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13 de agosto de 2011

A Árvore da Vida (2011)

Um filme de Terrence Malick com Brad Pitt, Jessica Chastain e Hunter McCracken.

Nunca um filme foi tão completo quanto o novo do sombrio diretor Terrence Malick. A Árvore da Vida é uma reflexão precisa sobre não apenas a vida, mas sobre a morte, a educação, a moral e a religião, o crescimento e as etapas, a infância e a revolta, sobre tudo. Não é uma história sendo contada nas 2 horas e 20 minutos de sessão, mas é uma vida inteira. A primeira imagem do filme, após uma citação bíblica de Jó, é um jogo de luzes. A simbologia brinca durante o filme inteiro, marcando o nascimento do homem, a evolução do mundo e os instintos da natureza, tudo ao mesmo tempo. E é assim que se cria esse perfeito ganhador da Palma de Ouro em Cannes. Mas não pense que o acompanhamento à essa obra-prima é algo fácil para todos os espectadores.

Numa metáfora simples para o nascimento, para um bebê num útero, Malick dirige seu filme do jeito mais seguro possível. Aos poucos, A Árvore da Vida mostra seu tom: é um filme feito aos moldes de um trailer. Suas sequências são curtíssimas e ele prega mais por imagens sem linearidade da natureza do que de uma história junta. São momentos passando em diversos flashes por cena, que nunca se mantém num só personagem para dar o foco necessário. Com isso o filme fica cansativo por si próprio e maçante em diversas tomadas, mas também chegamos a descobrir os personagens. Temos um casal formado por Brad Pitt e Jessica Chastain. Enquanto o personagem de Pitt se mostra um arrependido em sua vida dura de trabalho, a personagem de Chastain narra a sessão com reflexões mais profundas. Brad Pitt traz um laço mais familiar para a família retratada, enquanto Jessica faz as duas coisas: o espiritual e o físico. Principalmente quando chega-se à parte da perda, acompanhada da revolta. Em meio à história de perda, o nascimento volta a ser mostrado em outras partes, mas como interpretações distintas. O nascimento de uma nova vida, o nascimento de uma nova etapa, o nascimento de um novo sentimento. O nascer atinge um grau importante para as imagens de Malick, assim como seu contraponto.

A morte é trabalhada de uma maneira mais profunda. Com o aprofundamento do assunto de morte, Malick usa um personagem questionador que pergunta não só sobre os valores da morte, mas também de qualquer dúvidas da vida. E para isso, quem melhor do que uma criança, mostrando o descobrimento da infância? A fase do certo, do errado e da dúvida, de forma que toda a filosofia infantil chegue aos olhos do espectador de maneira sutil. Aí entra Jack (personagem de Hunter McCracken e, no futuro, de Sean Penn), o filho mais velho que aguentou toda a disciplina imposta pela família. O pai, feito por Brad Pitt, é o retrato da moral humana exposta da maneira mais visceral possível: é a junção de normas com a religião de uma forma bem forte. A rigorosidade em casa é ainda posta em contraste com a personalidade de Jessica Chastain, a mãe doce e bondosa que sofre com tanto rigor. O ódio do pai é trabalhado de uma boa maneira aqui junto à morte. Em algumas cenas, não se pode distinguir se o personagem fala sobre o pai encarnado por Brad Pitt ou sobre Deus numa forma revoltosa. Talvez os dois modos, ambos irados com as ações da figura paternal espiritual e genealógica, e exprimindo toda a ira em inquietação. A ira é direcionada a todos. Deus é muito malvado, o pai é muito rigoroso, a mãe é muito condescendente. A infância mostra a pureza e a castidade.

Aí, em Deus, é que mora o perigo da sessão. Em meio a tanto mistério e a tanta confusão causada pela desconexão entre imagens e situações, Malick leva, no fim, o público a uma saída espiritual para a vida após a morte num apelo fortíssimo ao espiritismo. Após tantas questões, ele induz o amor ao divino e ao perdão por meio da bondade irremediável da mãe e do caráter desgostoso do pai. Foi uma saída utilizada por ele para conseguir achar uma continuação ao seu tema principal? Com certeza. Ele consegue trabalhar com a vivência em todas as esferas possíveis: na pré-história, nos dias atuais, no fim do mundo, na morte, na natureza. Mas com tanta religião, ele acaba destruindo a construção rebelde e cética que foi A Árvore da Vida em permanecer imparcial aos mistérios apresentados. O diretor ainda aproveita para retomar uma imagem passada de seus outros filmes e fazer uma referência à memória. Quem não viu, em alguns flashes, na retomada da história, numa casa de campo em meio a girassóis, o conflito principal de Cinzas no Paraíso? E, no meio da moral, do ódio, da morte e da idealização de uma vida, quem não viu detalhes de Terra de Ninguém?

A história acerta num tom que a faz se tratar de todos os assuntos possíveis no tempo mínimo estipulado para tanto. Mas também peca numa narrativa desgastante e numa linha desconexa, desconhecida para grande parte dos espectadores. O que deixa a desejar no roteiro complexo, se completa na estética primorosa. Aos poucos, uma cena feita com o auge sentimental de Jessica Chastain se exprime ao mesmo tempo que a natureza. Será só coincidência num momento de revolta um vulcão explodir, uma cachoeira ensurdecer, o vazio preencher o espaço não só na tela, mas na atmosfera com o silêncio? As imagens complementam as situações. Toda a existência humana cresce junto com o que a natureza faz de si mesma. O crescimento é tão importante quanto a morte e o nascimento, e ele é apresentado em todo o reino animal. Ver dinossauros em tela numa manifestação perfeita de arte e cinema, ver o nado de águas-vivas, ver uma casa submersa, ver uma mulher flutuante, está aí o trunfo e a pureza de todo o filme. Os efeitos especiais ficaram por conta de ninguém mais, ninguém menos que Douglas Trumbull, o mesmo de Blade Runner, Contatos Imediatos do Terceiro Grau, Star Trek e - mais coincidências a parte sobre o tema evolucionista - 2001: Uma Odisséia no Espaço.

A fotografia do filme é especial. Com um modelo simples da claridade excessiva no fundo, projetada pela luz do sol e de sombras se movimentando, ela consegue conquistar. Veja só a sutileza do mergulho de uma cobra, de uma borboleta, de fogos de artifício, de sementes. A morte consegue ficar bela na fotografia de Emmanuel Lubezki. Observe em cada cena como o sol sempre aparece para contrapor a escuridão de algumas partes, sempre centralizado em segundo plano. Essa claridade fica óbvia nas cenas finais com Sean Penn surgindo após a visão de sua história - uma participação que apenas serviu para criar uma aura mais espiritual na obra. Além da fotografia, a trilha sonora é algo essencial para o resultado. Alexander Desplat cria aqui uma orquestra de madeiras, metais, cordas, movimento e silêncio. É inteligente deixar o público, numa sala de cinema, se adaptar à falta de diálogos no filme e, bruscamente mas sem perder a magia da imagem, voltar com uma ópera ou com uma explosão de instrumentos musicais. Para completar, há as atuações que desfecham o filme. Brad Pitt está incrível, entregue a sua própria moral extremista e encarna tudo com precisão. Jessica Chastain, a doce menina que rouba as cenas, cativa o público com seu sorriso que, rapidamente, vira choro. E uma ressalva especial para o jovem Hunter McCracken, que consegue extrair qualquer expressão de um público atento num filme difícil. O nome de Sean Penn apenas está no pôster para popularidade, pois a participação dele no filme é desnecessária.

Não há como negar: A Árvore da Vida é um filme ame ou odeie, e o divisor de águas é até onde se vai para tentar compreender o que o filme traz. Ele pode realmente ser um filme vazio trazendo várias imagens soltas com uma fotografia belíssima - aposta forte do Oscar - ou pode ter um contexto filosófico falando de todas as fases e desafios do ponto de vista da infância. Ele pode ser 138 minutos bem aproveitados para reflexões futuras provindas de um nó na mente, ou pode ser apenas mais uma perda de tempo, como muitas pessoas reclamaram durante e após a sessão que assisti. Pode ser uma alucinação de um diretor maluco ou uma viagem pela espiritualização universal. Ou pode não ser nada. Poderia ser qualquer coisa, do mesmo modo. É um filme de questões, que ficam bem claras durante a sessão. Para onde vamos? De onde viemos? Quem é Deus? Porque ele é tão mau? O que não fica claro é se todo mundo chegou à resposta proposta pela religiosidade do diretor em amar, acreditar e, assim, aproveitar a vida.

NOTA: 8

12 comentários:

renatocinema disse...

Esse diretor é a prova viva de que mais vale qualidade do que quantidade.

Amo Além da Linha Vermelha e já percebi que esse novo trabalho será ainda melhor para meu gosto cinematográfico.

Quero aproveitar muito....o cinema e a vida.

Texto espetacular, um dos melhores que li no seu site.

Rafael W. disse...

Preciso assistir logo, parece ser lindão.

http://cinelupinha.blogspot.com/

Dolce Sogno disse...

Estou na lista dos que odiaram o filme. Apesar de toda crítica positiva, esse é um filme não linear, cujas sequencias de imagens da natureza são muito longas e cansativas. Convidei colegas pra assistir o filme apostando que seria um filme ótimo (o trailer engana), e acabei sendo crucificada pela péssima escolha.

uma crítica sobre disse...

O último parágrafo do seu texto resume tudo. E eu me incluo naquele que veem apenas maneirismo vazio e nulo nesse filme. Já vi tudo do Malick, inclusive seu único curta-metragem, e digo sem sombra de dúvida: A ÁRVORE DA VIDA é o seu pior e mais pretensioso filme. Não odiei o filme, apenas não gostei. Saí do cinema decepcionado. Mas a fotografia e a direção de arte são realmente inegável.

Acabo de escrever uma crítica sobre,

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

O último parágrafo do seu texto resume tudo. E eu me incluo naquele que veem apenas maneirismo vazio e nulo nesse filme. Já vi tudo do Malick, inclusive seu único curta-metragem, e digo sem sombra de dúvida: A ÁRVORE DA VIDA é o seu pior e mais pretensioso filme. Não odiei o filme, apenas não gostei. Saí do cinema decepcionado. Mas a fotografia e a direção de arte são realmente inegável.

Acabo de escrever uma crítica sobre, o filme, e destaco exatamente isso: um dos mais belos do mundo, mas o pior do Malick e a minha decepção do ano...

Aff...

Thiago Priess Valiati disse...

Valeu pelo comentário, amigo. Em breve vou fazer uma crítica, também, de Árvore da Vida. Achei este filme muito bom! Abs!

Anônimo disse...

Esse filme é maravilhoso, entendo que as reações de cada individuo se difere ao termino da sessão. A questão principal do filme é se devemos viver a vida com a graça que vive a mae Jessica ou como a natureza do Pai Brad Pitt. O filho Sean Pean, coloca este problema e acaba vivendo boa parte da sua vida com graça (mae)e boa parte de acordo com a natureza(rigoroso,competitivo, destruidor) do pai. Já mais velho conclui que é melhor viver com a graça(espiritualidade, amor, bondade...)O filme traz essa reflexão e considero muito atual nos dias de hoje.

Hugo disse...

Gosto do cinema de Malick, preciso conferir este novo trabalho.

Abraço

Thiago Priess Valiati disse...

Amigo, agradeço o comentários, os elogios e por ter linkado meu blog. Espero que seja apenas o começo de uma grande parceria!
Abs!

Anônimo disse...

Com muitas expectativas, vejo na quarta-feira sem falta.

David Cotos disse...

Muy buena película. Me gusto.

alexandre barros carmona disse...

Primeiramente, parabéns pelo blog! Você escreve muito bem e domina muito o assunto.
Minha percepção do filme foi curiosa e desconfortante, realmente deu nó quando estava por volta dos 25 minutos e eu não estava entendendo o que o filme queria mostrar, algo que senti até o final do filme....rs. O interessante é que Malick foi único no que fez, e mais, foi corajoso e autêntico para lançar algo tão complexo e diferente do comum. Acredito que esse sentimento desconfortável que criou em mim e talvez em muitos que assistiram é o desconforto que nós temos de não entendermos claramente da vida e principalmente....da morte. Um grande abraço a todos.