Pages

25 de maio de 2011

Crash - No Limite (2004)

Um filme de Paul Haggis com Sandra Bullock, Don Cheadle e Michael Peña.

Não é segredo para ninguém que ocorre uma guerra infinita no Oriente Médio, apenas por um conflito territorial e religioso. Não é segredo para ninguém que o momento em que o negro realmente virou um cidadão foi muito recentemente, depois de uma luta mundial em meio a Apartheid's e Ku Klux Klan's. Tamanha crueldade foi vivenciada em anos de história que tiveram contra-culturas, movimentos feministas e panteras negras, feitos para alcançar um único objetivo que deveria ser universal e inalienável: igualdade. Mesmo assim, o problema não acaba. O preconceito já está tão enraizado em nossa sociedade que é impossível falar de nossa história sem citá-lo subliminarmente.
Um persa chamado Farhad (Shaun Toub), que sabe pouco da língua americana, e sua filha Dorri (Bahar Soomekh) moram em Los Angeles e vão comprar uma arma para proteger a loja da família dos preconceituosos que a atacam. O casal Rick e Jean Cabot (Brendan Fraser e Sandra Bullock, respectivamente) tem o carro roubado após uma bela noite por Anthony (Ludacris) e Peter (Larenz Tate). O detetive Graham Waters (Don Cheadle) enfrenta sua mãe para a aceitação da namorada branca, Ria (Jennifer Esposito). Daniel (Michael Peña) trabalha trocando fechaduras arduamente, e mesmo assim não se cansa e ainda consegue animar a infância de sua filha Lara (Ashlyn Sanchez) dos perigos do mundo. Os oficiais John Ryan e Tom Hansen (Matt Dillon e Ryan Phillippe) estão patrulhando, até que param o carro de do casal Cameron e Christina Thayer (Terrence Howard e Thandie Newton), o que acaba num assédio sexual. Todas essas histórias se ligam por meio de um acidente. Crash.
Alguns dizem que o Crash se resume a uma síntese da sociedade pós 11 de Setembro. A sociedade sempre foi assim e sempre será, antes ou depois do atentado às torres gêmeas. O que o ataque terrorista fez foi apenas mostrar um rancor que sempre esteve lá, mas com receio de se manifestar pela ética e pela moral das regras em convívio. Agora a xenofobia anda explícita. O preconceito em Crash é tudo fruto do medo. Medo dos negros pela raça branca, medo dos brancos pela raça negra, medo da sua própria raça. Medo da cultura latina, da cultura asiática, medo das minorias. E o medo anda pela tela com suas próprias pernas. Já é algo que caminha junto a uma cultura milenar, controla os próprios movimentos e assume as características e palavras impensadas. Às vezes o medo aparece em cena na forma da raiva, o que torna as ações ainda mais instintivas e menos racionais, desencadeando um efeito dominó baseado na teoria do caos durante todos os 100 minutos da sessão. Duração pequena mas muito bem aproveitada para Haggis expor seus argumentos de maneira diferenciada.
O ritmo do filme é atordoante e não perde a linha, uma situação desesperadora passa para outra ainda mais tensa com facilidade. O racismo contorna as ações, por mais que elas sejam sutilmente mascaradas para dar um duplo sentido em diálogos preconceituosos. É a não incriminação e um pseudo senso de ética se manifestando. Mas o racismo está lá, gritando para que o espectador perceba e se envergonhe, porque além de estar na tela ele está no público. O quão repugnante é você temer a sua própria raça? Não poder confiar no seu irmão? Geraldo Vandré cantava na época da ditadura que "somos todos iguais, braços dados ou não". No entanto, essa igualdade não está presente em nosso cotidiano. Se há alguém que expressa isso muitíssimo bem em cena é Ryan Phillippe, um policial que é um preconceituoso enrustido. Você não confiar em alguém por um motivo tão simplório quanto a cor da pele é algo mais perdoável do que você, explicitamente, assediar alguém num abuso do poder? Tudo está perfeito em Crash: a edição, o elenco, o roteiro, a direção, a fotografia e o cenário. Mas não seria nada sem o preconceito. Obrigado humanidade, por tamanho laboratório de personagens.
Mas antes de uma crítica forte a tamanho preconceito explícito, há um porém. As pessoas mudam. Não importa que você seja um corrupto ou utilize da força para explorar outros, se você se encontra numa situação extrema você faz coisas impensáveis. Os personagens podem passar de racistas convictos a pessoas tolerantes e salvadores em uma fração de segundos. A tolerância pode ser um plano de fundo para um preconceito que tem vergonha de se mostrar. Isso é um ótimo argumento a ser explorado nas vidas falsas de rancor e futilidade mostradas em cena, mas o preconceito ainda deixa marcas impossíveis de serem apagadas. A fotografia do filme é escura, colorida com os focos de luz aparentes na tela, sejam eles de faróis de carros embaçados ou das luzes de neon artificiais da cidade dos anjos. O elenco trabalha em sintonia, e não há ninguém que se sobressaia aos demais, merecendo a todos uma ressalva especial. Por menos que apareçam em cena, Michael Peña me emocionou em tamanho carisma numa relação familiar; Matt Dillon me surpreendeu com a força de seu personagem ambíguo; e Sandra Bullock roubou minhas lágrimas em sua última aparição.
Filmes com uma abordagem óbvia e usual sobre o preconceito já tiveram sua época. Ainda é ótimo ver pessoas que vão ao cinema ver uma combinação nada inédita de drama e comédia sobre o racismo, o cinema é uma arma poderosa para se acabar com o preconceito. A diferença entre eles e Crash é que esse filme é o preconceito, enquanto outros apenas o abordam. E a razão pela qual a obra de Paul Haggis, que chegou a faturar o Oscar de melhor filme em 2006, consegue ter tamanho reconhecimento é pela sua veracidade. Todas as cenas são fundadas em situações que ocorrem em qualquer lugar, ações e consequências que ocorrem com qualquer um e o preconceito, que está espalhado no mundo, implicita ou explicitamente. Não há um individualismo, há massas, há generalizações, há uma cidade inteira, há um país inteiro, há nosso mundo. Crash é isso.
NOTA: 8

5 comentários:

Adecio Moreira Jr. disse...

Tudo bem que é uma tentativa de ser um Iñárritu mais "americano".

Tudo bem que tem Sandra Bullock.

Tudo bem que tem Brendan Fraser.

Tudo bem que tem Ryan Phillippe.

Eu acho o filme uma graça...

Alan Raspante disse...

Acho muito bacana o modo como Haggis mostrou e costurou as histórias. Ficou bastante interessante. O modo como retrata o preconceito é muito bom, mesmo que seja muito didático. Faz bem a sua lição de casa...

Hugo disse...

Paul Haggis cruza com maestria os vários personagens num emaranhado de diferenças culturais, sociais e raciais que vem à tona quase sempre na pior forma possível.

Grande filme.

Abraço

Cristiano Contreiras disse...

Gosto desse filme, mas depois de tantos trabalhos e roteiros que souberam muito bem explorar os encontros, desencontros e emaranhado de personagens diversos, esse perde feio pros outros.

De todos, tem um que mais gosto, é o tal do "Magnolia", pra mim esse sim consegue sustentar melhor diversos personagens, histórias e sentidos existenciais de cada um. A direção, o elenco e roteiro fizeram daquele filme uma obra-prima. Supremo mesmo.

Mas, "Crash" tem seu valor, eu me comovi também, inclusive pela excepcional trilha sonora de Mark Isham, você nem citou, que ajuda na articulação da emoção em diversas cenas. Aliás, é uma das melhores trilhas sonoras de todos os tempos.

Só sei que esse filme provocou "revoltas" em diversos cinéfilos e pessoas por conta de ter "roubado" o oscar de "Brokeback Mountain" que, obviamente, é mais intenso e superior. Mas, como sabemos, os velhinhos-da-Academia são preconceituosos.

Seu texto está ótimo, como sempre!
Abraço

Rodrigo disse...

Merecia ganhar o Oscar de melhor filme? Não. Mas está longe de ser ruim. Na verdade, é um intenso drama que funciona maravilhosamente bem. Não concordo com o ódio que recebe de algumas pessoas. Abraços.