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28 de julho de 2011

As Bruxas de Salém (1996)

Um filme de Nicholas Hytner com Daniel Day-Lewis, Winona Ryder e Joan Allen.

Sentimentos extremistas e controlados são divididos por uma linha muito fraca e muito fácil de ser ultrapassada. Quando uma paixão vira uma obsessão? Quando a ira vira descontrole? Quando a justiça se torna vingança? E quando a verdade é modificada, ela ainda é verdade, mesmo se acreditada piamente para comprovar tal fato? E quando o poder vira controle, vira uma força motriz para almas alienadas, como conviver com uma decisão contrária? A credibilidade é demoníaca a partir do momento em que ela tem de eliminar quem a conteste. Tal fato, explorado em conceitos de verdade, justiça e religião e retratado na época intolerante de inquisições, é trazido à tona em As Bruxas de Salém, filme que mostra a relatividade e os dois lados da história com um ardor e uma paixão fortíssimas.
No povoado de Salém, no estado de Massachusetts, algumas garotas se unem para fazer um ritual, de forma a conseguirem conquistar seus amores. O ritual, que contém uma poção, danças e nudez, é flagrado por Samuel Parris (Bruce Davison), o reverendo de Salém. Por mais que as meninas tenham fugido, ele acha sua filha Betty Parris (Rachael Bella) e sua sobrinha Abigail Williams (Winona Ryder) ainda no local. No dia seguinte, sua filha não acorda mais, assim como a filha de outros vizinhos. Com esse inesperado episódio, ele chama outros reverendos de outras cidades para avaliar sua filha e dizer se ela está possuída pelo demônio após tal ritual "satânico". O caso acaba influenciando na vida de todo o povoado.
O tema é baseado num fato real, a Santa Inquisição, que chegou a matar nove milhões de pessoas no mundo inteiro no tempo que durou. Mas o filme se resume à histeria ocorrente em Salém, em 1692, onde dezenove pessoas foram enforcadas pela acusação da prática de bruxaria. O horror é visualizar, de um modo racional, o que realmente ocorreu na chacina que foi Salém. A diversão para o povo era alimentar sua alienação para poder manter a religião em voga, enquanto aqueles que ameaçavam sua principal fonte de fé eram enforcados. O ser-humano permanece o mesmo em instintos. Sua face não muda desde que pôde presenciar um massacre nos anos de história. A verdadeira face das acusações em Salém foi a mesma utilizada no pão e circo no Império Romano. Como se pode tachar uma religião que queima os outros na fogueira como uma religião liberal, um caminho para o amor? A verdadeira bruxaria de Salém foi sua religião intolerante e sua justiça cega, baseada na ingenuidade da idade e na vingança de moradores altamente odiosos. A batalha não termina entre a religião e a bruxaria que nunca existiu. A razão ainda batalha contra o sentimentalismo em todo o longa, causando uma indignação no espectador. A justiça com as próprias mãos foi usada, guiada por instintos altamente passionais e fatos egoístas. O coração gritou mais alto que a razão a palavra "bruxa!", e Salém entrou num conflito interno.
Com essa perturbação da racionalidade e a aceitação do absurdo, os personagens entram em cena e definem rapidamente suas características. Primeiramente, nos é apresentado a personalidade de Abigail Williams, a menina com personalidade forte interpretada belissimamente por uma assustadora Winona Ryder. Sua personagem causa repulsa e indignação na plateia, e ela consegue isso com uma dedicação extrema em seu ódio. Sua personagem é movida pelo ódio, pela ira, pela vingança. Ela é a verdadeira bruxa de Salém, contaminada pela magia de sua própria fúria. Após encerrar de uma maneira não tão delicada uma paixão antiga, ela busca todos os meios possíveis para acender a chama recíproca do amor em John Proctor. Proctor, interpretado por Daniel Day-Lewis, é um homem obstinado. Ele viu a verdadeira face de Abigail, uma menina consumida, o verdadeiro demônio. Com as acusações seguintes, ele começa a enlouquecer num dilema divino. Ele pode ser enforcado, mas não mentir e morrer consciente de um pecado que não prejudicou outrém. Mas ele pode salvar a vida e a da família mentindo, se assumindo um verdadeiro bruxo. Sua consciência limpa e a injustiça batalham num duelo entre todo o longa, e quando Day-Lewis finalmente explode, perto de seus momentos finais, é possível sentir o sofrimento desse homem em se entregar, em entregar sua alma e seu nome por algo que ele deveria possuir: justiça.
Outros personagens assumem uma atuação deliciosa e intrigante nos melhores momentos. Um bom exemplo é Elizabeth Proctor, papel de Joan Allen, que, de tamanha responsabilidade na verdade e na encarnação de sua personagem, foi indicada ao Oscar de melhor atriz coadjuvante do ano. De sua personagem, outro questionamento é trazido: onde uma mentira chega a ser melhor do que uma verdade? A morte de muitos é culpa da mentira de uma mulher que apenas dizia a verdade. A mentira é suficiente para esconder algo, mas faz apagá-lo? A vergonha da mancha em um nome que já foi manchado não é o ideal para limpá-lo. O filme inteiro de Nicholas Hytner, uma adaptação da peça de Arthur Miller, é um estudo da verdade e da mentira, e dos seus efeitos em sociedade. Criado para reproduzir um pedaço da intolerância e ignorância do século XVI, e faz isso com maestria. O figurino e o cenário fazem um bom contraste com o tema que é atemporal, e a fotografia cinzenta de Andrew Dunn torna o clima ainda mais sombrio. É o uso de uma sociedade por meio da crença. O fanatismo religioso e o poder exercido pela Igreja Católica são suficientes para o racional virar racional, para morte se tornar justiça e para o poder se tornar cego.
"Poder é toda chance, seja ela qual for, de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra a relutância dos outros". Essa relação feita por Max Weber encaixa-se no problema geral de As Bruxas de Salém. São pessoas fracas que, ao finalmente degustaram um pouco do poder, usam-no para uma manipulação bem pessoal, por meio de vias religiosas. É o bom se unindo ao agradável, é a imposição da justiça se unindo com o medo do inferno da religião. Pois o demônio, ele realmente existe, e a cara dele está nos humanos. O problema não são os sentimentos facilmente modificados, mas a suscetibilidade do ser-humano em aceitá-los.
NOTA: 10

7 comentários:

renatocinema disse...

10?

Daniel Day-Lewis era o único detalhe que me chamava para essa produção.

Porém, se você deu dez a um filme que nunca me atraiu tanto algo esta errado, com minha atração. kkk

Vou assistir urgente.

Cristiano Contreiras disse...

A maneira como esse filme coloca um "fator mentira" sobre a sociedade e esta aceita como "fator realidade" é de causar indignação. Teu texto está perfeito, delineou todos os pontos totais do filme, só me resta concordar. É impossível não se comover e não sentir dor com esse filme que, até hoje, é atual e é denso. É doloroso vermos um fato que surge em função de uma estúpida mentira coletiva, diante de um amor de uma louca que era Abigail, virar um caos total. Mais doloroso é confirmar o quão ridículo era a o ser humano dentro da Igreja Católica, com seus princípios loucos e sensos deturpados.

Filmaço! Um marco!
Também dou nota 10.

Day-Lewis está perfeito, mas me impressiona a atuação de Winona, uma atriz que pouco se destacou na carreira. abs

Alan Raspante disse...

Nossa, não imaginava que o filme fosse tão bom assim. Não boatava fé mesmo! Vou assistir o quanto antes!

Nelson L. Rodrigues disse...

Prezado Blogueiro e cinéfilo

Seu blog está sendo indicado para o prêmio do Selo Ingmar Bergman. O Selo foi criado pelos professores e blogueiros cinéfilos Nelson Rodrigues do blog Filocinética e Luiz Santiago do blog Cinebulição com o objetivo de premiar os melhores blogs sobre cinema, ou cinema e suas relações com outras áreas do saber humano, incentivando assim uma interdisciplinaridade.

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Boa sorte!

Augusto disse...

Esse filme eh importante e muito forte...me chocou e jamais vou esquecer.
Seu texto tah legal, mas você poderia ser mais sucinto, pra quem nao viu o filme ou nao conhece nao entende o que vc quer dizer...voce enrola e volta pro mesmo ponto...e conta muito do filme. aabraço

ANTONIO NAHUD disse...

Um filme fantástico. Grande atuação da Winona, uma atriz com uma carreira espetacular, de Na Época da Inocência a Drácula.
Cumprimentos cinéfilos!

O Falcão Maltês

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

Filme bom mesmo, mas 10? Sério? UAU! Me impressionou, mesmo com as suas colocações no texto...