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4 de julho de 2011

Abraços Partidos (2009)

Um filme de Pedro Almodóvar com Penélope Cruz, Lluís Homar e Blanca Portillo.

Uma paixão inicial. Outra paixão, mas dessa vez proibida. Intrigas, ciúmes, traições, sonhos, promessas. O homem acaba consumindo os outros por sua doença amorosa e seus trágicos sintomas. Tragédia. E vida. A vida simplesmente continua, com resquícios do que ficou, com saudades do que passou, com ânsia e ansiedade pelo que virá. Continua, se agarrando ao que restou para não admitir a si mesmo como a vida não consegue seguir sozinha, uma vez que ela já tinha se unido. É uma fórmula que vem sendo usada em adultérios, em perdas, em melancolia e tristeza. A diferenciação de Almodóvar aqui não é o roteiro, mas a beleza única de cada cena. O filme certamente tem uma veia muito mais dramática do que realista, assim como qualquer outro filme do diretor espanhol. E isso não é problema. É cinema.
Diego (Tamar Novas) é filho de Judit García (Blanca Portillo), a diretora de produção do cineasta cego Harry Caine (Lluís Homar). Quando Judit viaja e deixa seu filho com Harry, o menino sofre um acidente na boate onde trabalha. Quando Harry vai socorrê-lo, Diego começa a indagar sobre o passado do diretor. A partir daí, Harry começa com suas lembranças e explica ao garoto que o nome dele de verdade é Mateo Blanco e que teve um passado conturbado com o milionário Ernesto Martel (José Luiz Gómez) e com a aspirante à atriz Lena (Penélope Cruz). No tempo presente, o filho de Ernesto, Ray X (Rubén Ochandiano) procura Harry para fazer um filme autobiográfico.
As paixões ilícitas surgem a cada cena para contrastar com o ambiente criado. Uma fotografia que acompanha as cores contrastantes de Almodóvar. No filme, um vermelho não pode ser morto. A obra deve viver não só por atores representarem uma situação, mas por tudo no cenário estar vivo e interagindo a cada momento com os artistas. E o diretor sabe fazer um mise en scène como ninguém mais, o que mostra nessa obra extremamente metalinguística. Mas aqui a arte de se fazer um filme não é tratada com interação com o espectador, mas com personagens. É o clássico filme dentro de um filme, um Almodóvar dentro de um Almodóvar. A atuação é correta e segura o filme, até o eleva para patamares bem maiores já que ele começa a alternar entre a descontração romântica e um drama asfixiante. Penélope Cruz rouba a cena quando aparece. Já não basta sua beleza, sua atuação ainda combina para colocá-la em seu posto de musa. Seus risos e sua caracterização são verdadeiros o bastante até quando beiram o artificial, suas lágrimas e suas expressões conseguem atrair o público até o rosto de cruz e ter um foco nela para codificar as diversas situações que são jogadas na tela sem uma ordem cronológica, sem um ritmo específico. As imagens vistas no trailer de Abraços Partidos já são o bastante para demonstrar isso: Penélope entra numa sala e, ao ser focalizada ao fundo, desvia a atenção do que ainda acontece no primeiro plano com seus gestos e sua narração.
Penélope apresenta mais um trabalho excelente, mas é incompleto apenas falar sobre ela. Blanca Portillo, por menos que apareça no filme, ainda tem uma participação importante. E marca isso com uma força de interpretação imensa. Lluís Homar é o motor principal do filme e consegue criar uma atmosfera respeitosa em seu papel, o que o caráter de seu personagem pede. Sua voz é vigorosa ao mesmo tempo que não atinge autoritariedade o bastante para ser odiado. José Luiz Gómez e Rubén Ochandiano convencem, cada um em seu papel, exalando uma raiva que é constatada em movimentos diferentes. Enquanto um utiliza o ódio graças ao poder material que exerce nas pessoas, - e constrói isso bem em cena - o outro usa trejeitos mais estereotipados para conseguir exprimir o rancor. Além do tudo, o filme ainda possui uma fotografia belíssima que deixa a obra ainda mais viva, mérito de Rodrigo Prieto. Abraços Partidos se torna um filme sob medida, fazendo uma homenagem silenciosa e dramática sobre o cinema. Mas, obviamente, é preciso exagerar em alguns pontos para criar o diferencial. O excesso de melodrama acaba tomando conta das telas e isso, consequentemente, acaba tornando o que deveria ser verdadeiro em superficial.
A trilha sonora é um fator importante no filme. Feita por Alberto Iglesias, ela faz mais do que acompanhar cenas. Ela narra a melancolia. Ela celebra um romance. Ela dialoga com os personagens pensativos e ela acompanha os que tomam drásticas decisões. No ápice do filme, entra em cena uma canção tocada no violão num ritmo que se assemelha a uma balada. É a mesma música que aparece na divulgação do filme, Werewolf da cantora Cat Power. E os versos da cantora são uma descrição perfeita do que virá a seguir na cenas. Ou então do que já foi visto, já que a interrupção da cronologia causa esse efeito de déjà vu. Ninguém sabe o quanto eu amei o homem lobo, enquanto eu rasgava suas roupas, canta a intérprete. Enquanto isso, a paixão ardente entre Lena e, até então, Mateo é mostrada em cena. A distinção dos amores de Lena é feita com motivações o bastante para ninguém condená-la por adultério. A paixão só não parece verdadeira para os personagens, ninguém sabe o quanto ela ama o homem lobo. O lobisomem, o lobisomem tem compaixão assim como você e eu, completa. O caráter de cada um se torna o alvo da crítica. Depois de sua própria transformação em lobisomem, Mateo Blanco não abandona seu amor após virar Harry Caine. Não abandona a bela moça por quem se apaixonou, não abandona sua paixão pelos filmes. É um cinema altamente passional, sem ser influenciado por fatores externos, apenas pelo que realmente faz cinema. Eu vi o lobisomem, e o lobisomem estava chorando, ela termina em sua voz tão melancólica quanto o filme em si.
Um filme precisa ser feito, ainda que às cegas. Abraços Partidos é a transformação agindo sobre a superação. É simplesmente a válvula de escape. Não se pode esperar algo simples e fácil depois que se perde aquilo que se ama. E é o amor o principal questionamento do filme. A importância tachada às coisas permanece a mesma em vida e morte. Harry Caine é o amor controlado, é a paixão ardorosa. Mateo Blanco é o amor instável. E a vida não precisa de uma metamorfose tão extrema para provar que amor ainda é amor. E aqui o que importa é o amor de Mateo Blanco por Lena, o amor de Harry Caine por seu filme incompleto e o amor de Almodóvar pelo cinema. Um amor abstrato, não material. Um amor transformado, mas o mesmo amor no fim das contas.
NOTA: 9

7 comentários:

Adecio Moreira Jr. disse...

Há algumas semanas atrás eu estava fazendo maratona Almodóvar. E, rapaz, o cara SABE o que faz.

Como você diz em uma das tantas definições que você deu. "É cinema."

E dos bons.

renatocinema disse...

É Cinema imperdível. Adoro o estilo do diretor.

Parabéns pelo ótimo texto.

Tragédia, vida.....Almodovar. Meu estilo de sétima arte.

Rodrigo disse...

Adoro o Almodóvar, mas não tive coragem de ver porque falaram muito mal. Porém, você falou bem, e costumo concordar bastante com seus textos. Abraços.

Anônimo disse...

Um dos melhores filmes de Almodóvar.

Rodrigo Mendes disse...

Ótimo texto Gabriel. Eu amo (usar a palavra amor sem vergonha) os filmes de Almodóvar. Abraços...é o menos surpreendente de todos os seus filmes deste espanhol na minha opinião comparado tb aos últimos tão grandiosos como "Fale c/ Ela" "Tudo Sobre Minha Mãe" e "Volver", mas o filme encanta mesmo assim.

Abs.
Rodrigo

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

Gosto taaaanto desse filme! Lembro que fui vê-lo na pré-estreia aqui em Sampa, sessão da 0h10, e a sala estava lotada e saíram pessoas flutuando, tal o poder do filme. Um dos melhores do mestre espanhol, com certeza!

E ele entrou tanto na lista de melhores metalinguísticos, quanto o Almodóvar na de melhores diretores. Merecidíssimas as duas indicações!

Ezequiel Fernandes disse...

Esse filme é porreta. Uma ode a estética da linguagem em detrimento da fluência da história. Que funciona. Uma obra de imensa arte de Almodovar. Meu preferido dele. Abraços