sozinho, que um mudo não pode se comunicar sem outra pessoa. Após as esperanças de uma cura impossível para as menores deficiências morrerem, o que sobra é um cuidado que impossibilita um deficiente a viver como uma pessoa normal. E é essa situação, que é um ensaio sobre as diversas formas de se amar alguém, que é tratada no filme O Milagre de Anne Sullivan, um relato tocante e bastante atual.
Helen Keller (Patty Duke) nasceu com um problema em sua vida: depois de uma doença, ela acabou se tornando não apenas cega, mas também surda e muda. Seus pais, Kate e Arthur Keller (Inga Swenson e Victor Jory) procuram algum meio de curá-la dessa sua deficiência, mas a mimam excessivamente, deixando Helen diferenciada de outras crianças. Como uma última esperança de ajudar a menina, os pais chamam uma tutora, Anne Sullivan (Anne Bancroft). A professora, porém, que também era cega e foi acostumada a cuidar de outras pessoas, encontra uma dificuldade em ensinar seu método tanto pela falta de experiência da menina graças ao ambiente cercado em que foi criada quanto pelo confronto com o método de educação paterna.
As atuações estão excelentes. O elenco está soberbo. Victor Jory compõe seu personagem com alguns detalhes que o ligam à sua profissão, ao mesmo tempo que ainda se cobre com uma capa da rigorosidade familiar, mas da exceção para a filha deficiente. Inga Swenson é a típica mãe preocupada, que transborda amor e compaixão em suas cenas equilibradas. Andrew Prine, que fez o irmão James Keller, dá sua graça a partir de diálogos cheios de ironia e de uma razão inconveniente, encoberta pela pena da incapacidade da irmã gerida pelos pais. Por mais que os três estejam em sincronia, quem dá um show são as duas ganhadoras do Oscar, Anne Bancroft e Patty Duke. Anne surge como a ponte não-ortodoxa da menina com o mundo normal, algo diferente e tratado com preconceito. Afinal de contas, Anne é uma cega que está disposta a ajudar outra cega. Mas quem melhor do que um semelhante para entender as necessidades de seus iguais? A firmeza na fala e nos trejeitos da personagem Anne Sullivan são ótimos, e aqui, a brecha necessária para o amor e a afeição entrarem promove uma explosão de sentimentos no espectador. E Patty Duke merece grande mérito do filme. Sua personagem faz crer que a atriz interpretando é mesmo uma deficiente. Seu olhar vazio, seus movimentos desleixados, os detalhes que ela conferiu à personagem; tudo está perfeito e a menina rouba a cena.
Como criar uma relação com alguém que não quer se relacionar, mas precisa ser ajudado? Helen estava tão acostumada com a concha de paixão em que foi criada que não conseguia se adaptar mais ao mundo. Sua família a estragou tanto quanto sua deficiência. Anne Sullivan cria seu método fazendo uma ligação contrária, comovendo o público com a importância que ela dá a uma verdadeira melhora da menina. Mas como se cria amor partindo do ódio? Para Anne, essa tarefa é tão difícil quanto mostrar coisas novas para alguém que apenas sente. Como falar para uma pessoa o que é uma boneca ou um pássaro se essa pessoa nunca viu uma boneca ou ouviu um pássaro? Helen desenvolve seus estudos por meio da rigorosa professora e de seu alfabeto adaptado, pelo toque do alfabeto de libras. E ao mesmo tempo, desenvolve sua verdadeira noção de carinho, um carinho escondido pelas ações extremas dos pais, um carinho explícito na forma de educar que Anne achou para sua pupila. O problema de Helen deixa o filme extremamente atemporal, já que a sociedade ainda não sabe como agir defronte a uma situação parecida com a do filme.
Ao mesmo tempo que a aluna vai compreendendo que vive num mundo onde ela não é o centro, a professora começa a enfrentar seus demônios do passado. Visões provenientes de memórias viram o primeiro plano nas telas em imagens desfocadas, que mostra a infância da própria Anne Sullivan e como ela adquiriu toda a firmeza de seu caráter. O aprendizado é recíproco, e não só entre as duas. Anne acaba mudando a postura inconveniente de toda a casa, mostrando que o tratamento 'certo' com Helen era algo errado. Uma criança é erroneamente educada pela pena, que acaba virando um mimo a mais e uma chance a menos na luta por uma vida normal. Helen não poderia depender da família para sempre, e Anne mostra isso de um modo duro, mas sincero. A crueldade e a beleza entram em constraste junto à trilha sonora, que chega a seu ápice emocional em poucos minutos. E o fato mais belo do filme talvez seja o processo de aprendizado que, no fim, mostra que não há milagre algum. A verdadeira evolução de Helen foi conhecer seus limites. A cura não existe, e um filme que critica as falsas esperanças de uma vida normal não poderia ser diferente. É uma lição necessária e incrivelmente humana.
O amor que qualquer um precisa é movido pelo cuidado, e não pela pena é o que cada bela cena da obra de Arthur Penn. Ter pena é simplesmente se entristecer defronte a algo e deixá-lo permanecer do jeito que se encontra, esteja ele certo ou errado. O cuidado é ajudar ao máximo, não importando as deficiências. A deficiência da família encobre a deficiência da menina, e para acabar com ambas é preciso de muito cuidado, zelo e afeições movidas pela verdade, e não pela piedade. O Milagre de Anne Sullivan é um relato tocante e emocional sobre as dificuldades de uma pessoa limitada viver normalmente quando ela foi criada sem limites.
NOTA: 9

15 de julho de 2011

Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2 (2011)

Um filme de David Yates com Daniel Radcliffe, Emma Watson, Rupert Grint e Alan Rickman.

Tudo acaba aqui. Em 10 anos, o bruxo mais famoso do mundo cresceu na frente de fãs e espectadores da saga mais lucrativa da história. E a legião de fanáticos pelas histórias de Harry Potter enfrentaram ontem, mais especificamente hoje nas primeiras horas da manhã, uma confusão e horas de espera em filas do mundo todo para poder assistir o último capítulo da saga. E posso dizer que não saíram decepcionados. Os fãs xiitas gostaram da história assim como em qualquer outro filme, por mais que a adaptação não tenha se saído aos moldes mais fieis do livro. E os espectadores 'trouxas' se encantam facilmente pelo universo de magia que agora tem uma utilização incrível dos efeitos especiais e decidiu mostrar personagens coadjuvantes em cenas épicas. David Yates novamente acerta na direção de Harry Potter e faz, do último capítulo da história, um dos melhores e memoráveis.
Após destruírem algumas horcruxes de Lord Voldemort (Ralph Fiennes), os três amigos Harry Potter, Rony Weasley e Hermione Granger (Daniel Radcliffe, Rupert Grint e Emma Watson) ainda precisam localizar mais quatro pedaços da alma do lorde das trevas para, enfim, derrotá-lo. Mas a batalha fica cada vez mais difícil, já que Voldemort roubou a Varinha das Varinhas do falecido Alvo Dumbledore (Michael Gambon) e é seguido pelos comensais da morte, um bando de bruxos perversos que não titubeia em usar magia negra. Ao mesmo tempo, Severus Snape (Alan Rickman) assume a direção da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Porém, ele não conta com uma rebelião dos ainda simpatizantes pela causa de Harry Potter.
Se em Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 1 David Yates fez uma coisa parecida com um "road movie", com personagens andarilhos alternando por visuais estonteantes em montanhas e rios, apostando muito mais no drama pessoal dos três protagonistas, a Parte 2 virou um filme de guerra, e isso fica claro nos primeiros momentos da trama, alternando entre o antagonista e o protagonista da série. O primeiro capítulo do fim mostra, enquanto há uma alternância de cenário, um foco exclusivo em Harry, Rony e Hermione apenas, o que deu uma chance grande para a explicação dos motivos e dos dramas entre relacionamentos de amizade e amor dos trio principal. O segundo capítulo aposta em algo mais amplo. Outros personagens que não possuíam muito destaque na trama acabaram assumindo maior participação na história, seja pela firmeza que os atores encarnaram em seus pequenos momentos de glória, seja porque o roteiro exigia uma explicação melhor da motivação de algum caráter. Um grande exemplo de alguém que consegue atiçar a atenção do público é Maggie Smith, encenando sua personagem Minerva McGonagall. Em apenas uma sequência de feitiços, transfigurações e numa quebra da dureza de sua personagem para encurtar seu distanciamento com o espectador, ela mostra para que veio.
O fato no filme é que ninguém fica de fora. Até os que menos aparecem surgem em seus melhores momentos para emocionar fãs sedentos por algo acima das expectativas do último capítulo. Natalia Tena e David Thewlis aparecem em apenas uma cena, mas o movimento que fazem demonstrando o amor entre seus personagens - a metamorfomaga Ninfadora Tonks e o lobisomem Remus Lupin - é um encanto. O foco mudou. Daniel Radcliffe consegue mais atenção do que nos outros filmes, e sua atuação realmente melhora nesse último filme. Sua veia dramática se conecta mais fácil com o público, e é ele que carrega o drama de toda a trama, ele é o ponto de encontro de todos os sentimentos. Rupert Grint e Emma Watson continuam fazendo um ótimo trabalho. Ao passar dos anos, o trio se tornou mais competente e evoluiu em suas interpretações. Agora o trabalho dos três é emocionar, e não aparecerem como carinhas bonitas, inteligentes e engraçadas. Aliás, falando na melhora óbvia dos personagens, o filme aposta em outra coisa: a nostalgia. Nos momentos finais, a tristeza do fim contagia ao mesmo tempo em que flashbacks surgem caracterizando imagens de outros filmes. Isso sem contar em óbvias referências aos outros filmes da saga, que trazem uma memória dolorosa e confortante ao espectador.
Por melhor que o trio esteja, ele ainda é ofuscado em algumas cenas pela experiência ou pelas ações de outros. Ralph Fiennes, por exemplo, continua ótimo em sua odiosa caricatura de Voldemort. Helena Bonham Carter é um personagem tão maldosamente engraçado que é uma diversão vê-la em cena, com sua voz irritante e movimentos firmes. Um personagem que, finalmente, achou um espaço para se sobressair em cena foi Matthew Lewis, o subestimado Neville Longbottom. Nas cenas em que ele aparece liderando um grupo é difícil perder a imagem do garoto medroso do primeiro filme. E quando ele chega no seu auge, com uma pequena ajuda da edição de arte, em movimentos em câmera lenta para captar todo o ocorrido, a plateia vibra. E há, finalmente, o personagem que rouba a cena. No caso, esse papel ficou com Alan Rickman. Depois de 10 anos interpretando o sombrio professor Severus Snape, o homem sem emoção que ri apenas para acentuar seu sarcasmo, Rickman atinge um grau de extrema importância para a trama, encarnando numa interpretação dolorosa que o transforma de vilão para herói em uma fração de segundos. Vê-lo chorar, quebrando toda a amargura do seu personagem, é belo.
David Yates faz um trabalho incrível. Uma edição impecável acompanhando cada segundo da trama, mudando as cenas para a subjetividade de determinado personagem na hora mais oportuna, às vezes contrastando os ambientes, às vezes complementando o que faltava em um no subsequente. A trilha sonora do ótimo Alexandre Desplat acentua os momentos de ação da trama, levando os espectadores a uma experiência única assistindo e sentindo ao mesmo tempo, com os altos e baixos de sua música. E a fotografia, que agora adquire um tom mais claro do que no primeiro capítulo, é responsável pela beleza dos cenários e dos efeitos visuais. Os feitiços se tornam cada vez mais reais. E as cenas da penseira, que aparecem como que pintadas por uma tinta, são grandiosas, cobertas por uma iluminação diferente da observada no resto do filme. Talvez o único pecado, além da diferença das atuações, seja o ritmo corrido. É aqui que As Relíquias da Morte - Parte 2 se difere da Parte 1. Enquanto o primeiro capítulo do fim mostrava detalhadamente, sem precisar correr, a destruição de uma horcrux, apostando apenas no teor melodramático das relações e num visual lindo, o segundo capítulo mostra, apressadamente, o que ocorre para a saga poder dar um fim em pouco mais de duas horas.
Filme feito para arrancar lágrimas. Seja no final, um salto no tempo desnecessário para buscar a nostalgia do primeiro filme da série, seja em detalhes pequenos que surgem nas maiores cenas, seja num resultado de todas as atuações, seja nesse desfecho da saga que acaba com outros 7 capítulos mágicos. Depois de Chris Columbus, Alfonso Cuarón e Mike Newell assumirem a direção dos primeiros capítulos dessa franquia de altos e baixos, é David Yates quem comanda o elenco para um desfecho digno do que foi Harry Potter. Um belo filme feito para agradar a adultos e crianças, a fãs e a simples espectadores, a bruxos e a trouxas.
NOTA: 9

11 de julho de 2011

Desejo e Reparação (2007)

Um filme de Joe Wright com James McAvoy, Keira Knightley e Saoirse Ronan.

Verdade é um conceito tão relativo que é impossível levá-lo a sério de um modo único. Há verdades universais, há verdades pessoais, há verdades que variam de acordo com o olhar. E quem diria que num único caso possam se esconder tantas interpretações de uma mesma verdade? A verdade dentro de nós mesmos pode servir tanto como um refúgio consolador que, em uma visão egocêntrica, melhorará o mundo ao redor. Ou pode simplesmente ser uma verdade encoberta, feita apenas para o ser humano não reconhecer como ele é dissimulado por trás de suas mentiras. Desejo e Reparação, do mesmo diretor de Orgulho e Preconceito, traz isso bem: uma situação, vários olhares e, consequentemente, várias conclusões de estórias diferentes.
Cecilia Tallis (Keira Knightley) é uma jovem inglesa, que vive numa mansão com sua família burguesa. Ela é a confidente de sua irmã mais nova, Briony Tallis (Saoirse Ronan), uma menina que passa o dia a escrever peças fictícias. Além de tudo, Cecilia ainda nutre uma ardente paixão por Robbie Turner (James McAvoy), o filho do caseiro, mas não sabe se seu sentimento é correspondido. Num dia, Cecilia acaba descobrindo o verdadeiro sentimento de Robbie por ela de uma forma não casual, mas que faz acender a chama do amor entre o casal. Porém, antes que o amor dos dois possa se consolidar, as cenas românticas vividas por Cecilia são entendidas de outro jeito pela imaginação de Briony, o que traz consequências terríveis para a vida dos namorados.
Saiorse Ronan aparece em apenas uma das três divisões do filme, mas rouba a cena. Sua inocência e delicadeza são características sobressalentes e essenciais da sua personagem. Seu choque com algumas situações demonstra sua ingenuidade, por mais que ela transpareça seu lado mais maduro no passatempo de escrever romances. Além de tudo, ainda há seus sentimentos entre a irmã, pela qual nutre uma admiração imensa; e Robbie, a quem deve uma vida. A confusão ao ver os dois juntos se deve propriamente a quê? Inveja? Desejo? Ou puramente uma visão diferente do que está acontecendo, influenciada pela sua mente fértil de criar estórias? O roteiro não dá nenhuma dessas respostas ao espectador, e não deveria. Num filme que fala sobre a verdade pessoal, o melhor trunfo é deixar alguns detalhes a entendimento do espectador. As verdades não se diferenciam apenas na tela. A narrativa do filme ocorre de uma forma bela e de fácil compreendimento. E além disso, com uma visão subjetiva que altera de personagem para personagem, o assunto principal é abordado de uma forma que não cansa. Com algumas passagens no tempo, Joe Wright mostra o que Briony vê, o que ela entende e como ela reage a uma situação. Após isso, ele volta no tempo para mostrar como a situação ocorreu para Cecilia. Num primeiro momento, é uma cena de abuso sexual. No segundo momento, vira um ato de carinho e felicidade. E quando os dois momentos se chocam, basta apenas decidir em quem se vai acreditar.
Keira Knightley é outra beleza do filme. Ela, que já tinha trabalhado com o diretor desempenhando o papel principal de Orgulho e Preconceito, revela que a parceria de ambos não foi apenas um acaso ou uma sorte. Ela desempenha um bom papel, falando francamente com a irmã, mostrando o quanto estava apaixonada e como não iria desistir após a brusca e injusta separação. Sua personagem é uma brava romântica, e ela atribui características a isso com força, mas em pequenos detalhes do resultado principal que é Cecilia. Sua fala é cativante, seu olhar é obstinado, sua boca se fecha numa única linha séria quando preciso, ela não tem medo de enfrentar o que for pelo amor. E por mais que tantas características assim ainda sejam atribuídas, ela continua sendo uma personagem delicada, asssim como todo o visual do filme. Seamus McGarvey, diretor de fotografia, ajuda bastante. A fotografia clara e amarela do campo faz um contraste com a fotografia cinzenta da guerra, por mais que algo entre os dois cenários os una. O caos de um contrasta com a ordem do outro. E a única coisa que separa estes dois ambientes é o erro de Briony. O próprio pôster comprova isso, com James McAvoy e Keira Knightley separados por uma linha tão tênue como a verdade mentirosa.
A filmagem do longa é excepcional. A diferenciação de um personagem para o outro não dá um sinal próprio para a adaptação da mudança. Tudo fica por conta da percepção do espectador, uma tarefa não muito árdua para quem capta o filme desde o seu começo. O cenário muda tudo de uma hora para a outra, um choque entre duas situações, um choque entre duas verdades, um choque entre duas consequências. De primeiro, o ambiente se coloca em perfeita harmonia. Os personagens não se diferem de onde estão e há beleza em cada movimento. Na entrega de uma carta, na corrida em uma floresta, na pressa de uma menina. Até quando a palavra 'boceta' é escrita num papel, há toda a delicadeza do ambiente, da tinta da máquina de escrever preenchendo um espaço em branco, não a grosseria de uma palavra inapropiada. O que separou as duas realidade e as colocou em campos distintos foi a mentira. A vontade de algo ser verdade, a vontade de ter algo que os outros não poderiam. Uma vingança da irmã? Um instinto de proteção? A verdade é perigosa, no fim das contas. A beleza toda é acompanhada da trilha sonora excepcional composta por Dario Marinelli. A adaptação de teclas de máquina de escrever formando sons que acompanham movimentos e ações não podia ser melhor. Uma história está sendo escrita enquanto cada um faz seu movimento no jogo da vida.
Por fim, há o mais difícil. Encarar, sem titubear, um erro que perdurou durante anos a fio. Ver como vidas foram arruinadas, histórias foram reescritas e destinos foram mudados apenas para se adaptar a uma incerteza cruel, feita com a pior das intenções. James McAvoy aparece em cena sofrendo por amar, ao mesmo tempo que uma Romula Garai, a Briony cinco anos mais velha, percebe suas injúrias. O remorso se camufla perto do ódio dos injuriados. A vontade de fazer diferente não passa de vergonha. McAvoy entra com força num terrível cenário, com apenas uma obstinação na vida: reescrever uma história já reescrita. Ele não pôde para um amor reciproco separado injustamente. E realmente injusta é a sua situação. Enfrentar uma guerra face a face é uma cena difícil. O ritmo do filme diminui para se adaptar ao sofrimento. O espectador começa a sofrer para Robbie sair da guerra e voltar para casa, por pior que seja a sua situação. Bombas explodindo ao fundo, o que antes era cinza se tornou vermelho pela destruição. Um plano sequência numa praia mostra, dolorosamente, um risco que uma paixão encontra para poder sobreviver.
Uma história pode se criar facilmente a partir de um único caso. Só bastam várias pessoas em ângulos diferentes para conferirem sua visão. Desejo e Reparação não é apenas uma história. São várias, mas juntas para formar a obra resultante. E a junção dessas histórias, de um caso tão banal, é um exercício interessante de narrativas diferenciadas e visões, ângulos e enquadramentos diferentes. Mas essa é a parte mais fácil. O difícil do filme de Joe Wright é fazer o que Vanessa Redgrave faz em seus poucos, mas emocionantes, minutos: reparar a culpa proveniente do desejo, e, dessa vez, fazer isso com verdade.
NOTA: 10

7 de julho de 2011

O Nevoeiro (2007)

Um filme de Frank Darabont com Thomas Jane, Marcia Gay Harden e Laurie Holden.

O homem gosta de viver uma vida falsa. Tão falsa que raramente ele vive, ele apenas finge. Nietzsche chamaria um homem que realmente vive de super-homem. O resto é tão afundado na própria mentira que não consegue mais distinguir a vida da influência externa. E é exatamente nesse ponto, na falta de uma influência externa, na falta do que fingir, que o homem realmente revela sua essência: somos todos animais, até irracionais, buscando por sobrevivência. Foi o que Buñuel fez em seu filme O Anjo Exterminador; foi o que Saramago fez e foi adaptado aos cinemas por Fernando Meirelles em Ensaio Sobre a Cegueira; e é o que Stephen King fez nesse seu conto de terror, muito bem adaptado por Frank Darabont. Mas o terror do filme não fica por conta do desconhecido ou de monstros. Apenas da humanidade.
Numa noite, na cidade do Maine, ocorre uma forte tempestade que derruba árvores e destrói casas. No dia seguinte David Drayton (Thomas Jane), um artista local; seu filho Billy (Nathan Gamble); e seu vizinho Brent Norton (Andre Braugher) vão até o mercado para conseguirem suprimentos caso a tempestade volte. Porém, no mercado as as coisas começam a desandar: a névoa que surgiu após a tempestade tomou conta da cidade e, aparentemente, há algo estranho e mortal dentro dela. Mas, à medida que o tempo passa, o perigo passa a existir tanto fora quanto dentro do mercado.
A convivência com o desconhecido, com as mesmas situações, as mesmas circunstâncias, sem nenhuma previsão de mudança, tudo isso é bastante para enlouquecer alguém. É o bastante para o homem mostrar sua verdadeira essência, sua verdadeira face. O ser-humano é um animal racional até se deparar com o irracional. Então ele perde toda a sua distinção entre um animal. Há de se perder a cabeça e enlouquecer, há quem não aguente e tente se suicidar e há todos aqueles pecadores, que após uma vida inteira de infâmias e maldades, decidem se redimir de última hora. Afinal, para que garantir o plano terrestre se ele já está perdido? E é nesse ponto que O Nevoeiro entra e esse se torna um lugar-comum. Enquanto a religião está em primeiro plano, o estranho nevoeiro se torna apenas um problema qualquer. Enfrentar pessoas alienadas é a verdadeira dificuldade. O extremismo religioso é o verdadeiro monstro do nevoeiro, a verdadeira face de todas as almas perdidas. Quando você se encontra num estado de desespero, você agarra qualquer coisa que possa te tirar daí, nem que isso envolva o mal alheio. Qual é essa crença num plano superior de bondade, mas na fé de um Deus que castiga e pune?
Quando pessoas de diferentes opiniões ficam no mesmo ambiente por dias, é possível uma paz? A própria política mundial prova que não. Ateus se dividem, infiéis somem e apenas os verdadeiros crentes sobrevivem. Qualquer coisa é possível para acabar com a falta de fé e alimentar as esperanças no Deus punidor do judaísmo. A bíblia, sendo seguida ao pé da letra, dizima uma sociedade mais do que um nevoeiro propriamente. A fé cega é a resposta mais fácil para se resolver problemas além do que a própria ciência pode explicar - e esse é um dos poucos erros do filme. Numa sociedade como a de hoje, onde todos exigem uma explicação para o que acontece, os melhores filmes do gênero terror só conseguem tal façanha se deixam a ambiguidade do que realmente ocorre no ar. Não se pode dizer ou comprovar por meio de outras realidades se criaturas mutantes ou demônios realmente existem, é bem mais fácil colocá-los ao público, que irá se assustar devido ao tamanho de sua crença pessoal. Por algum motivo, essa realidade sobrenatural funciona bem melhor nos livros de Stephen King do que nas diversas adaptações de suas obras.
Sobreviver dentro é difícil, sobreviver fora é impossível. Por mais que O Nevoeiro consiga fornecer explicações falhas para os céticos de plantão com desculpas em experimentos militares, o visual do filme é ótimo. Os efeitos visuais não falham na criação de aberrações que se assemelham a animais, isso sem revelar muito do que se esconde por detrás do nevoeiro. A névoa esconde tudo e está ali, aterrorizante, em cada cena. A atuação da obra fica na mão de Thomas Jane, que consegue criar uma imagem agradável no longa-metragem, mas nada que deixe o longa mais convincente. Sua dolorosa interpretação beira muito mais um drama do que um terror, propriamente dito. Mas as partes onde ele se depara com o significado de uma relação familiar, elas são valorosas. Andre Braugher consegue ser melhor. Em poucas falas, ele atinge o lado da racionalidade e já mostra para o que veio, com um diálogo fácil. A atuação feminina se sobressai. Laurie Holden, que interpreta Amanda, está boa. É uma pena não vê-la tanto no longa. A verdadeira antagonista - não, não o nevoeiro - é Marcia Gay Holden, e de longe a melhor atuação do filme. Ela, que interpreta a extremamente religiosa senhora Carmody, é carismática o bastante para convencer o espectador a se ajoelhar e rezar na sessão, além de sempre manter seu olhar fixo, gerando uma imagem de lunatismo e medo.
Após aproximadamente duas horas, O Nevoeiro mostra para que veio. Não apenas para assustar em certas cenas ou então para passar uma mensagem no fim. Para mostrar o quão tênue é a linha da sociedade, do comportamento social, e o quanto tudo isso é mutável pelo medo do desconhecido. Não se pode dizer o que ocorre na mente de uma pessoa insana depois de tantos traumas. E não se pode dizer o quão depressivo é ver a sanidade chegar numa mente traumatizada. Afinal, depois que o nevoeiro cega e tira o que resta de humano, a visão volta. Mas só se vê fumaça.
NOTA: 8

4 de julho de 2011

Abraços Partidos (2009)

Um filme de Pedro Almodóvar com Penélope Cruz, Lluís Homar e Blanca Portillo.

Uma paixão inicial. Outra paixão, mas dessa vez proibida. Intrigas, ciúmes, traições, sonhos, promessas. O homem acaba consumindo os outros por sua doença amorosa e seus trágicos sintomas. Tragédia. E vida. A vida simplesmente continua, com resquícios do que ficou, com saudades do que passou, com ânsia e ansiedade pelo que virá. Continua, se agarrando ao que restou para não admitir a si mesmo como a vida não consegue seguir sozinha, uma vez que ela já tinha se unido. É uma fórmula que vem sendo usada em adultérios, em perdas, em melancolia e tristeza. A diferenciação de Almodóvar aqui não é o roteiro, mas a beleza única de cada cena. O filme certamente tem uma veia muito mais dramática do que realista, assim como qualquer outro filme do diretor espanhol. E isso não é problema. É cinema.
Diego (Tamar Novas) é filho de Judit García (Blanca Portillo), a diretora de produção do cineasta cego Harry Caine (Lluís Homar). Quando Judit viaja e deixa seu filho com Harry, o menino sofre um acidente na boate onde trabalha. Quando Harry vai socorrê-lo, Diego começa a indagar sobre o passado do diretor. A partir daí, Harry começa com suas lembranças e explica ao garoto que o nome dele de verdade é Mateo Blanco e que teve um passado conturbado com o milionário Ernesto Martel (José Luiz Gómez) e com a aspirante à atriz Lena (Penélope Cruz). No tempo presente, o filho de Ernesto, Ray X (Rubén Ochandiano) procura Harry para fazer um filme autobiográfico.
As paixões ilícitas surgem a cada cena para contrastar com o ambiente criado. Uma fotografia que acompanha as cores contrastantes de Almodóvar. No filme, um vermelho não pode ser morto. A obra deve viver não só por atores representarem uma situação, mas por tudo no cenário estar vivo e interagindo a cada momento com os artistas. E o diretor sabe fazer um mise en scène como ninguém mais, o que mostra nessa obra extremamente metalinguística. Mas aqui a arte de se fazer um filme não é tratada com interação com o espectador, mas com personagens. É o clássico filme dentro de um filme, um Almodóvar dentro de um Almodóvar. A atuação é correta e segura o filme, até o eleva para patamares bem maiores já que ele começa a alternar entre a descontração romântica e um drama asfixiante. Penélope Cruz rouba a cena quando aparece. Já não basta sua beleza, sua atuação ainda combina para colocá-la em seu posto de musa. Seus risos e sua caracterização são verdadeiros o bastante até quando beiram o artificial, suas lágrimas e suas expressões conseguem atrair o público até o rosto de cruz e ter um foco nela para codificar as diversas situações que são jogadas na tela sem uma ordem cronológica, sem um ritmo específico. As imagens vistas no trailer de Abraços Partidos já são o bastante para demonstrar isso: Penélope entra numa sala e, ao ser focalizada ao fundo, desvia a atenção do que ainda acontece no primeiro plano com seus gestos e sua narração.
Penélope apresenta mais um trabalho excelente, mas é incompleto apenas falar sobre ela. Blanca Portillo, por menos que apareça no filme, ainda tem uma participação importante. E marca isso com uma força de interpretação imensa. Lluís Homar é o motor principal do filme e consegue criar uma atmosfera respeitosa em seu papel, o que o caráter de seu personagem pede. Sua voz é vigorosa ao mesmo tempo que não atinge autoritariedade o bastante para ser odiado. José Luiz Gómez e Rubén Ochandiano convencem, cada um em seu papel, exalando uma raiva que é constatada em movimentos diferentes. Enquanto um utiliza o ódio graças ao poder material que exerce nas pessoas, - e constrói isso bem em cena - o outro usa trejeitos mais estereotipados para conseguir exprimir o rancor. Além do tudo, o filme ainda possui uma fotografia belíssima que deixa a obra ainda mais viva, mérito de Rodrigo Prieto. Abraços Partidos se torna um filme sob medida, fazendo uma homenagem silenciosa e dramática sobre o cinema. Mas, obviamente, é preciso exagerar em alguns pontos para criar o diferencial. O excesso de melodrama acaba tomando conta das telas e isso, consequentemente, acaba tornando o que deveria ser verdadeiro em superficial.
A trilha sonora é um fator importante no filme. Feita por Alberto Iglesias, ela faz mais do que acompanhar cenas. Ela narra a melancolia. Ela celebra um romance. Ela dialoga com os personagens pensativos e ela acompanha os que tomam drásticas decisões. No ápice do filme, entra em cena uma canção tocada no violão num ritmo que se assemelha a uma balada. É a mesma música que aparece na divulgação do filme, Werewolf da cantora Cat Power. E os versos da cantora são uma descrição perfeita do que virá a seguir na cenas. Ou então do que já foi visto, já que a interrupção da cronologia causa esse efeito de déjà vu. Ninguém sabe o quanto eu amei o homem lobo, enquanto eu rasgava suas roupas, canta a intérprete. Enquanto isso, a paixão ardente entre Lena e, até então, Mateo é mostrada em cena. A distinção dos amores de Lena é feita com motivações o bastante para ninguém condená-la por adultério. A paixão só não parece verdadeira para os personagens, ninguém sabe o quanto ela ama o homem lobo. O lobisomem, o lobisomem tem compaixão assim como você e eu, completa. O caráter de cada um se torna o alvo da crítica. Depois de sua própria transformação em lobisomem, Mateo Blanco não abandona seu amor após virar Harry Caine. Não abandona a bela moça por quem se apaixonou, não abandona sua paixão pelos filmes. É um cinema altamente passional, sem ser influenciado por fatores externos, apenas pelo que realmente faz cinema. Eu vi o lobisomem, e o lobisomem estava chorando, ela termina em sua voz tão melancólica quanto o filme em si.
Um filme precisa ser feito, ainda que às cegas. Abraços Partidos é a transformação agindo sobre a superação. É simplesmente a válvula de escape. Não se pode esperar algo simples e fácil depois que se perde aquilo que se ama. E é o amor o principal questionamento do filme. A importância tachada às coisas permanece a mesma em vida e morte. Harry Caine é o amor controlado, é a paixão ardorosa. Mateo Blanco é o amor instável. E a vida não precisa de uma metamorfose tão extrema para provar que amor ainda é amor. E aqui o que importa é o amor de Mateo Blanco por Lena, o amor de Harry Caine por seu filme incompleto e o amor de Almodóvar pelo cinema. Um amor abstrato, não material. Um amor transformado, mas o mesmo amor no fim das contas.
NOTA: 9

1 de julho de 2011

Corações Perdidos (2011)

Um filme de Jake Scott com James Gandolfini, Melissa Leo e Kristen Stewart.

Não existe uma maneira fácil de se lidar com a perda, ainda mais quando a perda é muito substancial. Há perdas que somem com o passar do tempo, há perdas que retiram um pedaço da alma. E quando a perda é grande o bastante para controlar a rotina, o que fazer? Deixar esquecer ou se agarrar ao que perdeu, buscando cada vez mais lembranças por momentos juntos? Não se pode seguir uma vida sendo controlado pela perda, ou então se perde uma vida. Corações Perdidos é um filme unicamente sobre a perda, que trabalha em dois conceitos distintos, mas interligados entre si.
Doug Riley (James Gandolfini) e Lois Riley (Melissa Leo) são um casal triste. Após casados há 30 anos, eles perdem a filha adolescente. Ambos abalados, o luto deles perdura por anos. A memória da filha para de deixá-los viver como um casal e os faz mortos. Até que Doug vai a Nova Orleans para tratar de negócios de trabalho. Lá, ele conhece a prostituta Mallory (Kristen Stewart), uma adolescente de 16 anos que acaba fazendo o que os 8 anos de perda não fizeram aos Rileys. A partir desse ponto, o filme vira um conto realista sobre a superação e sobre pontos de apoio para a perda.
Doug e Lois estão perdidos na vida. Lois está parada em sua casa, perdendo graças a sua perda. A convivência com a sociedade foi retirada pela falta de uma única convivência. Lois não consegue mais sair de seu próprio mundo da solidão porque ela coloca sobre si toda a culpa em sua perda. A culpa, a autonegação, a perda é difícil de ser aceita. Acordar todo o dia e perceber que outra pessoa, que você se importa, não vive enquanto você vive, te faz querer não viver. E Lois não vive mais. Seu mundo traz uma cabeleireira a própria casa, faz com que os vizinhos peguem a correspondência e que ela não consiga mais travar qualquer tipo de afeto com o marido. As lembranças da perda são ainda mais cruéis do que a perda em si. A perda é um sentimento espontâneo e passageiro. As memórias duram o máximo que puderem para aumentar o sofrimento. Doug não consegue aceitar esse estado da mulher, que acaba o deprimindo. A felicidade de Doug é sugada, ele não arranja mais prazer em casa então procura amantes na rua. E Lois, que sabe de sua frigidez e de seus problemas, não faz nada para impedir que Doug pule a cerca. E é nesse mundo que os Rileys vivem e são apresentados ao público nos primeiros minutos da sessão. Doug é adúltera e quer mudar o luto de 8 anos da família; Lois quer viver acreditando que a culpa não é sua. Ambos são incapazes de realizar suas tarefas ou de serem felizes.
O conceito de perda de Doug e Lois choca-se com outro quando Doug parte para Nova Orleans. Depois de perder sua amante, sua única válvula de escape, ele precisa de companhia para não enlouquecer no ambiente mórbido de sua casa. A fuga de seu mundo representa a liberdade, e um indivíduo livre nunca irá querer voltar para a caverna de onde estava preso. Doug conhece Mallory, a menina perdida, que se desviou de seus caminhos após sofrer outras perdas. Mas Mallory é mais realista, por menos sensata que seja. Seu mundo só poderia ser completo com o caminho que ela trilhou, sendo esse a prostituição. E a junção dessas almas perdidas, paulatinamente, leva à afeição. Uma afeição que Mallory tinha perdido após seu trabalho cruel. Uma afeição que Doug tinha esquecido após perder a filha e ver a mulher se tornar distante. E essa afeição leva a mais do que um simples movimento escapista, é a chance de um renascimento. Ele decide conviver com suas memórias, ao se lembrar da filha toda vez que olha para Mallory. Ele decide ser o pai que Mallory não teve e Mallory torna-se a filha que Doug queria ter visto crescer.
Lois acaba sentindo a perda novamente em sua alma. Ela não poderia perder o marido e a filha ao mesmo tempo. Suas relações, por piores que sejam, ainda eram relações. Outra perda seria fatal para a mulher. A história de superação fica por conta das imagens subsequentes. Um casal melhora quando decide confrontar o que lhe perturba, o que não o deixa viver como um verdadeiro casal. E a vida fica bem mais bela quando as lembranças de sofrimento viram lembranças saudosistas e alegres, de uma hora pra outra. James Gandolfini e Melissa Leo colocam um peso imenso em suas atuações, ambos expressando o sofrimento de forma diferente. Enquanto James mostra-se acostumado com sua dor, por mais que não consiga esquecê-la, Melissa sofre diariamente. Kristen Stewart está ótima, para completar o elenco. Sua personagem aqui, com mais expressões e com ações mais rápidas do que em alguns de seus trabalhos anteriores, se torna até divertida numa estória de sofrimento. A fotografia escura e a direção também ajudam a atmosfera do filme a continuar tensa em seus 110 minutos.
Corações Perdidos é, realmente, um filme sobre perda. Mas que acaba se tornando uma auto-ajuda para os perdidos. O filme não fornece respostas, não fornece soluções e não fornece uma conclusão, mas é exatamente assim que a vida é, então porque fazer diferente? A escuridão da zona de conforto, a beleza da dor, a realidade assustadora, tudo prepara o filme para se tornar o que foi: um conto sem qualquer exagero das causas e consequências da vida. O segredo não é segurar algo e não deixar soltar, é saber a hora de deixar ir embora e, assim, viver harmoniosamente sem precisar achar um antagonista.
NOTA: 8