Um filme de Guillermo Arriaga com Charlize Theron, Kim Basinger e Jennifer Lawrence.
O que esperar depois da separação entre o roteirista e o diretor da ótima Trilogia do Caos (Amores Brutos, 21 Gramas e Babel)? Guillermo Arriaga mostra que consegue também dirigir ótimos filmes sem seu antigo parceiro Iñárritu com essa obra. Vidas Que Se Cruzam tinha uma história que renderia um drama fácil, porém, por mais que a Trilogia do Caos tenha terminado em 2006, ainda percebem-se resquícios dos outros filmes na primeira viagem de Arriaga, o que o torna mais do quem apenas mais um drama. A falta de linearidade, a ordem cronológica alterada, tramas entrelaçadas e personagens, no mínimo, curiosos, são figurinhas repetidas aqui. Por mais que ele tente reutilizar sua fórmula, o resultado ainda é inferior às suas três pérolas com o diretor mexicano.
Vidas Que Se Cruzam conta várias histórias paralelas entre si, que vão se tornando cada vez mais ligadas à medida que o fim do filme se aproxima. Temos, primeiramente, Sylvia (Charlize Theron), a dona de um restaurante que tem um passado obscuro e insiste em escondê-lo através de suas cicatrizes e de sexo completamente sem prazer; Mariana (Jennifer Lawrence), uma garota transtornada após a morte da mãe que se apaixona pelo filho do amante dela, Santiago (J. D. Pardo); Gina (Kim Basinger), uma mãe de família que comete adultério com Nick (Joaquim de Almeida); e Maria (Tessa Ia), uma menina cujo pai, um piloto que auxilia nas plantações de agricultores, sofre um acidente, e agora procura a mãe desconhecida.
O maior auxílio do filme em seu funcionamento fica nas ótimas atuações, que não caem em momento algum e trazem o máximo de emoção para as cenas que carecem dessas. Charlize Theron e Jennifer Lawrence carregam o peso do drama nas costas em suas personagens complicadas com passados obscuros. E tiram de letra. Charlize me convence do início ao fim em sua personagem fria com seus assuntos diários. Kim Basinger, a mãe que não sente mais prazer em casa com seu marido e seus filhos, está perfeita. E vemos nas telas o quanto ela sabe que está errada em distribuir o prazer e a obrigação numa balança fora da moral, já que suas expressões entre o feliz e o desconfortável se sobressaem em sua interpretação. Mas tenho que dizer que a novata Jennifer Lawrence é a minha surpresa do filme. A menina, indicada a inúmeros prêmios por sua atuação excelente no filme do ano passado, Inverno da Alma, mostra que esse pode ser o início de uma grande carreira com sua personagem.
Os personagens carregam a maior parte da teia formada pela trama. Mariana admite, logo no meio do filme, que amava a mãe morta, mas que não gostava dela. Claro, pra uma garota que ajuda a cuidar dos irmãos diariamente enquanto a mãe trepa na divisa do estado, uma descoberta dessas é um tiro na cabeça. Ela se sente muito traída e tenta tirar a mãe dessa vida para um possível arrependimento. Quando nada sai como o esperado, o martírio da garota começa. Ela carrega toda uma carga sem falar para ninguém e constantemente se fere para poder sustentar a dor física com a dor emocional que sente em sua alma retraída. E até que ponto vai essa dor? O sadismo da garota segue durante sua vida inteira. No futuro, ela não consegue sentir prazer num ato sexual, por mais excitante que ele seja. Ela tem de se ferir constantemente para segurar as pontas de seu passado obscuro.
Ao ter de suportar o peso da morte da mãe, ela se vê sozinha em casa, cheia de culpa, no meio de uma família abalada e cheia de vingança para dar àqueles que tiraram a matriarca da família. Não que a mãe fosse a base para o sustento e a sobrevivência da família, mas era o equilíbrio para ela. A partir daí, ela descobre o prazer. Mas como proceder se o resto diz que o prazer que ela sente é errado? Ao sair de sua vida tediosa, com suas obrigações banais para descobrir o amor e o sexo num jovem proibido, o que a menina era suposta a fazer? Um amor proibido gera uma traição e uma revolta. Essa traição e essa revolta geram um outro amor tão proibido quanto o primeiro. E esse novo amor gera uma revolta maior ainda. A culpa transborda na inquieta alma dessa garota. É culpada por tudo. E assim ela cresce, amargurada, cheia de sofrimento, tentando procurar a dor no prazer que a mãe buscava em suas escapadas. Esse crescimento é retratado de uma forma não linear, já que o futuro chega mais rápido do que o previsto na película. Mas tudo é acompanhado de uma fotografia esplêndida, cenários lindos e uma trilha sonora que prende, junto com os diálogos entrecortados e carregados do filme.
Com personagens profundos e uma boa direção, pra primeira vez, Vidas Que Se Cruzam se segura em suas excelentes atuações e num roteiro entrelaçado, com fortes referências à sua antiga parceria. Referências essas que começam com o próprio nome do filme. Um filme fora de ordem que carrega situações entre a vida e a morte, a paixão e o ódio, a culpa e a tranquilidade, o peso de uma mágoa marcante e arriscada e a leveza de uma vida tranquila sem qualquer chances de felicidade. Arriaga mostra que consegue fazer boas obras, embora com ainda uma certa dependência da Trilogia do Caos. A questão agora é se Iñárritu consegue se segurar sem seu roteirista em seu Biutiful.
NOTA: 8
2 comentários:
Gosto do filme, acho que seu texto evidencia o quão dramático e até realista é a trama. É claro que aqui temos três belas atrizes que ajudam ao funcionamento do filme, Theron está ótima mas concordo contigo: Jennifer Lawrence surpreende. Kim Basinger tem uma participação mais contida, mas gosto muito dela e tenho pena da personagem, dá pra entender suas motivações.
Achei que você tivesse gostado menos do filme, mas a nota foi 8, rs.
Abraço
Gosto pra caramba do filme e achei bem feito, mas credio que Iñárritu teria feito melhor, por incrível que pareça achei algumas cens frias demais, mutaz vezes desprovida de emoções, mas mesmo assim o filme cumpre o seu papel.
Lawrence está ótima mesmo!
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