Pages

8 de junho de 2011

Candy (2006)

Um filme de Neil Armfield com Heath Ledger, Abbie Cornish e Geoffrey Rush.

Parece que o consumo de drogas é um tema que não cansa, pois a cada dia são feitos filmes melhores e com uma abordagem ainda mais ampla sobre o assunto. Tivemos o alemão Eu, Christiane F. - 13 Anos, Drogada e Prostituída, que, por meio de uma fotografia escura e de cenas explícitas do uso de drogas, marcou uma geração. Anos mais tarde, surgiu o inglês Trainspotting, de David Boyle, que usando ironias e cenas que beiram a comédia das situações com o drama do vício, encantou um bom público. Já em 2000 o americano Darren Aronofsky criou sua obra Réquiem Para Um Sonho, que com um ritmo frenético e com cenas fortíssimas, ficou na mente de muitos e até indicou Ellen Burstyn para um Oscar. O australiano Candy seria um filme como todos se fosse, primeiramente, um filme sobre drogas.
Dan (Heath Ledger) é um jovem desempregado, que tenta ganhar a vida escrevendo poemas para revistas. Ele é o namorado de Candy (Abbie Cornish), uma jovem pintora cuja arte não é reconhecida. O amor entre eles é forte, mas além do sentimento há algo mais em comum: ambos são viciados em heroína. No início do vício e da paixão deles, eles vivem uma felicidade eterna, mas nenhum deles tem como sobreviver por muito tempo gastando tudo em drogas.
As drogas aqui são utilizadas meramente como um plano de fundo no verdadeiro assunto do filme: o relacionamento. Sim, é um filme sobre drogas, metaforicamente, mas é. Candy, traduzida do inglês doce, é viciante. É uma moça bonita, que fala bem, pinta e tem seu próprio método de vida. Quanto mais Candy toma lugar na vida de Dan, mas viciados eles se tornam. As cenas da piscina no começo ilustram isso de forma simples e clara. Enquanto antes Candy mergulhava na perdição e Dan apenas olhava o pecado nadando e tentando ele, logo eles se abraçam e mergulham nos sortilégios da vida. E não para por aí. O filme é dividido em três partes, sendo elas o paraíso, a terra e o inferno. A loucura, a prostituição, o compromisso, o desemprego e as drogas são encaradas dependendo do humor do relacionamento. Enquanto o simples pensamento de alguém ir se drogar pode levar a brigas terríveis quando ambos estão mal, quando Candy desmaia na banheira após injetar, seu ato é tratado com carinho e compreensão por um Dan amoroso. E todos os problemas são explorados de forma tão natural que até fica crível uma vida tão triste e melancólica quanto a de Dan e Candy.
Triste por tudo, porque se não fossem as drogas, a vida do casal seria um romance belíssimo. Os personagens têm seus fins à medida que o filme decide terminar o vício. Talvez a maior tristeza não seja ver duas pessoas, explicitamente, injetando heroína e entrando num estágio ilusório de uma felicidade que apenas existe nas drogas. A maior tristeza é ver que sem as drogas, Candy e Dan não são nada. Observar um relacionamento que apenas se mantém graças a um pouco de pó branco por dia é horrível. Não existe mais amor, existe um vício. E quando no lugar onde deveria haver paixão, há apenas sofrimento mascarado por algumas injeções, ver tudo isso crescendo aos poucos sem que os personagens se deem conta de nada faz o espectador afundar na cadeira diante dessa obra pessimista. Os personagens viram protagonistas aos poucos, e é doloroso tomar afeição por alguém e ver essa pessoa apenas regredir.
E o filme, assim como muitos, retrata o verdadeiro fim das drogas. Não há um remédio milagroso que vá acabar com o vício. Não há um guru espiritual que faça alguém atingir o nirvana. Há apenas esforço. Um esforço dilacerante que é tomado de recaídas cruéis. Injetar droga é péssimo. Mas se a abstinência é tão dolorosa quanto, não é melhor voltar às drogas e desfrutar de alguns momentos dessa felicidade instantânea? Como se vive com a ascese quando o corpo já se acostumou com o pecado? E assim terminamos Candy, com seu desfecho baseado na realidade. Candy consegue, numa clínica, largar sua dependência química. Dan consegue, por meio do afastamento, sobreviver e acabar com vício da paixão. No fim os pecados são absolvidos, e a única coisa que resta é o esquecimento natural. Os atores principais - Ledger e Cornish - trabalham perfeitamente, um sendo o contraponto do outro e cada um roubando a cena à seu modo. Geoffrey Rush mostra que é um bom ator e se segura como coadjuvante, por mais que consiga quebrar toda a atmosfera da cena com alguns mise en scène extravagantes. A direção é segura, a edição é ótima e o roteiro funciona muitíssimo bem. Ainda com uma fotografia clara em contraste com a obscuridade das cenas e com a trilha sonora rodeando a melancolia, a obra se fecha numa exposição de tristezas e desilusões.
Candy é um filme para ser visto. É um retrato fiel das drogas se misturando com a paixão. Um retrato da decadência dos personagens de Abbie Cornish e Heath Ledger - que comprovaram a beleza na morte sobre a vida. No fim, é impossível olhar a tela e não derramar uma lágrima, seja de incredulidade, decepção ou a mais pura tristeza. É um filme sobre drogas com uma abordagem mais diferente. Afinal não foram os personagens que ficaram viciados na droga, foi o relacionamento que acabou morrendo de overdose.
NOTA: 8

6 comentários:

Alan Raspante disse...

Abbie + Ledger + Filme sobre drogas + Relacionamento... O que mais posso querer de um filme? Preciso veeeer :D

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

Poxa, deu vontade mesmo de ver o filme. E concordo com tua opinião final, em se tratando de relacionamentos desse tipo.

ANTONIO NAHUD disse...

Realmente é um filme bem interessante, Gabriel.

Bacana o seu blog.
Abraços.

O Falcão Maltês

Adecio Moreira Jr. disse...

Eu lembro que fiquei impressionado com esse filme na época em que vi (no ano em que saiu em DVD). Fiquei dias digerindo esse filme e lembrando de inúmeras cenas. Para mim, isso é um indício de que o filme funciona no que se propõe. Aliás, preciso rever.

^^

Ezequiel Fernandes disse...

Graças ao telecine cult fiquei sabendo da existência desse filme. Muito bom. E mais uma vez parabéns pelo seu texto. Sua visão sobre os filmes são sempre novas. Abraço

renatocinema disse...

Adorei seu texto. Gosto de todas produções que você cita no começo do texto.

Candy incluo entre essas produções que você cita que retratam a questão da droga.

A atuação de Heath Ledger (o melhor Coringa do cinema) era o primeiro passo rumo ao sucesso que o esperava no filme do Homem Morcego.