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7 de novembro de 2011

Tarde Demais (2010)

Um filme de Shawn Ku com Maria Bello e Michael Sheen.

Num drama provindo de um massacre numa escola seguido de suicídio, dando aqui o exemplo típico do Massacre de Columbine, o sensacionalismo usa de todos os sentimentos humanos para criar ódio e compaixão entre as pessoas. Tudo é pensado milimetricamente: as famílias chorosas que perdem seus entes queridos, um grupo revoltoso, o luto extremo. Mas o que se pensa são em vítimas, não no assassino. Ele merece uma parcela dessa compaixão? Afinal, o que o levou a fazer isso? Uma psicopatia, problemas emocionais, bullying? Ou simplesmente, porque não se coloca a culpa na educação? Não na educação escolar, mas na parental. Normalmente, a culpa acaba virando para os pais do assassino, que criaram o filho de um modo errado, que não o auxiliaram nas piores horas, que supriram alguma coisa ou a deram demais. Você não é mais um pai, você acaba se tornando um exemplo de má-formação, um alvo de cochichos e olhadelas. E acaba tendo que enfrentar mais que a morte do próprio filho, acaba tendo que enfrentar um moralismo social que nunca foi quebrado. É nessa situação que se encontra Kate e Bill Carroll (Maria Bello e Michael Sheen, respectivamente) após o filho Sam (Kyle Gallner) entrar em sua universidade, matar 21 pessoas e depois cometer suicídio. Após o episódio, eles têm de enfrentar a culpa, encontrar razões para os motivos do filho e se sentir fortes para manter, além da sanidade, o casamento, que já estava prejudicado.

O foco principal de Tarde Demais não é propriamente esclarecer a dúvida principal de todos os espectadores do circo de horrores que é uma chacina numa escola. O foco não é porque o filho de Kate e Bill fez isso. O foco é o que Kate e Bill vão fazer após o filho ter feito isso, incluindo nessa própria rota cinematográfica tanto as razões como as consequências. Comparando com o resto do filme até já temos uma explicação rasa da força maior. Num telefonema curto, conseguimos perceber que Bill é um homem cansado, não mantém uma relação forte com o filho e que ele deixa a sua família de lado como um bem intocável que sempre permanecerá lá, sacro e sem nenhum esforço. A problemática do homem é que, ao longo do tempo, ele acaba deixando de lado os problemas alheios. Não só isso, esquecendo de identificá-los num olhar, numa voz mais melancólica, em tudo que o filho deixou transparecer durante os anos e acabou transbordando. Quando o homicídio em massa ocorre, Bill enlouquece. Ele não consegue se perceber no meio da situação. Há uma vergonha pelo que o filho fez, há um impulso que grita mais alto e o chama de assassino frente a uma sociedade moralista. Mas Bill amava o assassino. Como se confronta sentimentos apenas com uma postura exemplar?

Bill se torna cada vez mais distante com o tempo, mas Kate vive a sua vida cada vez mais presente. Numa interpretação de entrega de Maria Bello, a mãe mostra sua faceta também nos primeiros minutos. Ela não é cega como o pai, ela é apenas míope. Ela enxerga o que ela quer, e ela quer enxergar os destroços da família perfeita. Ela sabe bem que o filho não está bem, ela sabe que seu casamento não é forte o bastante. Mas ela luta pra manter sua própria ilusão de que tudo está perfeito. Sua vida após o crime do filho é a paranoia. Ela não aceita o crime do filho, ela ainda o ama e não tem vergonha de admitir isso. O que mudou na vida de Kate foi apenas a maneira de enfrentar as coisas de sua vida: se antes ela lutava para manter um casamento que já tinha dado o seu máximo; agora ela apenas busca encontrar e reencontrar o filho - não o assassino - em todo o lugar que vá. Após o episódio, o casal vai até a casa do irmão de Kate e a atitude protetora e maternal com todos revela o que ela tenta esconder de si mesma.

Kate não foi a melhor mãe do mundo. Bill também não foi o melhor pai do mundo. Mas ambos foram, no fundo, pais. Então porque o filho acabou com a ilusão de ambos? Aqui, Maria Bello e Michael Sheen estão se doando à câmera para vivenciar o drama de seus filhos, estão procurando razões no fundo, enquanto na superfície eles apenas buscam uma forma de continuar nadando sem que se afoguem. Numa das cenas de maior emoção da obra, há uma discussão formada por meio de um plano-sequência que mostra a verdadeira face de Kate e de Bill para, então, ambos acabarem aceitando a situação em que foram colocados. Não se pode colocar verdade na ilusão ambiciosa do casal, apenas um massacre pode revelar a vida de mentira. Junto com filmes como Tiros em Columbine, Elefante e A Onda, Tarde Demais joga do lado de fatos que não são mostrados em noticiários. É o lado da família, que tem de aceitar uma dicotomia infernal dentro de lares destruídos. E não é a família da vítima, mas sim, a família que realmente sofre em uma pele que não tem culpa de existir.

NOTA: 8

9 comentários:

Kamila disse...

Estou curiosíssima por esse filme, especialmente por causa dessa premissa, que mostra um ponto de vista diferente de uma tragédia. Fora que parece que teremos duas belas atuações de Michael Sheen e Maria Bello.

Cristiano Contreiras disse...

Um filme muito bem feito. De grande proporção emotiva, é um trabalho que lida conosco, constantemente. Nos sentimos próximos do casal à beira do colapso. O fato é cruel, é extremo, é angustiante. Maria Bello merece uma indicação ao Oscar por esse personagem, além do desempenho sofrido e perfeito de Sheen - dois atores subestimados por todos, uma pena.

Teu texto está muito bom, ao invés de analisar a obra de maneira mais geral, superficial, você investe apenas na análise psicológica e motivadora dos dois. Parabéns! abraço

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

Que curioso: eu vi o filme tão disperso e tão sem encanto, que não me lembrava de metade que você trouxe para falar do filme. Sabe ver algo som sono? Me dei conta disso agora. Tenho-o gravado aqui. Vou revê-lo!

Alan Raspante disse...

Já tinha lido algo sobre, mas não sabia desta premissa. Muito interessante. E, pocha, que dupla boa, hein? Com certeza deve valer a pena.

Verei!

Adecio Moreira Jr. disse...

Eu fiquei interessado nesse filme quando vi o trailer pela primeira vez no começo do ano. O mote é interessantíssimo e os protagonistas, mesmo que já sejam conhecidos, têm a oportunidade de provar que não devem amargar como coadjuvantes em outras obras. Ansioso!

Amanda Aouad disse...

Fiquei interessada também, tudo parece instigante e adoro ver o outro lado da moeda, o que não aparece em destaque nos notíciais, como você fala.

Unknown disse...

pareceu interessante, vou colocar na lista para ser visto esse ano ainda. Otimo texto rapaz, alias, aqui sempre tem conteudo de qualidade. Abração!

Rodrigo Mendes disse...

Preciso conferir este Gabriel, embora ache a Maria Bello um atriz mediana, mesmo você apontando a entrega dela ao papel.

Seu texto aguça bem a curiosidade sobre o filme.

Abs.

Thiago Priess Valiati disse...

Não assisti ainda. Parece ser muito bom... Nota 8... Vou dar uma conferida. Valeu pela sugestão.
Abraços!