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28 de dezembro de 2011

Perfume - A História de um Assassino (2006)

Um filme de Tom Tykwer com Ben Whishaw, Alan Rickman, Dustin Hoffman e Rachel Hurd-Wood.

Por que nascemos, para onde vamos, para que somos feitos? Destino, ele existe? É tão difícil crer assim na pré-destinação do ser considerando coincidências, considerando ações e reações? Por que não acreditar num fio invisível que une o que ocorreu com o que ainda vai ocorrer? Com um pé lançado ao destino e com outro lançado num conto de fadas sedutor é que é feita essa obra de Tom Tykwer, o mesmo diretor de Corra, Lola, Corra, criando aqui uma experiência cinematográfica satisfatória, baseada na obra de 1980 escrita pelo alemão Patrick Süskind. O filme já inicia sua história numa França ambientada diferentemente de hoje, na França burguesa e proletária, na França antes de sua revolução. Num mercado de peixes, vemos uma mãe grávida na hora do parto. Sem ter para onde ir, ela pare seu filho em cima do ambiente fétido e pútrido dos peixes mortos, de todo o caos da humanidade, de toda a sujeira social. Como não era a primeira vez que a mulher fazia isso, ela esperava que o filho morresse e a nada de mais acontecesse. O problema é que a criança sobreviveu e chorou, acusando a própria mãe do assassinato que pensara em cometer. A criança cresce como Jean Baptiste-Grenouille (Ben Whishaw) um jovem afortunado que, para se destacar, tem um olfato superior a de qualquer pessoa.

A história de Jean Baptiste se segue até o momento crucial da trama, quando seu desejo acaba mostrando-se uma vontade incontrolável. Andando pela rua, o homem acaba sentindo o cheiro de uma moça, um cheiro tão delicioso que não consegue deixá-lo passar. Seguindo-a, ele acaba matando-a sem querer, de forma que ela não gritasse com a aproximação do estranho. Quando Jean Baptiste percebe o que fez, ele a despe inteira e não faz o que outro homem faria num ato de estupro necrófilo: o homem a cheira da cabeça aos pés, cheirando qualquer resto de vida que ainda exista naquela mulher morta. O cheiro delicioso não está mais lá, o que fazer? E surge a grande ideia: já que aromas de flores acabam sendo envidrados e vendidos como perfumes, como posso fazer a mesma coisa com um aroma humano? Como poder preservar o cheiro delicioso da vida correndo? Nisso entra em cena Giuseppe Baldini (Dustin Hoffman, numa atuação caricata e divertida), o dono de uma perfumaria que acaba se revigorando com o talento olfativo de Jean Baptiste.

Ainda ao longo da sessão, temos a presença da bela e encantadora Rachel Hurd-Wood, que não desperta apenas o fascínio de Jean Baptiste, mas também da plateia; e de Alan Rickman, excelente ator e característico na sua formação do antagonista da sessão. O protagonista do longa-metragem, Ben Whishaw, faz seu trabalho da melhor maneira possível: o jovem descontrolado por sua obsessão, sua necessidade de vivenciar aquilo pelo que vive. O olhar, os movimentos de entrega, a paixão nas sensações, tudo o deixa ótimo para se tornar o assassino do título. Mas aqui a estória toma outro rumo, assim como em À Sangue Frio, já que o moralmente errado acaba sendo aquele que cativa o público, há uma identificação com Jean Baptiste. O público aqui interage com a obra, o amor pelo cheiro é tanto que quase se pode sentir tudo aquilo que o nariz de Jean Baptiste sente, ou ao menos imaginar a visão do paraíso causado pelo transe de sua experiência olfativa. O sentir está presente em cada detalhe do filme também. A fotografia, escura no começo (um retrato da própria essência desconhecida do protagonista) se choca com tons vermelhos (o desejo, a luxúria em forma do querer, a paixão, a ardência) que, por menores que sejam em tela, se destacam diante de toda a escuridão. Um ótimo trabalho de Frank Griebe e de Tom Tykwer, diretor de fotografia e diretor, respectivamente. 

Em determinada hora do filme, Jean Baptiste se dá conta de um fato de sua vida: ele não possui cheiro. Ele não possui aquela característica que tanto busca nos outros, que pretende retirar dos outros, ele não possui sua identidade. Coincidência? Destino. É um destino de Jean Baptiste acabar como acabou, sem rastro algum de sua existência e de sua incrível capacidade olfativa, sem rastro algum de seu passado escondido em assassinatos e escombros. Sua história fictícia permanece um segredo, um segredo como a combinação perfeita dos perfumes, um segredo que foi apagado da vida das pessoas. O transe da cena final é a consumação dos valores sociais que o povo esqueceu. Por um instante, ao sentir o aroma dos anjos, ao sentir o perfume dos perfumes, todos esqueceram sua própria moral e se entregaram ao desejo, se entregaram à sua carne. Cada um se transformou em Jean Baptiste e, naquele momento, Jean Baptiste se transformou em todo mundo. Perfume é uma obra deliciosa, uma adaptação incrível e uma união perfeita entre os sabores da visão, do olfato e do tato. É o tesão sinestésico na melhor forma possível.

NOTA: 8

20 de novembro de 2011

Toda Forma de Amor (2011)

Um filme de Mike Mills com Ewan McGregor, Mélanie Laurent e Christopher Plummer.

Uma vida triste, com traumas infantis, com uma descoberta no mínimo chocante, com a perda de um ente querido. Todas essas emoções extremistas mergulham o desenhista Oliver (Ewan McGregor) num furacão sentimental que o carregam a um mar de depressão. A própria tristeza o afeta de forma latente e acaba interferindo em seu trabalho e em sua vida pessoal. Numa viagem constante ao extremismo emocional, seus amigos acabam levando-o a uma festa que muda sua vida: lá ele conhece a atriz Anna (Mélanie Laurent), uma moça impulsiva, engraçada e feliz que faz o triste coração bater mais rápido. Ao passar os dias com ela numa frequência cada vez mais longa, Oliver começa a lidar não só com o amor presente, mas com o amor passado mostrado numa relação carinhosa com o pai, Hal (Christopher Plummer), nos últimos dias antes da morte dele. E nos aproximados 105 minutos de sessão, nenhuma pergunta paira no ar, apenas a paixão representada na tela. Não necessariamente da forma mais doce ou da mais bonita ou da mais ardente mostrada num filme. Mas excessivamente a mais real.

Em meio a lições de vida constantes, somos apresentado de cara com a situação de Oliver. Após o fim do matrimônio, o pai de Oliver se assume gay com 75 anos para viver a vida livre que os anos de casamento heterossexual não o permitiram. Aos poucos Oliver acaba se aproximando mais desse pai verdadeiro, desse espírito livre que saiu de suas amarras moralistas para poder viver, e assim cria uma nova figura diferente do homem que estava ausente em sua infância. A proximidade de Oliver com Hal é bela, de uma fraternidade comovente. Em comparação, há o amor que ele sente por Anna. Vivendo na dúvida das suas emoções, Oliver acaba se entregando a essa paixão louca pela moça desconhecida e começa a jogar o jogo dela. E a relação de entrega e de diversão fica explícita na face dos dois personagens. Oliver é muito passional, e esse seu comprometimento ao pé da letra com as batidas de seu coração são as coisas que o estragam e o fazem feliz. O fazem feliz perto do amor, o estragam longe dele. Mas não é assim com todos, no fim das contas?

A melancolia é exposta pelo lado do protagonista, e é difícil sair da imagem que ele propõe ao espectador desde o início do filme, por mais que esteja cercado de amor e comprometimento. O comportamento e os olhares do triste Ewan McGregor - aqui, numa atuação boa e bastante crível - não permitem o público sair da zona depressiva e ir ao emocionalmente perfeito conto de amor que outros clichês da comédia romântica vendem. Para contrapor o personagem, temos mais duas atuações incríveis, uma de Mélanie Laurent, que sempre é uma boa surpresa; e de Christopher Plummer, que rouba a cena com seu carisma e bom-humor, na melhor atuação do longa. O longa, afinal, é baseado completamente na história de Mike Mills, cujo pai também saiu do armário aos 75, 5 anos antes de morrer. A direção então prefere closes mais intimistas com os personagens, com filmagens num escuro cuja fotografia se dá apenas por um pequeno foco de luz de abajur ou de raios do sol entrando timidamente num ambiente negro. Aliás, a fotografia do filme, feita por Kasper Tuxen, tem seu tom acinzentado que aproxima a sensação da realidade e da depressão. Mas, mesmo com as atuações belíssimas e a direção segura, o que transforma Toda Forma de Amor num verdadeiro filme completamente passional são os diálogos fáceis, mas profundos. O sentimento escapa das palavras, das bocas dos atores e atinge em cheio o público no momento certo, do modo certo.

Num dos diálogos do filme, Oliver pergunta ao pai porque se casou com a mãe dele sabendo que era gay. O pai disse que a mulher sabia de sua opção, mas que não importava, que queria se casar com ele do mesmo jeito. Não são poucos os romances com a mesma fórmula de Toda Forma de Amor. O que realmente o difere de qualquer outro conto amoroso é a riqueza dos detalhes, causando uma aproximação mais factual do público. A trilha sonora não é composta por canções alegres, mas por baladas depressivas. A direção foca em planos escuros e não convencionais, em não linearidade, em narrações em off, foca mais no que foi do que no já está sendo. O filme inteiro parece um flashback. O roteiro foca num protagonista que, por mais encantado que esteja, não está numa realidade fictícia do felizes para sempre. Toda Forma de Amor é algo tão tangível para o público que chega a ser fofo e delicioso, algo que o espectador que vê o filme de Mike Mills sente de verdade e não é obrigado a sentir devido às idealizações cinematográficas do romance clichê. Ver o filme vale a pena, vale o sentimento, vale o romance. Até porque, tudo é apenas a representação da vida.

NOTA: 7

7 de novembro de 2011

Tarde Demais (2010)

Um filme de Shawn Ku com Maria Bello e Michael Sheen.

Num drama provindo de um massacre numa escola seguido de suicídio, dando aqui o exemplo típico do Massacre de Columbine, o sensacionalismo usa de todos os sentimentos humanos para criar ódio e compaixão entre as pessoas. Tudo é pensado milimetricamente: as famílias chorosas que perdem seus entes queridos, um grupo revoltoso, o luto extremo. Mas o que se pensa são em vítimas, não no assassino. Ele merece uma parcela dessa compaixão? Afinal, o que o levou a fazer isso? Uma psicopatia, problemas emocionais, bullying? Ou simplesmente, porque não se coloca a culpa na educação? Não na educação escolar, mas na parental. Normalmente, a culpa acaba virando para os pais do assassino, que criaram o filho de um modo errado, que não o auxiliaram nas piores horas, que supriram alguma coisa ou a deram demais. Você não é mais um pai, você acaba se tornando um exemplo de má-formação, um alvo de cochichos e olhadelas. E acaba tendo que enfrentar mais que a morte do próprio filho, acaba tendo que enfrentar um moralismo social que nunca foi quebrado. É nessa situação que se encontra Kate e Bill Carroll (Maria Bello e Michael Sheen, respectivamente) após o filho Sam (Kyle Gallner) entrar em sua universidade, matar 21 pessoas e depois cometer suicídio. Após o episódio, eles têm de enfrentar a culpa, encontrar razões para os motivos do filho e se sentir fortes para manter, além da sanidade, o casamento, que já estava prejudicado.

O foco principal de Tarde Demais não é propriamente esclarecer a dúvida principal de todos os espectadores do circo de horrores que é uma chacina numa escola. O foco não é porque o filho de Kate e Bill fez isso. O foco é o que Kate e Bill vão fazer após o filho ter feito isso, incluindo nessa própria rota cinematográfica tanto as razões como as consequências. Comparando com o resto do filme até já temos uma explicação rasa da força maior. Num telefonema curto, conseguimos perceber que Bill é um homem cansado, não mantém uma relação forte com o filho e que ele deixa a sua família de lado como um bem intocável que sempre permanecerá lá, sacro e sem nenhum esforço. A problemática do homem é que, ao longo do tempo, ele acaba deixando de lado os problemas alheios. Não só isso, esquecendo de identificá-los num olhar, numa voz mais melancólica, em tudo que o filho deixou transparecer durante os anos e acabou transbordando. Quando o homicídio em massa ocorre, Bill enlouquece. Ele não consegue se perceber no meio da situação. Há uma vergonha pelo que o filho fez, há um impulso que grita mais alto e o chama de assassino frente a uma sociedade moralista. Mas Bill amava o assassino. Como se confronta sentimentos apenas com uma postura exemplar?

Bill se torna cada vez mais distante com o tempo, mas Kate vive a sua vida cada vez mais presente. Numa interpretação de entrega de Maria Bello, a mãe mostra sua faceta também nos primeiros minutos. Ela não é cega como o pai, ela é apenas míope. Ela enxerga o que ela quer, e ela quer enxergar os destroços da família perfeita. Ela sabe bem que o filho não está bem, ela sabe que seu casamento não é forte o bastante. Mas ela luta pra manter sua própria ilusão de que tudo está perfeito. Sua vida após o crime do filho é a paranoia. Ela não aceita o crime do filho, ela ainda o ama e não tem vergonha de admitir isso. O que mudou na vida de Kate foi apenas a maneira de enfrentar as coisas de sua vida: se antes ela lutava para manter um casamento que já tinha dado o seu máximo; agora ela apenas busca encontrar e reencontrar o filho - não o assassino - em todo o lugar que vá. Após o episódio, o casal vai até a casa do irmão de Kate e a atitude protetora e maternal com todos revela o que ela tenta esconder de si mesma.

Kate não foi a melhor mãe do mundo. Bill também não foi o melhor pai do mundo. Mas ambos foram, no fundo, pais. Então porque o filho acabou com a ilusão de ambos? Aqui, Maria Bello e Michael Sheen estão se doando à câmera para vivenciar o drama de seus filhos, estão procurando razões no fundo, enquanto na superfície eles apenas buscam uma forma de continuar nadando sem que se afoguem. Numa das cenas de maior emoção da obra, há uma discussão formada por meio de um plano-sequência que mostra a verdadeira face de Kate e de Bill para, então, ambos acabarem aceitando a situação em que foram colocados. Não se pode colocar verdade na ilusão ambiciosa do casal, apenas um massacre pode revelar a vida de mentira. Junto com filmes como Tiros em Columbine, Elefante e A Onda, Tarde Demais joga do lado de fatos que não são mostrados em noticiários. É o lado da família, que tem de aceitar uma dicotomia infernal dentro de lares destruídos. E não é a família da vítima, mas sim, a família que realmente sofre em uma pele que não tem culpa de existir.

NOTA: 8