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19 de junho de 2011

Meia-Noite Em Paris (2011)

Um filme de Woody Allen com Owen Wilson, Marion Cotillard e Rachel McAdams.

É inegável que a capital francesa é um lugar acolhedor para a arte. Filósofos, pintores, escultores, escritores, cineastas, vários artistas fizeram e ainda fazem história na cidade. Paris há muito já entrou nessa atmosfera artística e deixou de ser uma cidade, virou uma obra de arte romântica. E é dentro de tanto romantismo e tanta história artística, cada época com seus movimentos e com suas próprias características, que Woody Allen foi buscar um refúgio para seu novo filme. E é dentro dessa concepção nostálgica de Paris que Allen revive e recria sua história com base em grandes nomes da arte. Meia-Noite em Paris é o retrato saudosista de uma realidade que não foi vivida pelo presente, mas é muito idolatrada por esse.
Gil (Owen Wilson) é um diretor hollywoodiano que, cansado de sua carreira, tenta escrever um romance. Ele acompanha a família de sua noive Inez (Rachel McAdams) para a incrível cidade de Paris. Na cidade-luz, enquanto ele tenta tomar inspiração para escrever seu livro, Inez sai para se divertir com Paul (Michael Sheen). Para Gil sair dessa atmosfera de banalização do patrimônio artístico que virou Paris, ele começa a andar sozinho à noite. E nessas caminhadas noturnas, ele acaba descobrindo uma cidade que ele julgava morta, mas que ainda vive depois da meia-noite.
Primeiramente, há o descontentamento da própria época, que fica latente no filme. Enquanto as primeiras cenas são o cotidiano de Paris, mostrando carros passeando pelas ruas parisienses, a Torre Eiffel, a Champs-Élysées e outros pontos turísticos famosos, a primeira fala é de Gil, afirmando que a beleza da cidade aflora quando chove. Gil é um infeliz otimista. Sua própria noiva não o acha interessante e não o apóia em sua ideias. Seus sogros não gostam dele. Ele já não faz mais filmes como antes. E seu maior sonho, maior até que morar em Paris, é morar em Paris dos anos 20. Imagine, por um instante, estar na eclosão do cubismo, do surrealismo, do expressionismo, do fauvismo? Imagine viver uma vida boêmia, vendo Pablo Picasso pintando suas obras, lendo as obras de Ernest Hemingway, ouvindo as composições de Cole Porter, vendo as novidades de Luis Buñuel, comprando quadros de Henri Matisse. E Gil sonha em viver aí, para poder levar seu livro a Gertrude Stein e sair a noite com Zelda e Scott Fitzgerald. A época dele não é 2010, porque ele não pode nascer e viver numa era onde o povo respirava arte, bebida e criatividade nas ruas, onde a vida é uma festa interminável.
Quando Gil finalmente consegue vivenciar sua ilusão da vida perfeita, maravilhado com cada nuance da Paris antiga, o escritor descobre que é infeliz. Que sua vida na verdade é apenas um retrato do que gostaria de vivenciar em sua maravilhosa Época de Ouro. E é nesses anos 20 que ele acaba encontrando um verdadeiro amor, numa época em que ele realmente se encaixa. Adriana, interpretada por Marion Cotillard, aparece na tela como a amante de Modigliani, Braque e Picasso. Mas o amor dela apenas se encontra na figura de Gil. O que fazer quando o coração bate por duas pessoas diferentes? Por mais que o amor ainda esteja lá em ambos os casos, a paixão vira indecisão. O problema é que o saudosismo não é apenas uma graça concedida à geração contemporânea. Por mais que os parisienses sonhem em viver nos anos 20, conversando com Salvador Dalí e Hemingway, os parisienses dos anos 20 também sonhavam em sua Época de Ouro, onde eles poderiam ouvir Toulouse-Lautrec no Moulin Rouge. Um diálogo entre Gil, Adriana e Paul Gauguin nos anos 1890 mostra isso com clareza. Ninguém está satisfeito com a própria época, talvez porque ninguém esteja satisfeito com a própria vida.
Enquanto o público observa essa história ganhar vida nessa proeza mágica de Paris, Woody Allen transforma tudo isso quase num autorretrato, com características de muitos de seus filmes. Aqui ele faz com Paris o que fez com Barcelona em Vicky Cristina Barcelona. A paixão de Gil mostrada entre duas mulheres, um triângulo amoroso, é semelhante à Match Point. A forma com que o protagonista adentra no seu mundo preferível remete ao clássico A Rosa Púrpura do Cairo. E o personagem de Owen Wilson, que nesse filme tem um bom desempenho, se assemelha muito com o próprio Allen. A belíssima fotografia engrandece a cidade maravilhosa retratada na tela. E esse romance inesperado entre diferentes épocas ainda pode render bons risos. Ver Picasso pintando uma de suas obras numa noite e no dia seguinte vê-la exposta num museu, 90 anos depois, é algo único. E quando Gil dá uma ideia a Buñuel sobre o filme O Anjo Exterminador, cujo roteiro o diretor ainda nem tinha pensado, a descontração fica óbvia. O maravilhoso elenco, que conta, além de Wilson, Cotillard e McAdams, com Kathy Bates, Adrien Brody, Corey Stoll, Léa Seydoux e até com a primeira-dama francesa, Carla Bruni, está em harmonia. Cada qual com seus altos e baixos, mas ele segura a sessão agradavelmente.
Carlos Drummond já dizia que não seria o poeta de um mundo caduco. A sociedade vive uma vida insatisfeita, querendo colocar suas esperanças num futuro incerto ou derramar suas mágoas pelo que não aconteceu. Demos chance ao presente!, é o grito que Meia-Noite em Paris lança nas salas em que é exibido. Woody Allen foi feliz em sua proposta, pois divertiu um público com uma magia que apenas ele poderia criar e recriar novamente. Seu eco fica forte com os personagens, numa atmosfera descontraída, recria a história da arte numa cidade completamente artística. Hemingway já dizia: Paris é uma festa.
NOTA: 9

8 comentários:

renatocinema disse...

Vou ter que dar a mão a palmatória: apesar de não ser fã de Woody Allen (adoro apenas seu filme A Rosa Púrpura do Cairo) esse filme tem sido muito elogiado.

Até o comum Owen Wilson tem recebido aplausos.

Assino embaixo quando fala do charme da Paris para a arte.

Nota 10.

Cristiano Contreiras disse...

Todo mundo elogiando MESMO. Fato inconstetável. E seu ótimo texto, rico e analítico, mostra o quanto essa película é expressiva. Mais um belo trabalho de Allen, né? Até, pelo visto, o Owen Wilson convence e surpreende, é...eu preciso conferir e logo!

Abração!

Adecio Moreira Jr. disse...

Eu sou suspeito demais pra falar de Woody Allen, muitos sabem disso. Estou ansioso pra ver esse novo dele, mas acho difícil que me decepcione. Se eu já gosto dos filmes dele que todos acham ruins, imagina como vou gostar desse, que só está recebendo elogios.

Alan Raspante disse...

Pelo visto,é o melhor desta nova safra de Woody Allen. Estou ficando cada vez mais ansioso para conferir...

Anônimo disse...

Bela análise, Gabriel. Allen fez a obra-prima de suas últimas décadas e ela conquista o coração de todo mundo!
Abraços!

ANTONIO NAHUD disse...

Tenho dúvidas em relação a Owen Wilson... Mas vou assistir só pra ver Marion Cotillard.

O Falcão Maltês

Emmanuela disse...

Eu vi este espetáculo há poucos dias. Extremamente encantador, saí do cinema sentindo-me maravilhosamente bem. Concordo com sua afirmação a respeito do ator Owen Wilson. Seus movimentos em ação são realmente bastante semelhantes aos do diretor.

FABIANA disse...

Sim! A grande sacada é aprender a viver o presente, ficar livre das ilusões, das negações. A vida não é completa. Aí o escapismo, o saudosismo, a ilusão pelo não vivido. Também adorei o filme! Sou super fã do Woody Allen. Ele sempre consegue inovar os temas de sempre: as incertezas e as dúvidas do existir. Amei!
Aliás, muito legal o que você escreveu.