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4 de junho de 2011

Um Novo Despertar (2011)

Um filme de Jodie Foster com Mel Gibson, Jodie Foster e Jennifer Lawrence.

Às vezes parece que seria bem melhor se o ser humano não tivesse evoluído. Com toda essa globalização resultante do crescimento incontrolável do capitalismo e da tecnologia, os problemas recrudescem. Há muito o homem sofre com a desigualdade dividida em pólos no mundo e com os efeitos negativos que essa evolução cria na natureza. O conhecimento é ótimo, mas ao mesmo tempo é terrível. E para piorar, há o auto-conhecimento. O antropocentrismo presente nas maiores vertentes desde o início do século XX tem levado o homem a procurar saber mais sobre si mesmo - o que acaba resultando nas mais diversas patologias. Conhecer-se é um risco e quando há uma epifania na vida, que acaba mostrando o quanto o tempo "aproveitado" foi desprezível, o homem acaba ficando louco.
Walter Black (Mel Gibson) é um homem depressivo. Ele vive com sua esposa Meredith (Jodie Foster), que o evita o máximo possível depois de um casamento arruinado; e com seus dois filhos. O filho mais novo, Henry Black (Riley Thomas Stewart), depois de tanto tempo de convivência com o pai, se torna introspectivo e extremamente melancólico. O filho mais velho, Porter Black (Anton Yelchin), anota todos as manias do pai para não se assemelhar a ele em nada. Quando Walter saí de casa, ele tenta se suicidar. Porém, antes que esse desejo se concretize, um fantoche de castor (Mel Gibson) começa a falar com Walter e tenta retomar as rédeas de sua vida.
Depois de tantas polêmicas na vida de Mel Gibson que envolvem o racismo, alcoolismo, homofobia, machismo, surtos e antissemitismo, a carreira dele não é mais o que era no seu auge. Enquanto sua carreira há duas décadas atrás deu sua principal guinada, com os Oscar de seu filme Coração Valente, na última década ela parou. Sendo alvo de vários preconceitos da crítica e se tornando até uma persona non grata, o que retirou sua participação em filmes como o recente Se Beber Não Case II, parece que Jodie Foster decidiu ajudá-lo. Pois bem, Um Novo Despertar não seria nada sem Mel Gibson, assim como dificilmente alguém mais teria simpatia por Gibson sem Um Novo Despertar. É uma reciprocidade muito bem feita. Pra quem acha que um ator odiado com um fantoche na mão em todas as cenas renderia uma comédia, está enganado. Rendeu a melhor atuação de Mel Gibson nos últimos anos. E o elenco ainda se mistura a esse talento. Anton Yelchin, Riley Thomas Stewart e Jennifer Lawrence se enquadram ao esperado do elenco, e ainda temos Jodie Foster que rende bons momentos.
O principal personagem também é o principal problema do filme. O Castor é a praga principal. Há um paradoxo forte na tela. Ninguém gostaria de estar na pele de Walter, um depressivo que não acha mais graça na vida, que não consegue mais agradar a família. Mas será que, mesmo para uma pessoa que desistiu de viver, a solução é perder a liberdade e ficar na custódia de outro ser? São dois extremos que juntos renderam um personagem bem polêmico e bem feito. A depressão é um problema sério, que no filme é resolvido por tudo que Walter tinha esquecido de fazer. Ele não mantinha sua relação familiar forte, ele não ajudava em casa, ele não satisfazia a mulher, ele não dava conta de ser o presidente de uma empresa de brinquedos. Viver o que o inconsciente prega parece ser uma boa solução, mas como desfrutar uma vida quando ela é um cárcere? Se não fosse triste, viraria uma comédia. Mas é um filme sério. Walter gostaria de se ajudar, mas não consegue mais. Aí sua mente faz um motim e converte isso para a loucura, que é acreditar em um boneco falante para dar conselhos. O jogo é invertido. O Castor é uma personalidade muito mais forte do que o próprio Walter, o que faz o humano se transformar na marionete do brinquedo.
Enquanto a depressão é mostrada em sua forma real na terrível relação de escravidão entre o Castor e Walter, o filme começa a desandar. Meredith começa a se tornar mais cansada com um prisioneiro aparentemente feliz e seguro do que com o próprio marido depressivo. Porter não consegue mais segurar sua segurança recém conquistada e acaba arruinando seu relacionamento com Norah. Henry é o único que aprova essa transformação, mas ele não tem mais um pai, ele tem um amigo castor. E é aí, na maior fragilidade dos personagens, que o roteiro se torna decepcionante. Kyle Killen, ao invés de mostrar o drama real do teor depressivo que assombra a contemporaneidade em nossa sociedade, cria um reviravolta e uma cura milagrosa para os devaneios psicológicos do protagonista. Enquanto vemos uma pessoa feliz dominar uma pessoa triste, vemos o clichê dominar toda a obra de Jodie Foster, que se bem trabalhada poderia render mais reconhecimento. A trilha sonora de Marcelo Zarvos e a fotografia de tons claros recheiam a atmosfera do filme.
Um filme com uma direção muito boa de Jodie Foster, uma atuação maravilhosa do escandaloso Mel Gibson e personagens bem trabalhados num roteiro que desandou. No fim, Um Novo Despertar se torna um filme sobre a depressão, mas um para ser esquecido devido ao rumo que tomou. Não espere uma conclusão fantástica, que irá retratar de uma forma mais psicológica o ser humano. Espere por pieguice. Freud ficaria decepcionado. Porém, no meio de tantos déjà-vu da Sessão da Tarde, algo aparece ali para mostrar para o que o filme veio. Não é a melhora repentina causada por um episódio chocante, ou a emoção trazida pelo diálogo retomado entre pai e filho. É o que vem da parte mais clichê, do diálogo mais clichê - Jennifer Lawrence falando sobre a depressão. E, no meio de tantos erros, numa coisa ela está certa: você não precisa enfrentar tudo isso sozinho.
NOTA: 7

5 comentários:

renatocinema disse...

Vou assinar embaixo do que você falou: "Às vezes parece que seria bem melhor se o ser humano não tivesse evoluído."

Sobre seu texto também concordo na questão Mel Gibson está longe de seu apogeu, foi jogado ao limbo depois de tanta polêmica e pelo que dizem, ainda não assisti, Jodie Foster, tentar levantar a carreira do eterno Mad Max nessa nova produção.

Agentei para a próxima semana assistir no cinema, afinal, hoje tive que ir ver X-Men.


Seus textos melhoram a cada dia, dando a nós leitores uma visão unica sobre a obra que você comenta.

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

Rapaz, esse final de semana estava num dilema, frente aos cartazes do Shopping Bourbon: o que eu vejo? Considerei esse filme, mas uma velha paixão de infância (X-Men) falou mais forte. Mas depois do teu texto que conferir por algumas questões que muito me interessam. Venho observado tuas últimas produções e gotado bastante. Queria saber como você está de tempo para escrever. Queria te convidar para o especial desse mês aqui no Cinebulição, que é sobre "Queer Cinema". É um especial meio "Coluna", porque com certeza vai durar além de junho. Se estiver interessado, me dá um toque por e-mail (lulgo1@hotmail.com), daí a gente acerta.

Não tem como não te convidar depois dos teus últimos textos...

Ezequiel Fernandes disse...

Não estava interessado em ver esse filme, mas seu texto cutucou minha curiosidade. Vou conferir. Parabéns ae. Abraços

Adecio Moreira Jr. disse...

Estou MUITO curioso pra ver esse filme. Será o renascer das cinzas de Mel Gibson?

^^

Jacques disse...

Realmente, como ser humano Mel Gibson é um fiasco.
E filmes dirigidos por ele (como Apocalipto) denunciam sua visão sanguinária do mundo.
Espero que ele consiga passar uma mensagem positiva neste filme.
E quanto ao ser humano ter evoluído, isso é altamente discutível, já que ele apenas se adaptou ao ambiente em que vive.
Valeu.