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29 de janeiro de 2011

Juventude Transviada (1955)

Um filme de Nicholas Ray com James Dean, Natalie Wood e Sal Mineo.

Não se pode esperar nada de um ser humano. Cite algum outro bicho mais instável do que ele, com suas recaídas, com problemas de relacionamento, com uma mágoa reprimida pela relação desgastante com os pais e amigos. Ainda combine isso com os hormônios fervilhando à flor da pele e com emoções que podem ser mostradas ou devem ser guardadas, isso de acordo com o que a norma social manda. Em norma social, lê-se a "galera". Se você é você mesmo, ninguém liga e isso pode até gerar o chamado bullying. O importante não é ser original, o importante é ser uma cópia da atitude alheia. O jovem é um bicho de sete cabeças de tão complicada que é sua vida e, se há um filme que retrata bem o caso dessa juventude reprimida, esse é Juventude Transviada, um filme antigo porém bastante atual.
Jim Stark (James Dean) é um jovem que acaba sendo preso por embriaguez e desordem na madrugada de Páscoa. Na mesma noite, também estão no distrito policial outros dois jovens, Judy (Natalie Wood), que fugiu de casa depois que o pai lhe chamou de vagabunda e tirou sua maquiagem, e John Crawford (Sal Mineo), também chamado de Platão, que atirou em cachorros. Os três jovens, de grupos sociais bastante distintos, se encontram pela primeira vez aí, com suas vidas no ápice de um drama abalado por razões emocionais. Ambos estudam no mesmo colégio e se encontram na manhã seguinte, mas são incapazes de fazer amizade entre si por pertenceram a lugares diferentes numa pirâmide social movida por popularidade. Ao Jim tentar ser amigo de Judy, isso acaba atraindo a atenção do namorado dela, Buzz (Corey Allen). A partir daí, começa uma rivalidade que leva a situações que mudam, no mesmo dia, a vida dos jovens.
As primeiras cenas do filme são um aperitivo para o que ainda estava por vir. A coisa que mais transparece é a personalidade dos três jovens. Jim Stark tem a mesma atitude do início do filme até o fim, que é sua rebeldia, a qual o tornou icônico. Sua originalidade é que não o integrava aos outros alunos. Isso porque tinham medo de ver algo tão verdadeiro numa vida movida por emoções reprimidas e atitudes falsas? Ele era uma ameaça aos moldes e grupos que continham os alunos? Em seu primeiro dia de aula, ele funciona como uma ponte entre diferentes grupos sociais. Ao mesmo tempo que fica amigo do garoto mais introspectivo do colégio, no caso Platão, ele tenta se unir ao grupo em que Judy está incluída. Onde há turmas juntas, ele vê cada pessoa individualmente e se interessa por elas, não importa se estão abaixo de uma cadeia já construída ou se estão no topo. E a obra ainda se torna mais marcante com sua trilha sonora que aparece nos momentos de maior tensão, para acentuar o sentimento.
Outra característica forte é a personalidade dos jovens que eles desejam mudar. A cena inicial do filme já é uma obra sozinha. James Dean bêbado e no auge de sua atuação, que só ia melhorar ao longo da sessão, deita numa rua e pega um boneco. A partir daí, suas cenas na delegacia mostram ele cuidando do boneco como se fosse um filho. Ele gostaria de ser aquele boneco ao invés de receber o amor artificial de seus pais? Os pais de Jim usam sempre o discurso: "tudo que você quer, nós não te damos?". Onde fica o amor e um exemplo paterno nessa relação completamente material? Se há algo que irrita Jim é ser chamado de covarde. Porque o pai dele é um covarde ao se submeter a mãe sem discutir, ao nunca interferir na educação de Jim. Na verdade, quem discute com a mãe é a avó, a mãe do pai. Na casa de Jim Stark, o pai era o personagem mais submisso às duas mulheres da casa. A mãe dominadora não é um exemplo daquela época, onde a sociedade era completamente patriarcal, regida por um homem. O machismo estava dominando. Mas qual a atitude de um garoto onde a maior influência na casa é feminina, onde nas outras é masculina? Não pretendo ser sexista com isso, mas era um padrão que regia a sociedade dos anos 50.
Ainda há Judy, uma adolescente já crescida que vê que o afeto entre o pai e ela já não é o mesmo, tudo interpretado com uma maestria sem igual por uma ótima Natalie Wood, que já na primeira cena, num diálogo com o policial, já consegue mostrar o seu tom sentimental e revelar uma difícil personalidade. Numa cena na mesa de jantar, ela insiste em receber um beijo do pai, que só dá carinhos para o irmão mais novo. Ela tem ciúmes do irmão ao ver que virou o novo xodó do pai? Ao mesmo tempo que ela não admite não receber o amor do pai por não ser mais nova, o pai lamenta o fato da menina estar crescida. Ao vê-la bonita, num vestido, completamente maquiada, ele não entende o fato de que sua filha cresceu e se tornou uma adolescente. Sua reação não é uma conversa ou uma explicação, é um tapa seguido de "vagabunda". Judy ainda tem que manter a pose resguardando suas mágoas para si.
E por falar em mágoas, ainda há Platão, o personagem mais fechado do grupo. Por nunca ter uma presença nem materna nem paterna em sua vida, vive sozinho e guarda seu rancor para ele, o que o torna cada vez mais doente. Se um garoto sozinho consegue pegar numa arma e atirar em cachorros, o que mais ele é capaz de fazer? É um adolescente sem amigos, reprimido, antissocial, mas com o sonho de ser integrado. E o que fazem com esse sonho? O destroem. Ao mesmo tempo que o adolescente pode ser instável, ele ainda é cruel sem razão. Ao ver uma pessoa que lhe abriu os olhos, Jim Stark, a atração pelo garoto começa. Jim vira um herói para o menino com dificuldade em se relacionar. Claro, já que ele é o único amigo que Platão já teve. Platão toma a figura de Jim como um molde para si mesmo, já que o amigo substitui a figura paterna que ele não teve. O problema é que um adolescente, tão danificado por dentro, uma hora transborda sua raiva com o mundo. Há de tomar cuidado com ele. E esse tema não acaba nos anos 50, já que continuamente aparecem jovens tímidos, que se revelam mortais a cada bullying que sofrem. Tiros em Columbine é sobre isso. O personagem Platão ainda fica melhor por ter o excelente Sal Mineo o interpretando, e isso muitíssimo bem. Ele não consegue se aproximar com facilidade das pessoas e, ao conhecer alguém que lhe deu um 'bom dia', já o toma como melhor amigo.
É um relato verdadeiro de uma juventude em época de mutação resultante da educação que lhes foi dada. O fato é, tudo que os acontece é uma culpa da atitude paterna. James Dean não era chamado de covarde para não se comparar ao pai sem atitude. Natalie Wood buscava em seus relacionamentos com os populares completar a lacuna do seu amor com o pai, que se tornou cada vez menor. Sal Mineo sofre tudo o que lhe foi imposto pela falta dos pais em sua infância. Os adolescentes estão com muitos amigos, mas cada vez mais sozinhos ao ter de enfrentar as situações de sua vida complicada. Afinal, numa fase de mudanças neles, qualquer mudança para com eles pode acarretar numa destruição de personalidade. Ao fim do ótimo filme com uma maravilhosa direção de Nicholas Ray, basta apenas refletir sobre essa juventude tão complicada e tão simples ao mesmo tempo. Já cantava Cássia Eller, "Eu entendo a juventude transviada...".
NOTA: 10


Dedicado a Cristiano Contreiras.

5 comentários:

Alan Raspante disse...

Olha Gabriel, excelente texto. Impressionante como você está melhorando. Meus paabéns :)

O que dizer deste filme?! Acho incrível em todos os aspectos, e ninguém melhor do que Dean para intensifiar as emoções de um jovem rebelde!
Muito bom!

[]s

Ccine disse...

Sobre Deixe-me entrar... vale a pena demais. ficou ÓTIMO o remake.
Chloe Moretz está perfeita no papel.
RECOMENDO!

ABRAÇO!

Cristiano Contreiras disse...

Concordo com Alan, seus textos amadureceram muito nesses meses e estão mais analíticos. Gosto disso!

Este filme é mesmo atual, ainda retrata muito bem o aspecto da juventude sem regras, carente e com problemas comportamentais. Na verdade, os três - Dean, Mineo e Wood - são personifações da juventude, com suas fragilidades acentuadas. Uma pena que todos os três atores morreram de maneira trágica, hein?

Grande filme, seu texto está ótimo!

abraço

Emmanuela disse...

Um filme atemporal por abordar os tormentos juvenis. O que mais me fascina em "Juventude Transviada" é James Dean! Vê-lo atuar em "Juventude" é uma verdadeira dádiva. Jim Stark é um ícone, é a imagem do ator mais reverenciada até os dias de hoje. Fenomenal.

Ju B. disse...

Adoro esses textos que além de analizar os detalhes técnicos de um um filme, analiza principalmente a psiquê dos personagens. Não me perdôo por ainda não ter assistido...

Bjs.