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26 de junho de 2011

Match Point (2005)

Um filme de Woody Allen com Jonathan Rhys Meyers, Scarlett Johansson e Emily Mortimer.

Movimento. Luzes. Olhares. Ações. Cores. Tudo isso entra numa sincronia tão perfeita tanto na vida real quanto no universo de ficções cinematográficas românticas que a presença da sorte se torna obrigatória. A sorte de um momento, a sorte de um encontro, a sorte de um choque, a sorte de um romance. Há tantas possibilidades em cada segundo que não se pode restringí-las unicamente como necessariedade. O devir de Heráclito é o que move os instantes e a incerteza do ser e do estar. É o movimento do tempo, é a surpresa da vida. E Woody Allen, talvez por começar a respirar novos ares em Londres, aprendeu isso da melhor maneira. É através de uma analogia entre a sorte, entre um momento, entre um romance, entre a burguesia inglesa e entre a obra prima de Dostoiévski que ele cria Match Point e volta a ser tão interessante quanto o Allen de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa.
Chris Wilcott (Jonathan Rhys Meyers) é um jovem irlandês ambicioso de classe média, que teve de se esforçar para conseguir vir morar em Londres. Na capital inglesa, ele começa a trabalhar como um instrutor de tênis e acaba por começar uma amizade com um aluno, Tom Hewett (Matthew Goode). Depois de conversas descontraídas, drinques e convites à ópera, Tom leva Chris para conhecer sua família. Nesse encontro, Chris se apaixona pela irmã de Tom, Chloe Hewett (Emily Mortimer). Quando o relacionamento dos dois se torna mais concreto e as visitas mais constantes, o instrutor de tênis vê sua carreira ser alavancada pelo envolvimento com uma família de tamanho prestígio. Mas, ao mesmo tempo, ele se encontra apaixonado por Nola (Scarlett Johansson), a noiva de Tom.
O romance se encontra em toda a atmosfera. Impregna o ambiente. A preferência por um triângulo amoroso se encontra viva nas obras de Allen, o jogo de amores, traições e paixões. Em seu novo longa, Meia-Noite em Paris, há o argumento de que, com certeza, pode-se amar duas pessoas, mas de maneiras diferentes. Não é diferente nesse filme. Mas aqui as paixões não são paixões, exatamente porque elas possuem nome, e eles são a ambição e a sedução. Chris é o homem que não consegue se apaixonar em cena. Todas as palavras e os carinhos dirigidos suavemente à Chloe beiram o superficial, tentam enterrar um sentimento de paixão para integrar um de respeito. Mas o outro lado não procura respeito, procura o desejo, o toque, o amor que não consegue ser recíproco. Se Chris acha em Chloe uma parceira para a vida ou uma escada para o sucesso, isso está nas interpretações de cada um. Mas ele nunca a amou, ou nunca teria criado tamanho distanciamento. Nola interpreta a luxúria em cena. A fotografia favorece a personagem de Scarlett Johansson em seus movimentos repletos de um sex appeal fortíssimo. Ela consegue roubar a cena por ser uma personagem de beleza incomparável. E é fora de sua prisão conjugal que ele encontra verdadeira felicidade de amar e ser seduzido. Quando Chris se afoga no oceano de paixão em que Nola lhe fisgou inconscientemente, ele encontra o amor que procurava em outros momentos.
Match Point aos poucos se torna um ensaio sobre a hierarquia social. Porquê Chris não consegue manter um relacionamento estável com Chloe, a mulher que ele admira e por quem nutre algo inferior a Nola? Os iguais nasceram para ficar com os iguais? Chloe só deveria se casar com alguém de renome? Ou será que Chris é apenas bastante inquieto para conseguir frear toda a sua existência ao redor de uma única pessoa, sem dar mais chance à sorte, à possibilidade? Há pessoas que não nasceram para se enclausurarem num escritório e sentar, vendo o acaso atingir, inesperadamente, as pessoas do mundo de fora. Os Titãs cantaram sobre isso, "o acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído". Mas quando a vida se torna uma rotina, quando você não dá chance à sorte de mostrar sua verdadeira face, o que acontece? Um arrependimento no epitáfio? Woody Allen faz isso em seu roteiro, no mínimo, inesperado. As reviravoltas são constantes porque Match Point tenta se igualar à vida: nunca se sabe o que se pode esperar. Ironias do destino aparecem e tomam o lugar das comédias que apareciam em suas obras anteriores, agora a comédia é rir do existencialismo.
Por fim, os personagens se mostram mais ambiciosos do que vivos. Chris busca na vida uma chance tão grande de ascensão social, lendo grandes livros de literatura e escutando ópera o dia inteiro, se relacionando com uma mulher rica, ele não pode colocar tudo a perder apenas por um sentimento tão comum quanto o amor. Mas o que ocorre é que a vida não dá duas chances e o amor não é assim tão comum. Encha-me de paixões, mas renuncio-as todas por apenas um único amor. E aqui não é o que acontece. Chris dá a sua versão para o acaso e, mesmo perdendo suas chances de felicidade, ele ainda tem grandes chances de ascensão. O grande problema é não se ter um com o outro. Aqui, percebe-se a influência clara da obra Crime e Castigo aparecendo nas telas, trabalhando num exemplo de ação e reação. Interessante como o homem que lê Dostoiévski na tela não se dá conta de que sofre mais sem amor do que sem dinheiro. A vida é repleta de sorte, assim como a paixão. O coração tem muitas razões que a própria razão desconhece.
Jonathan Rhys Meyers está grande em seu personagem, comedido em suas ações, aproveitando bem cada cena para se destacar como o lobo na pele do cordeiro, como o menino vindo dos subúrbios, sem instruções, mas que sabe aproveitar cada chance até não sobrar mais nada dela. E sabe o bastante para não desperdiçá-la. Scarlett Johansson mostra pra que veio sua personagem desde sua primeira aparição: seduzir. E isso ela faz muito bem. O interessante é observar a alma de uma verdadeira apaixonada e iludida, porém livre, capturando almas que insistem em ficarem presas ao corpo, ao desejo, à carne. O resto do elenco funciona bem, com uma ressalva especial para Emily Mortimer e Penelope Wilton, que entra na pele da sogra preconceituosa o bastante para julgar o exterior. Interessante ela não aceitar a inofensiva Nola na família, mas o instável e aproveitador Chris. A trilha sonora, composta exclusivamente por óperas, está belíssima. Nos momentos de maior tensão, a ópera se torna mais dramática, enquanto em outros mais casuais ela beira o instrumental e um tom de voz mais manso.
Sófocles disse, "jamais ter nascido pode ser a maior dádiva de todas". Pra que viver num labirinto de sorte, pra que existir se não se pode controlar a existência, se não se pode medir consequências? A verdade pode não ser castigo o suficiente para um crime, mas ele virá. Toda a vida é tão movida pela sorte e pelo azar que não se pode contar com uma maré boa o tempo inteiro. E o brilhantismo da obra é o roteiro, que consegue reunir bom humor e mesclar o existencialismo com um romance com castigos. A bola, dessa vez, caiu no campo do adversário para Woody Allen.
NOTA: 9

9 comentários:

Rafael W. disse...

Acho esse o melhor do Allen. Simplesmente maravilhoso.

http://cinelupinha.blogspot.com/

Cristiano Contreiras disse...

Um dos trabalhos mais impactantes de Allen mesmo. De fato, o filme mostra bem a irônica vida humana imersa em seus anseios, ambições que é capaz de iludir ou abalar o senso da moralidade. O filme é incrível também na construção de desejo, de traição, da maneira como alguém pode se subordinar aos prazeres "ilícitos"...

Eu gosto muito do roteiro, existem variadas reflexões nele. E leituras também. Só o mestre Woody Allen pra nos providenciar isso, né mesmo?

O elenco, primoroso.

Parabéns pelo texto!
Como sempre sabe muito bem refletir sobre.

Abraço

cleber eldridge disse...

Porque só eu acho esse filme relativamente fraquinho?

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

É talvez o meu preferido do Woody Allen, o meu diretor preferido. Um filme maravilhoso, sem reparos, na minha opinião. E seu texto trouxe até Pascal! Gostei muito!

Adecio Moreira Jr. disse...

É o melhor filme de Woody dos anos 2000, isso eu posso falar como sendo o meu cineasta preferido. Não sei se é um grande elogio, pois nesse década ele só fez filmes não muito bons (e algumas bombas)

Mas é atraente, tem boa trama, é inteligente... enfim... e que final, né!

Andinhu S. de Souza disse...

Sou louco pra assistir. Mesmo não curtindo muito o cinema de Allen, tenho pra mim que este deve ser seu melhor filme desde, sei lá, 1985.

Marcos Rosa disse...

omo sempre Woody Allen nos presenteando com ótimos filmes. Um dos melhores dele.
Tá afim de parcerias?
__
http://algunsfilmes.blogspot.com/

Rodrigo disse...

Não vejo faz um bom tempo, mas necessito reassistir. Me lembro vagamente de ter gostado, mas não aprovado o fim. Saberei melhor logo. Abraços.

Rodrigo disse...

Não vejo faz um bom tempo, mas necessito reassistir. Me lembro vagamente de ter gostado, mas não aprovado o fim. Saberei melhor logo. Abraços.