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6 de janeiro de 2011

Histórias de Amor Duram Apenas 90 Minutos (2010)

Um filme de Paulo Halm com Caio Blat, Maria Ribeiro e Luz Cipriota.

É novamente aquela história que eu não me canso de comparar com Dom Casmurro - o homem desconfiado da traição. Só que esta pérola nacional vai mais além disso, ela se alimenta e cresce com a dúvida, além de inverter a dúvida do cético personagem de Caio Blat ao longo da trama e transformar a vítima no culpado, ou será que a vítima numa vítima ainda maior? Mas o que realmente dá o tom certo para Histórias de Amor Duram Apenas 90 Minutos é a narrativa machista e completamente parcial do frustrado protagonista, junto com suas conversas reflexivas sobre o sexo, a carreira, a vida.
Zeca (Caio Blat) é um pseudo-escritor frustrado vivendo uma crise em sua vida. Seu livro, que contém o que poderia se tornar um grande sucesso, não sai da página 50. Como ele insiste na ideia de viver de seus livros inacabados, ele passa o dia sentado em frente ao computador fumando e imaginando como seria o fim de sua história, apenas sendo sustentado por uma mesada do pai (Daniel Dantas), que veio da herança de sua mãe. Além disso tudo, ele, um aficcionado por sexo, já que seu excessivo tempo livro o permite, não consegue se satisfazer sexualmente por conta de que sua mulher Júlia (Maria Ribeiro) trabalha como professora e ainda estuda. A partir dessa situação descrita infeliz e desesperadora pelo escritor, Zeca passa a desconfiar que Júlia tem um caso com sua mulher amiga, Carol (Luz Cipriota).
Por uma coincidência eterna ou por uma jogada do diretor, Zeca é completamente Dom Casmurro. O personagem por semelhanças daquele que é um dos maiores escritores brasileiros virou um fracasso na literatura. Vemos essas características não só na forma de lidar com uma suposta traição, que foi se amargurar por dentro graças à semente da dúvida, já instalada na alma do personagem por não ter confiança nem nos outros nem em si mesmo. Ambos os personagens se menosprezam ao ser verem submetidos a uma mulher mais independente do que eles jamais serão, tendo que seguir essa superioridade feminina que acaba com a "masculinidade". E a narrativa entre as histórias também é a mesma - altamente pessoal, com a própria opinião adaptando a realidade ao que eles próprios querem ver ou sentir. E isso combinado com o complexo de Peter Pan que o personagem do filme apresenta ao se mostrar tão infantil quanto uma criança pequena em seus pensamentos egoístas, Zeca poderia ser um bom personagem de Machado de Assis.
O filme apresenta uma trilha sonora marcante em seu ritmo que ora cai, ora sobe, mas não se mantém na linha por mais que a trama envolva cada vez mais o espectador com suas dúvidas. Ué, mas Júlia realmente traiu Zeca? Isso não é apenas uma visão reduzida da verdadeira realidade ao não conseguir ver além disso? Esse é o verdadeiro problema de Zeca, não conseguir ver além do provável. Ao se deparar com uma situação como a amizade profunda entre duas mulheres, ele pensa logo no adultério. Claro, uma mulher assim não pode ser tão perfeita a ponto de sustentar uma casa inteira, ela tem que trair o marido dela. E ainda com uma mulher, é o que diria o pensamento limitado. Ao se deparar com uma história de um açougueiro assassino que esconde os crimes na arte, ele não vê mais saída ao tentar acabar com a história, por mais que hajam inúmeras maneiras dela ir. Afinal, a história que ele escreve não acaba virando seu álibi para fugir das responsabilidades e viver para sempre na sua infância revivida? Enquanto o personagem que ele criou esconde os homicídios na fotografia, o próprio escritor esconde os maus-hábitos na literatura.
Caio Blat está muito bem interpretando seu personagem, tão bem que mal consegui sentir algo por ele que não fosse raiva, uma raiva por não conseguir enxergar o óbvio que não seja óbvio para si mesmo. De qualquer modo, ele é um bom ator que fez um personagem ótimo. Maria Ribeiro me surpreendeu, não esperava mais dela do que do próprio protagonista, mas ela se mostrou capaz de até roubar a cena quando ela não podia ser roubada na mente mesquinha do narrador. Luz Cipriota é outra surpresa no filme, a argentina incontrolável atrai a câmera tanto por sua beleza quanto por sua interpretação. Daniel Dantas é outro, aparece pouco mas segura seu personagem com força.
Histórias de Amor Duram Apenas 90 Minutos é um filme completo. Não se segura em muitas partes ao ficar tropeçando no seu ritmo e focar a trama num personagem que surpreende no começo, mas que cansa perto do fim. Fora isso, é um Dom Casmurro na versão de 2010, com direito a mais erotismo do que a sociedade permitia na época em que Machado escrevia sua pérola. Paulo Halm acertou, é uma diversão ver tamanho filme surgir assim, polemizando uma temática já banal através de novos meios de enfrentar uma traição. E ainda mais, ver tamanha obra surgir de um acervo nacional.
NOTA: 7

4 comentários:

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

Gabriel, meu caro, parabéns pelo ótimo texto. Não assisti a esse filme, mas agora quero vê-lo. Legal saber dessa comparação com o Machado, isso me impulsionou muito. E... pô, senti toques freudianos na personagem do Blat (quando ele quer ele arrebenta mesmo) ou é impressão, só?

Abraço.

Gabriel Neves disse...

Luiz, há realmente algo de Freud na personalidade do Zeca, eu vi mais isso no lado reprimido dele pelo pai, que o transformou no adulto que não cresceu em seu psicológico. Espero que goste do filme.
Abraço.

James Lee disse...

Gostei do longa, achei uma ótima tentativa de se fazer uma comédia sem ser as tais pataquadas do cinema brasileiro...estamos no caminho certo!

Cristiano Contreiras disse...

Interessante tua comparação com a obra clássica de Machado de Assis - pois, este filme reflete bem isso mesmo...

e eu acho que Caio Blat aqui tem uma atuação excepcional, ainda que o filme não seja tão bem acabado assim. Mas, seus méritos se sustentam pelo teor da sexualidade e de mostrar as relações, e também inseguranças, amorosas.

abraço