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12 de junho de 2011

Eu Matei A Minha Mãe (2009)

Um filme de Xavier Dolan com Xavier Dolan e Anne Dorval.

Laços familiares já não são tratados como antes devido ao contante progresso, que acaba chacinando as fortes ligações sanguíneas e as reduzem para nada menos do que uma relação amistosa. É errado generalizar isso, já que o retrato de uma família unida ainda sobrevive na idade contemporânea, mas o quadro de relações conturbadas apenas cresce. Eu Matei Minha Mãe é esse quadro no particular, não numa esfera universal, e aborda o psicológico das personagens ao pouco. Porque tanta raiva? Porque tanto ódio? Qual o produto de uma reação tão explosiva?
Hubert Minel (Xavier Dolan) é um adolescente como muitos outros: vai a escola, tem um namorado e, particularmente, não consegue aguentar sua mãe. Ao mesmo tempo, Chantale Minel (Anne Dorval) é uma mãe como muitas outras: tem suas amigas, trabalha honestamente e não sabe o que fazer com o seu filho. Nessa relação baseada numa autobiografia do diretor, ambos não conseguem explorar de uma forma fácil e simples o que muitas outras família conseguem. As atitudes de Hubert para sua mãe parecem o estopim de uma anarquia, e os atos de Chantale para seu filho são completamente controladores, mas ambos não percebem o quanto jogam fora nesse ódio mútuo baseado na ilusão emocional.
No conflito interno entre ambos, não é o universo deles a única forma de liberar tamanha raiva. Os dois buscam uma fuga da própria realidade em mundos paralelos de famílias supostamente felizes. Chantale se esconde atrás de suas amigas para mascarar seu descontentamento com o filho rebelde. Hubert não mascara seus problemas para a sociedade, ele apenas se refugia na família do namorado Antoine (François Arnaud), cuja mãe é liberal o bastante para aceitar a homossexualidade do filme da forma mais casual o possível, o que o garoto problemático não encontra no ambiente familiar. O homossexualismo enrustido acaba sendo mais um dos vários motivos que levaram ao estopim dessa eclosão sentimental onde o laço familiar acabou virando o ódio da convivência, da inveja e da maturidade. A cada cena, Xavier Dolan coloca uma foto de sua infância para comparar o nível de atenção e de carinho de sua mãe para com a situação atual. E não é só isso. O cenário fala por si próprio, a destoação entre dois personagens tão diferentes é colocada em roupas, cores e gestualizações. E ambos, Dolan e Dorval, se esforçam e criam o péssimo ambiente do filme com maestria.
O filme é uma faca de dois gumes, com dois protagonistas distintos, e, ao mesmo tempo, semelhantes. Como não gostar de um se este está irreversivelmente ligado ao outro? De um lado temos o adolescente Hubert Minel, que sofre com uma coisa completamente normal: o crescimento em sua idade. Numa época de hormônios e sentimentos aflorados, revelar o que ele sente é, ironicamente, difícil. Ser criado numa sociedade que transborda a crítica e o preconceito leva à autonegação, à introspecção. E essa fuga o leva ao rancor da mãe, um rancor que surge por sua própria culpa: por não poder mais confiar nela pelo simples motivo dela parecer não se importar com tudo o que ele passa. Mas não tomar a iniciativa é um problema dele, não? Exatamente, mas explicar isso a um adolescente saindo da puberdade é impossível se ele não conseguir equilibrar seu lado racional com seus sentimentos. Hubert acaba se fechando na sua ideia da razão e seu egocentrismo tenta dominar e controlar a mente dos outros a sua volta. Mas, o que ele mostra para o mundo é diferente do que ele realmente guarda e revela a si mesmo. Ele é apenas um menino confuso, que precisa da atenção de uma figura compreensiva, mas que na falta dessa faz vídeos autoexplicativos no banheiro explorando a razão que manifesta ao mundo pela raiva.
O outro lado é da mãe. Chantale é uma mulher cansada, cansada de seu trabalho, cansada de ser chamada para reuniões, cansada de ter de tomar conta de tudo devido à irresponsabilidade do filho. Afinal, o garoto já tem independência o bastante para sobreviver no mundo. O que ela não percebe em toda a sua rotina diária é que o filho não tem o material necessário para sobreviver na própria mente, que acaba por degradá-lo aos poucos. O peso que Anne Dorval coloca aqui é fundamental e instiga o espectador a ver o lado da mãe, essa mulher que ama o suficiente para cobrir um planeta mas não demonstra. O excesso de amor parece ser desnecessário e enfadonho, mas a falta dele se torna o principal problema para as faíscas surgirem. Como lidar com isso? A loucura chega fácil para essa família. Mãe acaba tendo problemas em qualquer ambiente que vá, tudo gerado por não saber lidar com o próprio filho. Filho acaba devaneando e esquecendo sua realidade. Em cenas separadas, com câmera lenta e trilha sonora mais marcante - o que Dolan também fez em seu Amores Imaginários - ele demonstra o ódio da mãe em tomadas com vitrines se estilhaçando ou no ato de desarrumar todo o quarto dela. Por uma curiosidade, a cena que contradiz toda essa lentidão do rancor é quando ele e o namorado acabam transando enquanto pintam o escritório da mãe de Antoine, numa rapidez em cena, música mais alegre e ambos claramente regozijados.
Eu Matei Minha Mãe é um filme subjetivo que possui uma característica forte pelo seu tema principal, a abordagem psicológica de um ódio bipolar por alguém cujo amor deveria ser latente. Porém, nada se mostra tão inovador como comentado. Os personagens acabam se tornando tão odiosos à medida em que o rancor cresce que não fica mais crível a verdadeira relação entre ambos ou a construção dos caracteres dos personagens. O ódio surge como resultado não de um orgulho ferido ou de mágoas passadas, apenas de um excesso de amor que acabou se endurecendo com o passar do tempo e esqueceu de seu manifesto. A amargura então surge para lembrar ao coração que ainda há pessoa ali que devem e precisam ser amadas.
NOTA: 8

7 comentários:

cleber eldridge disse...

O cinema desse garoto realmente me interessa, vou procurar.

Rodrigo disse...

Já me indicaram tantas vezes, e ainda não sei o que me falta para conferir. O diretor realmente parece um achado dos últimos anos. Seus dois filmes foram muito bem recebidos. Abraços.

Cristiano Contreiras disse...

Gosto muito desse, apesar de preferir o seu segundo filme, "Amores Imaginários". Noto em Dolan uma necessidade de mostrar a realidade juvenil - com seus anseios, lamentos, brigas, vozes sexuais e problemas nas questões da afetividade. Dolan é um gênio do nosso tempo, tem talento demais, é visionário, seus roteiros são cuidadosos e me causa espanto, ele é tão novo e já sabe delinear a humanidade - e os gays também - de maneira tangível...

Esse filme é muito bom mesmo, a maneira como o jovem tem dificuldade de dialogar com a mãe e vice-versa. É ódio e amor, tudo ao mesmo tempo, bem o nosso mundo de hoje.

Belo texto seu, como sempre, analisa bem o senso psicológico.

Abraço!

Alan Raspante disse...

Preciso ver urgentemente. Fico cada vez mais ansioso quando leio algo sobre o filme...

renatocinema disse...

Meu amigo Cristiano Contreiras tinha me falado desse filme, que infelizmente ainda não assisti.

Sobre Elefante.......assista esse final de semana. URGENTE.

Adecio Moreira Jr. disse...

Xavier Dolan é foda, convenhamos. Vi apenas "Amores Imaginários" (meu texto sobre está pronto há décadas e até agora não publiquei), mas tenho certeza que este filme não é menos ruim do que "Amores". Tô pra ver.

^^

Kamila disse...

Não assisti a nenhum filme do Xavier Dolan ainda e esse teu texto tá bem interessante. Fiquei curiosa em relação à obra.