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9 de março de 2011

Reino Animal (2010)

Um filme de David Michôd com James Frecheville, Jacki Weaver e Ben Mendelsohn.

Não são muitos os filmes que se abrem desse modo para o universo da violência e da criminalidade. Alguns, como Laranja Mecânica, criam a ultra violência como forma crítica de uma sociedade perdida, e não têm pudor ao mostrar, de forma explícita, atos de crueldade a sangue frio. Outros, como O Silêncio dos Inocentes, exploram a mente insana de um psicopata e os atos hediondos que ele comete ao seguir à risca seus instintos. Ainda há quem aprofunde a violência pela violência e uma onda de crimes como diversão como forma para a promoção da anarquia, o que foi visto em Clube da LutaReino Animal é um dos filmes mais frígidos que já vi. Ao retratar o mundo da violência em Melbourne, ele aprofunda em suas relações na frieza e cria tanta naturalidade com a mudança constante de lados, com a visão diferente da sociedade e com a inversão de moral que uma cena qualquer de assassinato seria assistida com o mesmo entusiasmo de uma cena piegas de um romance.
Josh Cody (James Frecheville) é um garoto de 17 anos que está assistindo TV ao lado de sua mãe morta, após uma overdose. Ele espera os paramédicos chegarem para constatar o que qualquer um veria: a mãe morreu. Depois, sem saber o que fazer, ele liga para a avó Janine (Jacki Weaver), que consente em levar o garoto para morar com ela e os tios Andrew Cody (Ben Mendelsohn), Craig Cody (Sullivan Stapleton) e Darren Cody (Luke Ford). Com esse novo caminho em sua vida, Josh começa a perceber o quão estranho é esse lado de sua família e começa a se envolver com os conflitos de seus parentes, todos criminosos.
Normalmente, os filmes surpreendem com um roteiro bem construído para dar lugar a atuações fortes que funcionam como uma alavanca, misturando um sentimento real com uma trama bem feita. Os filmes do cenário independente não fogem a regra. Possuem um roteiro mais simples, mas com atuações que conseguem sustentar a trama toda. Temos como exemplo Inverno da Alma, de Debra Garnik, com a atuação maravilhosa de Jennifer Lawrence; Reencontrando a Felicidade, de John Cameron Mitchell, com Nicole Kidman contrastando com Aaron Eckhart em atuações de perder o fôlego; e Namorados Para Sempre, de Derek Cianfrance, com Michelle Williams e Ryan Gosling criando um relacionamento real e perfeito. Todos eles buscam o máximo de sentimentalismo, para comoverem o espectador com a vontade dos atores e atrizes. Reino Animal foge a regra. O filme é tão frio que não se pode buscar sentimentalismo nele, por mais que suas atuações sejam convincentes o bastante e a história seja repleta de metáforas e bem construída. David Michôd, na sua estreia no cinema australiano, segura o filme pela construção das personagens e do roteiro com uma complexidade feita para prender e instigar um público que se emociona, aos poucos, com a frigidez.
A impassividade dos personagens faz com que eles se aprofundem numa crueldade, ao mesmo tempo que confere um ar monótono ao filme, já que nunca há uma surpresa, nunca há uma emoção. Se houver, é indignação do espectador por ser ingênuo ao não acreditar em tamanha hostilidade. Por mais que as relações se estabeleçam dessa maneira, não é possível não se cansar com a realidade mostrada, por mais chocante que seja. Mas, próximo ao desfecho, ocorre uma parte completa de reviravoltas, para tirar do público todo o sentimento maçante que estiver nele e completar com uma tensão feita através do relacionamento de assassinos e criminosos com a polícia civil numa guerra que ocorre no silêncio, para não assustar os cidadãos e transeuntes. Outro fator que aumenta a tensão de Reino Animal são os closes e velocidades de filmagem. Em uma parte ou em outra é impossível deixar de comparar as diversas relações familiares com o de uma manada de leões. A vida na cidade grande é uma selva, e essa selva é o habitat para uma guerra por sobrevivência.
O espectador vira um cúmplice em meio à violência do filme, e tem de ver o drama que gira em torno de Josh, interpretado por um James Frecheville que consegue esconder e liberar suas emoções nos momentos certos, para conseguir transmitir a mensagem do filme. Quando ele passa de sua vida tediosa para uma vida repleta de crimes, é difícil não se corromper. Ele tenta se segurar o máximo na sua monótona vida normal, sustentado por uma relação morna com sua namorada, mas não consegue escapar de ser o alvo dos criminosos. O garoto funciona como o ponto de apoio para a polícia acabar com a selvageria violenta provinda da família criminosa e como um bode expiatório para a família criminosa se safar de suas próprias acusações. Outros pontos fortes e cruciais para o funcionamento do longa metragem (e de uma cadeia alimentar) são Leckie, o personagem de Guy Pearce, um leão que lidera, pacientemente, suas forças contra a matilha inimiga; Andrew, personagem de Ben Mendelsohn, o animal que controla a situação silenciosamente, na calada, e consegue tomar as rédeas da líder quando preciso; e Craig e Darren Cody, Sullivan Stapleton e Luke Ford, que interpretam, respectivamente, um animal inseguro e desconfiado, que não consegue se acalmar, e um animal que beira um ataque de nervos. Ambos se entregam a emoção e se mostram os mais despreparados, psicologicamente, do grupo. Para completar o bando, temos Jacki Weaver, excepcional na matriarca, que sabe reger com calma a segurança do bando, mas que também sabe atacar quando for necessário, e com uma força que só a mãe pode ter. O instinto materno de proteção fica evidente em sua personagem nos primeiros minutos de aparição, quando ela mostra calma defronte a um assassinato e uma relação quase incestuosa de tão protetora e feroz com os filhos.
Um prato cheio para a explicação de uma onde de crimes. Feito com atores frios e calculistas, com um roteiro entrelaçado para amarrar semelhanças e coincidências com as relações existentes entre os seres humanos e os bichos em seus instintos selvagens, e com uma direção ora fria e relaxada, ora cuidadosa e precisa, do estreiante David Michôd, Reino Animal é um daqueles filmes para se sair boquiaberto com tamanho cuidado na elaboração. E a regra do filme segue os mais básicos instintos, já que o filme inteiro é regido através destes. No reino animal, assim como na criminalidade, as coisas funcionam assim: um dia é da caça, mas o outro é do caçador.
NOTA: 9

8 comentários:

Adecio Moreira Jr. disse...

Filme maravilhoso!

Como você mesmo diz, é uma obra fria, mas o belo está justamente nesse aspecto indolor que vemos na tela. E Jacki Weaver era minha preferida como ganhadora do Oscar de Atriz Coadjuvante. Pena que não teve o lobby necessário.

Parabéns, pelo blog e obrigado pela visita no Poses. Te seguindo e assinando o feed!

^^

Cristiano Contreiras disse...

Interessante como esse filme, ainda que tenha certo ritmo meio devagar - na verdade, as coisas ocorrem sutilmente e no seu devido tempo - consegue emocionar sim, convencer e nos intrigar. É muito realista também, achei a direção segura acima de tudo. Weaver está bem, mas não achei uma atuação tão marcante assim, prefiro o desenvolvimento interpretativo do James Frecheville. Ele marcou.

abraço, belo texto!

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

Eu queria ver esse filme desde que um amigo me mostrou um trecho. Bom ler um texto que aborde bem as questões relacionadas.

Abraço, parceiro!

Rodrigo disse...

Logo chega nos cinemas e poderei ver. Seu texto é mais um positivo sobre ele. Abraços.

O Neto do Herculano disse...

Ótimo filme, deveria ser mais visto.

Isabel disse...

peguei na locadora e fiquei surpresa com esse filme australiano, tão forte e preciso atores desconhecidos para mim só o Guy Pearce, que eu conhecia,mas o tipo do filme para ver e rever.

Anônimo disse...

Adorei o filme, realmente impressionante...E tb adorei o elenco, um monte de homens bonitos e australianos...rsrs...que sotaque meu Deus...Ben Mendelsohn foi o meu preferido, que ator...Lindo, carismático e perfeito em sua atuação...Eu recomendo, boa diversão e ao mesmo tempo um certo choque ao ver uma família tão cruel e amoral...

Anônimo disse...

Que filme e' esse, fiquei com vontade de nem assistir ate o final mas nao consegui
Nao tem como nao se envolver na trama e ficar tao frio quanto os personagens
Muito cruel para quem nao vive nesse mundo do crime da uma sensacao que a vida e' um vazio enorme que nao existe beleza de viver fora da trama fiquei depre com esse filme nada como viver numa vida justa por mais dificudades que ela nos proporcione