Pages

31 de maio de 2011

As Canções de Amor (2007)

Um filme de Christophe Honoré com Louis Garrel, Chiara Mastroianni e Clotilde Hesme.

Está na hora dos preconceitos serem abandonados. Quando uma forma de amor tão simples e tão natural é exposta, não se deve julgá-la. Algumas pessoas tentam promover a paz, mas como se faz isso quando elas próprias censuram o amor? A união homoafetiva está aí como uma simples prova disso. Se uma forma de amor é tratada com tanta intolerância, isso apenas comprova que o mundo não está preparado para uma coisa tão profunda quanto os sentimentos humanos. A falta de coerência em diálogos de desaprovação é vergonhosa. O amor não pode ser detido, enfim. Então, para se ver essa pérola de Christophe Honoré, o melhor a se fazer é abandonar os preconceitos e deixar o amor prevalecer em tamanhas situações cotidianas, porém apaixonantes.
As Canções de Amor é um musical simplista que mostra de forma ultrarromântica os altos e baixos de um relacionamento não tão comum em Paris. O casal é formado pelo jornalista Ismaël Benoliel (Louis Garrel) e por Julie Pommeraye (Ludivine Sagnier). A diferença está no terceiro elemento do grupo: a também jornalista Alice (Clotilde Hesme) participa desse triângulo amoroso. Ao mesmo tempo que a relação entre Ismaël e Julie esfria, Alice se torna cada vez mais dependente do amor dos dois. Porém, uma infeliz tragédia faz com que os valores amorosos do grupo sejam revistos.
Desde o começo o filme começa a mostrar qual o seu maior trunfo. Após uma discussão entre Ismaël e Julie, ele a surpreende na saída do cinema e começa a dialogar entre versos e estrofes cantadas. O apaixonante dialeto francês deixa o amor ainda maior quando as vozes dos atores saem e se complementam numa declaração amorosa. E se isso é apenas o início, só se pode esperar o melhor. Nas cenas seguintes vemos canções claras sobre as complicações do ménage à trois, uma discussão calorosa nas ruas parisienses, uma família que não se comunica e muito, mas muito amor recheando cada palavra. O que não é mostrado nas cenas para o público é mostrado nas canções, essenciais para o entendimento e não apenas uma alegoria a mais. Ver Ludivine Sagnier numa crise aguda de ciúmes, cantando com sua alma para Louis Garrel e Clotilde Hesme, isso é difícil de se resistir. E, cenas mais tarde, quando esse mesmo Louis Garrel canta um dueto com Grégoire Leprince-Ringuet, ele apresenta em versos líricos o contraste entre o início de um coração apaixonado, que começa a exaltar seus sentimentos, e um coração amargurado, que não suporta formas de amor que o relembram da dor da perda. É inegável que Alex Beaupain fez um trabalho magnífico em As Canções de Amor, e o elenco de atores-cantores não deixa as composições caírem na mesmice.
A obra inteira é dividida em três atos: a partida, a ausência e o regresso. Tudo se refere ao amor na vida do personagem Ismaël. A partida dos amores de sua vida, a quebra de sua ponte amorosa - numa referência à letra de uma música cantada pelo triângulo inteiro - e a não realização das fantasias de forma a se explorar todas as nuances de um romance tornaram o jornalista num homem infeliz. Ismaël é um romântico declarado, e nada menos justo para a construção de seu próprio personagem. A vida na cidade-luz é romântica o bastante para uma pessoa, a vida nessa mesma cidade com duas mulheres ao seu lado deve ser o auge da paixão para qualquer um. Depois de lidar com a insegurança do território desconhecido do sexo à três, Ismaël não consegue levar uma vida solitário. Ele precisa de amor como um carro precisa de combustível. Mas como arranjar amor ao mesmo tempo em que você o renega pelas lembranças? Enquanto ele é flertado assiduamente por Erwann (interpretado por Grégoire Leprince-Ringuet), a família de Julie não o deixa se esquecer de seu compromisso.
A luta entre passado e futuro é forte. O passado, interpretado por uma Chiara Mastroianni que interpreta, de forma cativante, Jeanne, a irmã de Julie, é forte. Não necessariamente moralista, por uma alusão ao tabu de um triângulo amoroso ser aceitado com tamanha facilidade, mas com sua própria visão da ética. É um conflito de mentalidades. O futuro, representado por Leprince-Ringuet, é uma alternativa para o aplacamento do sofrimento do pobre Ismaël. Já chega de sofrer por uma ausência, a busca dos personagens de Honoré é pela felicidade - por mais que essa não chegue no fim das contas. Enquanto a história apresenta seu desenlace para o espectador em mais baladas e menos agitação à medida que chegamos ao desfecho, acompanha-se a direção de Christophe Honoré aos poucos, como se ela fosse apenas um detalhe a menos ou a mais e não interferisse no todo. Mas interfere. As táticas de enquadramento e angulação fazem toda a diferença para a visão do espectador sobre determinada situação. Os atores trabalham em sincronia com essa direção essencial: o trio principal, composto por Sagnier, Hesme e o sempre competente Garrel está ótimo.
As Canções de Amor é um filme para se ver descompromissado, desde que você saiba amar. Isso já fica óbvio no título, mas aqui ele apresenta uma visão bem mais ampla do que apenas um relacionamento ordinário entre um homem e uma mulher que geralmente resulta numa comédia-romântica. O filme é um ensaio sobre o amor, não importando sexo, não importando moral. Esqueçam a lei de deus, esqueçam a lei dos homens, a prevalência aqui é apenas da paixão. O manifesto de Louis Garrel no fim prova isso. Não há dor que perdure tanto que não é apagada pelo choque de um novo amor. "Ama-me menos, mas ama-me por muito tempo". Faça-me chorar por nosso relacionamento, mas não me faça sofrer por tua ausência.
NOTA: 9

11 comentários:

Cristiano Contreiras disse...

Um dos melhores textos seus que já li aqui, além de condensar bem a trama e os valores embutidos dentro desse grande filme, você sabe refletir sempre o que o filme tem mais de importante a transmitir. Parabéns por isso.

"Canções de Amor" é muito bom mesmo, tanto no roteiro, quanto nas músicas, no elenco em coerência total, no talento emotivo do belo Louis Garrel que é um ator perfeito mesmo.

E é um dos meus filmes favoritos, Honoré é mestre!

abraço

Rodrigo disse...

Preciso ver. Poucas gentes já viram, mas todos gostaram. Abraços.

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

Que bonito ver alguém escrevendo tão lindamente sobre o amor!

Esse filme é uma pérola do Honoré. Sou um grande admirador desse cara. E também do glorioso Louis Garrel.

Adecio Moreira Jr. disse...

Honoré tende a querer posar de moderninho, né?

Sim, eu gosto do filme, mas não é essa coqueluche toda. Até entendo seu sucesso, ainda assim não o venero como 99% dos meus amigos que assistiram.

^^

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

Gosto muito desse musical, e ao contrário do que o amigo Adecio disse, não vejo em nada o Honoré "posando de moderninho". Aliás, a proposta dele é justamente o oposto: uma revisão do modernismo para uma realidade mais particular - não tanto como Almodóvar, mas no mesmo caminho... Basta ver outros filmes dele.

Seu texto matou a pau essa questão.

=)

Gabrielle (Gaby) disse...

Nossa, faz MUITO tempo que eu quero ver esse filme! *-*
Você assistiu ele pela net ou loucou? Em qlqr dos casos, pode me dizer onde?

Gabrielle (Gaby) disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Andinhu S. de Souza disse...

Em todo lugar que vejo esse filme, só tem críticas positivas.. tenho bastante curiosidade e seu texto aumentou mais ainda...tem bastante explicações do filme no texto, talvez que já viu, consiga captar ainda mais o q vc escreveu. ainda assim, belo texto.

Abç!

Gabrielle (Gaby) disse...

Alguém tem o link desse filme? Eu já procurei nas locadoras daqui e não tem.

Anônimo disse...

Crítica sensacional, esmiuçou todo o que flutua no ar durante todo filme!
Filme perfeito, disponível on line para download

Anônimo disse...

Crítica sensacional, esmiuçou todo o que flutua no ar durante todo filme!
Filme perfeito, disponível on line para download