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5 de maio de 2011

Encontros e Desencontros (2003)

Um filme de Sofia Coppola com Bill Murray e Scarlett Johansson.

Sofia Coppola é a jovem diretora que anda roubando os corações cansados do mundo. Cansados porque seus filmes apresentam, nada mais nada menos, que visões cansativas, tediosas e hedonistas do mundo, por personagens que nutrem uma profunda indiferença por qualquer brilho das relações sociais que são aclamadas pela futilidade. E isso é brilhante, uma inovação no cinema que, além de entreter, agora apresenta histórias num mundo rodeado por banalidade. Por mais que ela use a mesma fórmula do vazio existencial na essência de seus projetos, cada um possui uma beleza diferente. Enquanto As Virgens Suicidas trata da delicadeza feminina mesclada com a solidão, Maria Antonieta mostrou o tédio de uma vida pública da monarquia, e seu novo Um Lugar Qualquer é um ode à uma vida cheia, porém solitária. A solidão ronda os filmes da filha de Francis Ford Coppola, e Encontros e Desencontros não foge à regra.
Bob Harris (Bill Murray) é uma estrela do cinema, conhecido por seus diversos filmes de ação, mas que se encontra num estado de decadência em sua carreira, sendo obrigado a ir à Tóquio para gravar um comercial de uísque. No mesmo hotel onde Bob está hospedado, também se encontra Charlotte (Scarlett Johansson), a mulher de John (Giovanni Ribisi), um fotógrafo viciado em seu trabalho, que deixa a esposa o dia inteiro sozinha na capital japonesa enquanto tira suas fotos. Como o fuso horário entre Japão e Estados Unidos é diferente, nem Bob nem Charlotte conseguem dormir, e ambos acabam se encontrando no bar do hotel. A partir de outros encontros, começa entre os dois uma relação forte e verdadeira de amor e amizade.
Por mais que todas as cenas do filme sejam recheadas de pessoas, todos estão tão sozinhos como se estivessem trancafiados num quarto de hotel o dia inteiro. Ao mesmo tempo em que o filme denuncia a solidão individual numa vida em grupo, ele ainda apresenta o que leva a vida em grupo a se esquecer da solidão individual: dinheiro, trabalho, futilidade. Bob é cercado por seus agentes que destruíram sua família, que vem mantendo há 25 anos, por meio do trabalho incessante que acabou por cortar relações mais intimistas com as pessoas mais próximas, por isso tanta frieza e falta de jeito que completam seu personagem em meio às lotadas ruas japonesas. Ao mesmo tempo Charlotte tem de conviver com sua dor de perder o marido para o trabalho, exatamente o oposto do que acontece com Bob, o que torna os personagens com características tão distintas e personalidades opostas, e ao mesmo tempo torna a relação entre ambos ainda mais deliciosa enquanto a sessão dura. Ainda há a futilidade presente na figura de Anna Faris, que interpreta uma atriz com direito a uma construção de personagem parecida com a de uma patricinha.
A temática do filme só funciona graças à interpretação forte e a direção precisa, mas eles não seriam nada disso sem a temática. O ciclo se fecha aí. Bob Harris, o ator que foi explorado o bastante e já sabe o suficiente sobre os ossos de seu ofício, trabalha como um perfeito contraponto de Scarlett Johansson, a mestranda em filosofia que está cansada de sofrer indiretamente as mazelas da profissão do marido. A relação entre os dois é de tanta veracidade que não temos mais preconceitos na tela. Não há uma visão de um adultério, não há relação de idade, há apenas um sentimento que aflora nos dois personagens, que já estava dentro deles há bastante tempo mas foi perdido devido à falta de originalidade na vida. A trilha sonora, o cenário e a fotografia exalam uma melancólica sensação de déjà vu, que contribui para o visual do longa metragem.
A direção de Coppola trata de uma situação incomum, onde ambos estão perdidos e solitários numa terra distinta com uma cultura milenar diferente da nova hegemonia americana, e ambos acabam encontrando exatamente aquilo que não tinham na terra de tédio e conforto. Situações como uma prostituta japonesa, uma visita a um templo budista e até um banho se tornam engraçadas devido à total indiferença dos personagens, pela banalização do cotidiano. A novidade do filme é uma relação amigável de ambas as partes, onde a sinceridade surge como fator essencial para transformar a motivação dos personagens. Como já dizia o filósofo Arthur Schopenhauer, o ser humano é um buraco negro de tédio, que gera uma vontade cuja realização com certeza gerará uma dor. E para sobreviver, o homem busca mais desejos. O tédio completou os protagonistas de Encontros e Desencontros, cuja racionalidade não os deixa aproveitar mais uma vida que se mostra menos viva do que qualquer outra coisa. Tanto Bob quanto Charlotte andam, pensam, respiram, mas não vivem, eles são o empirismo da filosofia Schopenhaueriana. E quando há um choque entre realidades semelhantes e caracteres distintos, a velha razão morre para um sentimento nascer.
Todo mundo precisa ser encontrado. A fuga da artificialidade é dada através do romantismo no meio de luzes coloridas, neons e arranha-céus. E tudo é feito da maneira mais casta encontrada por Coppola. É bastante engraçado o rumo que as situações tomam. Enquanto tudo poderia ser explorado para a criação de uma comédia numa terra tão exótica, o filme se afunda num mar de tristeza. Mas o que poderia se tornar clichê se torna bonito e novo de tão puro. E a pureza do relacionamento entre os excelentes Bill Murray e Scarlett Johansson se dá de maneira a visualizarmos uma amizade no meio da rua, com direito a abstenções e segredos. Encontros e Desencontros é um filme que não dá as respostas, mas o público que o vê também não as procura.
NOTA: 8

8 comentários:

Alan Raspante disse...

Olha Gabriel, faço parte daquele enorme grupo tedioso que adora fazer de sua vida um grande melodrama de novela mexicana, sabe? Então, sendo eu assim, pensei que amaria Coppola. Por que né? Os filmes da guria são assim! Vi "Maria Antonieta"e gostei bastante... Aí eu fui ao cinema todo animado ver "Somewhere" e puta que pariu, que fime chato; Que filme insosso. Então, tendo esta experiência... vou deixar a Coppola de lado. Seus filmes não são pra mim. Sou melodramático e não idiota que paga pra ir ao cinema pra ve nego fazendo... nada! hehehe

Abraços :D

Adecio Moreira Jr. disse...

Gosto de texto assim, que fale sobre o emaranhado do filme (a citação de uma característica de Schopenhauer foi excelente).

E ah! Sou fã confesso de Coppola, então sou suspeito pra falar. Hehehe.

Grande abraço!

Cristiano Contreiras disse...

Mais um texto que capta bem a essência HUMANA do filme, eu na verdade valorizo analises assim - voce expoe bem a atmosfera melancólica e como a solidão une os dois cativantes personagens. Belo trabalho da Coppolinha, mas ainda prefiro seu début: "As Virgens Suicidas".

Abraço!

Rodrigo disse...

Uma obra-prima recente. Coppola se foirmou aqui como uma futura estrela de nossa geração. E grande texto, realmente maravilhoso. Abraços.

Kamila disse...

Ao lado de "Sideways - Entre umas e Outras" e "Entre Quatro Paredes", considero "Encontros e Desencontros" um dos filmes mais superestimados da última década.

Sarah disse...

Excelente texto, disseste tudo e não poderia concordar mais contigo. Gostei imenso do filme, é bastante diferente. Bill Murray e Scarlett Johansson estão muito bem.

Sarah
http://depoisdocinema.blogspot.com

Andinhu S. de Souza disse...

Muito bom seu texto Gabriel, me fez lembrar de toda essência do filme. Um filme que precisa ser sentido, ou então se tornará um tédio profundo pra quem assisti.
Amo o filme e a cena final é uma das coisas mais profundas que já senti vendo um filme.

Andinhu S. de Souza disse...

Muito bom seu texto Gabriel, me fez lembrar de toda essência do filme. Um filme que precisa ser sentido, ou então se tornará um tédio profundo pra quem assisti.
Amo o filme e a cena final é uma das coisas mais profundas que já senti vendo um filme.