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20 de abril de 2011

Gilbert Grape - Aprendiz de Sonhador (1993)

 
Um filme de Lasse Hallström com Johnny Depp, Juliette Lewis e Leonardo DiCaprio.

O comodismo é algo bastante perigoso. Alguém, por se acostumar a viver por muito tempo numa situação, acaba parando de vez a vida numa rotina alienada, sem tempo para se pensar na própria vida. Assim se vira um acostumado altruísta, que pouco pensa em si mesmo, que nada muda em si mesmo, que, por mais que veja a situação ruim, ainda vive com ela se consegue fazer algumas coisas para se aguentar. O perigo aí é que, com qualquer sopro de vida próximo dessa "morte", com qualquer sinal de mudança vindo, a rotina e o costume se tornam insuportáveis.
Gilbert Grape - Aprendiz de Sonhador é o filme de um jovem tão consumido com o que decidem para a vida dele que não tem tempo de pensar se é o que realmente quer fazer. Gilbert Grape (Johnny Depp) vive em Endora, uma cidade pequena e tediosa, e trabalha numa mercearia. Após o suicídio do pai, ele se vê como a figura central da família. Ele que sustenta a casa, ele controla as irmãs e ele tem de cuidar da mãe obesa (Darlene Cates), que come compulsivamente desde a morte do marido, e do irmão Arnie (Leonardo DiCaprio), que é deficiente mental. Ele vive nessa rotina em sua cidade, sem nenhuma novidade surgindo. Até que Becky (Juliette Lewis), uma forasteira que viaja pelos Estados Unidos com sua avó, chega na cidade de Endora e começa a fazer as decisões de Gilbert surgirem e modificarem sua vida.
O maior trunfo do filme é seus personagens e a defesa deles por atores bastante competentes. Juliette Lewis faz um bom papel aqui, seu personagem aparece sempre na tela como um constraste de Gilbert Grape. Enquanto ele representa a prisão em determinada situação, ela é a liberdade. O personagem de Juliette, nesse caso, me lembrou bastante outra Juliette, só que nesse caso a Binoche no filme Chocolate de 2003, que também tem Johnny Depp no elenco e Lasse Hallström na direção. Johnny Depp já está um nível acima de Juliette Lewis, tem uma atuação competente e a defesa de seu personagem é totalmente baseada em sua vida comum e possui motivações críveis o bastante para fazer o filme funcionar. Não vejo um protagonista que se encaixaria melhor. Porém, por mais que Gilbert Grape tenha o foco principal das câmeras e que ele até exale um certo carisma em sua timidez, o verdadeiro astro do filme é Leonardo DiCaprio. Irreconhecível, na sua pele de deficiente, e no auge de seus 19 anos, ele dá um show de atuação que não se acha novamente nos filmes seguintes de sua carreira.
Aqui, o roteiro consegue deixar a desejar bastante. Ele traz boas ideias, que podem ser facilmente identificadas com o dia a dia de qualquer um, seguindo uma rotina traçada e planejada. Aliás, quem nunca sentiu a vida predestinada que atire a primeira pedra. Não se pode se acostumar numa situação por muito tempo. Gilbert cresceu numa situação e vive na mesma. Ele vive na mesma casa, sem nunca se mudar. Ele vive na mesma cidade, sem nunca ter ido a outro lugar. Ele não compra em outros lugares que não a sua mercearia. Ele vive a vida dos outros, nunca a sua. Um exemplo disso é que a função dele é cuidar do irmão incapacitado. E nessa tarefa, ele não pode se distrair nem por um instante. As primeiras cenas do filme são primordiais para esse entendimento. Se Gilbert se distrai por pouco mais de 3 minutos, Arnie sobe numa caixa d'água, e a responsabilidade e a vergonha caem para o irmão mais velho, a fonte de sustento para a família. Com o suicídio do pai, sua vida se torna quase irreversível, já que os tempos vagos que ele tinha com o irmão sobraram para ele trabalhar e sustentar a fome da mãe.
A mudança causada pela chegada de Becky se dá de forma fantástica visual e metaforicamente no filme. O filme é um conto real de como a mudança é necessária para fazer a vida seguir em frente e não ficar parada dando voltas infinitas. Tudo é movido por alguma mudança, um marceneiro só trabalha se achar o que se conserte, um vendedor de caixões só trabalha se achar alguém que morra. E quando a vida é parada demais para qualquer mudança acontecer, ela é uma morte. Como um cartaz de Gilbert Grape ainda diz, é uma coisa horrível ficar dormindo a vida inteira. Se você não vive, você acaba num ciclo, seja de vaidade, seja de preguiça, seja de comodismo. Todos precisam de uma Becky como exemplo, uma Becky para ser um sopro de vida e alegria, uma Becky para servir de exemplo de livre arbítrio, uma Becky para os relacionamentos afetivos se tornarem mais concisos, uma Becky para o tédio passar. Por mais que as melhores atuações não venham de Juliette Lewis, é uma graça vê-la na tela, seguida de uma fotografia belíssima por campos desertos e iluminada pôres do sol estonteantes.
Aproveite a vida. A Sociedade Dos Poetas Mortos já dizia isso nos ensinamentos não ortodoxos de Robbie Williams. Gilbert Grape vem para reforçar a ideia e deixá-la mais sólida. Ela é preciosa demais para deixarmos passar e vivermos na mesmice. Então aproveitemos oportunidades, fujamos da rotina, saibamos como não desperdiçá-la até o último momento. Cada momento é valioso e cada mudança é necessária. Não há como se viver por muito tempo se você recicla uma vida que já está desgastada. A obra otimista de Hallström é necessária para uma ideia que nunca é velha demais para o mundo atual. E, por mais que o tema já esteja caindo no clichê, ainda é bom ver uma atuação perfeita de um Leonardo DiCaprio novo e impecável.
NOTA: 8

5 comentários:

Cristiano Contreiras disse...

Acho esse filme um marco. Lindo, sensível e ainda assim transformador. É humanístico. E seu excelente texto reforça e sintetiza a lição que o filme tende a passar pra nós. Sim, a personagem Becky simboliza mesmo essa liberdade, essa fuga e essa nova "vida"/alternativa pra Gilbert. Chega a dar pena a maneira como ele é submisso aos outros...

E, convenhamos, DiCaprio MERECIA o Oscar aqui neste filme - vai entender como a Academia priorizou e deu o prêmio ao seu fraco concorrente, o sem sal Tommy Lee Jones por "O Fugitivo".

Sem dúvida, acho o filme um espetáculo de atuações e sensibilidade. Depp perfeito ao lado de uma convincente e, até então, bela Lewis.

Pra mim, este filme vale nota 10.

Abraço

Alan Raspante disse...

Fiquei curioso para conferir a atuação de DiCaprio, pelo visto é boa mesma!

Rodrigo disse...

Sempre tive vontade de ver, principalmente pelo grande elenco. Sua confirmação da qualidade da obra apenas me deixa mais intrigado e bravo comigo mesmo. Abraços.

Angélica campos disse...

Adoro suas críticas. Você é um excelente escritor. Adoraria saber seu sobrenome para poder usar suas citações.

Larissa disse...

Lindo filme. Me emocionei ao assisti - lo! Atuação perfeita de Leonardo Di Caprio. Realmente merecia o Óscar!