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22 de abril de 2011

Amores Imaginários (2010)

Um filme de Xavier Dolan com Xavier Dolan, Monia Chokri e Niels Schneider.

A idealização é perigosa num relacionamento. Ela controla a mente de quem ama quando o assunto é a paixão que se sofre. Graças a ela, o apaixonado sente-se um alvo o tempo inteiro quando, na verdade, o alvo é quem está sendo idealizado. É um jogo de torturas, se você não tortura o outro com suas atitudes, as atitudes do outro te torturam por mais que elas sejam completamente simplistas e não tenham esse objetivo. E nessa rede cruel que prende duas pessoas no sentimento, a única coisa que se pode fazer é manobrar e ter cuidado para o coração não fincar tão fundo no corpo, pois quando uma idealização se quebra, pode ser cruel o bastante para os valores existenciais se destruirem. Xavier Dolan explora a vulnerabilidade de um relacionamento amistoso, mas que torce em seu âmago para se tornar algo mais intimista.
Francis (Xavier Dolan) e Marie (Monia Chokri) são grandes amigos que vivem em Montreal, no Canadá. Porém, no momento em que ambos conhecem Nicolas (Niels Schneider), a relação dos dois entra em choque graças a paixão que eles nutrem pelo novo integrante do grupo. Através de encontros, Nicolas começa a conhecer melhor Marie e Francis e cria laços de amizade, enquanto Marie e Francis nutrem a cada segundo uma forte paixão por Nicolas, que se torna uma obsessão idealizada para ambos, e corroem os laços já existentes entre eles.
Enquanto a paixões obsessivas dos três protagonistas vão se completando do início ao fim na tela, temos um relato de situações em nossa frente que nos identificam com nossos próprios relacionamentos e nossas próprias fantasias. Certa menina diz que, quando recebe um e-mail, no microssegundo entre clicar em "abrir" e nos decepcionarmos com uma propaganda da Amazon.com, milhares de coisas se passam pela cabeça e todas resultam na idealização da paixão. Outra garota fala que quem colocamos no pedestal sempre está certa, por mais irritados que estejamos com ela. As alucinações de apaixonados são deliciosas e cruéis ao mesmo tempo. Porque tantas pessoas buscam um sentimento que alimenta o fogo de dezenas e destrói a alegria de milhares? A única coisa que o homem conhece é a importância de amar e ser amado. Ao mesmo tempo em que temos em nossa frente o retrato de uma mente que prefere fantasiar a ver a realidade, a estética do longa é apaixonante. Vários planos que remetem às técnicas que Xavier Dolan usou em sua primeira experiência como diretor adquirem outro tom. Aqui, tudo é destrinchado minuciosamente: um beijo, um toque, um olhar. Tudo em fotografias coloridas e intensas, num figurino vintage, numa atmosfera indie, em planos de câmera lenta e nas visões idealizadas e subentendidas de cada personagem nos transmite a paixão e a dor de cada um.
Xavier cria aqui a marca de um tempo romântico de paixões e sofrimentos imaginários. Uma paixão real perdura, um sofrimento real perdura. E todos tem que buscar um pouco de realidade em cena para poderem viver da imaginação proporcionada pelo sentimentalismo. Tanto Francis quanto Marie são mostrados em relações sexuais casuais, insatisfeitos por não estarem com quem o corpo deseja. Mas ainda assim consomem o desejo carnal, pois não querem fazer um jejum por algo que não se concretiza. O fraco do jovem atual são os dramas apaixonantes. Eles inventam uma história de amor na cabeça e, com ela, dão duplo sentido à realidade. Eles não escapam dela, mas também não a enfrentam racionalmente. Vemos isso principalmente na transformação de Francis e Marie e na busca da atenção de Nicolas. Quando vemos, em nossa frente, uma moça ordinária com um visual único como Marie se tornar Audrey Hepburn em estilo e visual apenas para a realização de um fetiche que pode ou não dar certo, é que percebemos a paixão sem limites. Só precisa-se lembrar que o sentimento é forte, mas o tempo para ele ser consumido é curto.
Aqui, o desejo vira paranóia. Uma relação imaginária só pode existir se outra real for jogada fora, já que para os dois amigos não é possível amar competindo com a pessoa em quem você confia. Assim se forma um triângulo amoroso comum e triste. A primeira ponta possui uma Monia Chokri real que faz atos infantis o tempo inteiro, difama um amigo e se submete ao ridículo para apenas sentir a sensação de ser desejada o mesmo tanto que ela deseja. A outra ponta possui um delicioso Xavier Dolan que, em meio a atos patéticos e humilhantes no seu mar de paixão, ele busca uma cara metade para completar sua carência homoafetiva. A ponta principal desse triângulo é completada por um competente Niels Schneider que, no ponto de vista dos dois amigos, humilha e destrói os sentimentos alheios quando, na verdade, apenas busca um espaço menor do que o amor. E todo esse drama amoroso é completo por uma deliciosa trilha sonora que caracteriza cada momento apaixonante das ações e consequências dos jovens. The Knife, Fever Ray, Comet Gain e Dalida são os responsáveis por misturarem a música e fazerem dela o plano de fundo dessa melancólica história de um não-amor.
O ser-humano é uma compilação nítida de dores, rancores e desejos. Através de nossa experiência, vamos acumulando um peso que só nos acompanha pela vida, resultado de nossas paixões. Podemos superá-los, mas sempre compararemos e, provavelmente, o que mais dói é o que nunca se esquece. O que Dolan traz aqui nessa sua segunda aventura como diretor, roteirista e ator ao mesmo tempo - primeiramente no premiado Eu Matei Minha Mãe - é um relato de uma geração de amores que deixam sequelas por um tempo, mas são tão efêmeros que ainda não dá tempo de sentí-las. A coisa mais interessante é ver o retrato da natureza amorosa da minha época na tela, uma época de inseguranças baseadas em idealizações, uma época em que se sofre por paixões, mas não se deixa de se apaixonar.
NOTA: 10

9 comentários:

Cristiano Contreiras disse...

Grande filme, tão sensível e realista, muito poético. Xavier Dolan explora muito bem os caminhos tortuosos e a idealização em cima de alguém que é objeto de tesão e amor.

Tão difícil, hoje, ter o retorno, o feedback, amar e ser retribuido, né? E o filme explora bem isso...

Gosto muito das atuações, direção eficiente mesmo, mas o visual e a fotografia são impactantes!

Nota 10 mesmo, perfeitinho!
Pequena obra-prima!

Ótimo demais seu texto, talvez o melhor que já li aqui...

abs

Alan Raspante disse...

Então, preciso mais uma vez dizer que quero ver?! hahaha

Ótimo texto Gabriel, me deixou mais curioso em relação a obra!

renatocinema disse...

Belo texto......não conhecia o filme.......falha imperdoável.

Abraços e continue nessa linhagem de texto.

abraços

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

Eu sou apaixonado pelo Dolan desde que vi seu primeiro filme. Muito bom ler algo muito bom sobre "Amores Imaginários". Acho que nos tocou por essa proximidade de gerações... Ah!

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Kamila disse...

Excelente texto para um filme que parece ser muito interessante.

Rodrigo disse...

Nossa, que texto fantástico. E olha que apreciaria muito mais se tivesse realmente visto o filme. Abraços.

Guilherme Primo disse...

Oi! Obrigado pelo comentário lá no blog, se tu quiser, posso colocar teu link na minha barra lateral e tu faz o mesmo por mim... é só avisar, abraço!

renatocinema disse...

Irreversível....sinceramente: odeio. Mas, gosto é gosto. kkk. Tenho um amigo que adora.

Sobre Acusados é um ótimo filme. Sem dúvida, uma boa opção cinematográfica sobre o tema.

Abraços

Viy disse...

Em todo lugar que vejo comentário desse COntreiras é dizendo "o melhor que já li aqui", acredite quem quiser acreditar. Quanto ao filme, entendo a intenção do critico quando vejo o poster que ele escolheu para ilustrar a postagem, esse, por ter tres cartazes, torna ainda mais facil meu trabalho.