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13 de abril de 2011

Sozinho Contra Todos (1998)

Um filme de Gaspar Noé com Philippe Nahon.

O diretor franco-argentino Gaspar Noé pode ser considerado um dos mais incômodos e angustiantes da atualidade. Ele não se contenta em apenas apontar para um certo lugar para o público perceber que há um problema, ele precisa mostrar e explorar da maneira mais vil e vulgar as mazelas sociais. Ele cria uma atmosfera de tensão que intimida o espectador durante toda a sessão, fazendo a estética se voltar contra quem assiste o filme. E ele aborda tabus tão profundamente que ele faz algo pior do que enojar o espectador: ele cria personagens de forma a fazer o incorreto, segundo a sociedade, parecer extremamente aceito. Essa obra é uma abordagem crua e diferente de uma temática já condenada com base numa alma perturbada pela solidão.
Como uma continuação do média-metragem Carne, Sozinho Contra Todos conta a história do açougueiro (Philippe Nahon), um homem frio e violento que carrega em seu íntimo uma fúria infinita, que é descarregada aos poucos no mundo em sua volta e na podridão de cada detalhe dele. A história aqui se faz depois do primeiro episódio, onde ele desfigura um homem que teria supostamente abusado de sua filha Cynthia (Blandine Lenoir). Depois disso, ele sai de Paris e o retrato que vemos dessa criatura perturbada é uma análise profunda do ser humano no auge do seu pessimismo e vulgaridade, sem escapar em momento algum, do mundo real.
Engana-se quem vai ao cinema de Noé e procura ver uma Paris retratada em moldes românticos, com tons vermelhos vivos cheios de paixão, com mentes que se contentam na felicidade eterna e personagens que buscam apenas vivenciar um sonho. Aqui tudo é real. Se é cruel, se é terrível, se é repulsivo, isso tudo é fruto da realidade que construímos em cima de uma situação específica. Os 90 minutos da sessão tratam das sequelas de uma vida solitária, com uma narração em off acompanhada por diálogos profundos de existencialismo, uma fotografia enjoativa em diversos tons amarelados e sem qualquer trilha sonora ou uma movimentação constante da câmera que permanece parada. Philippe Nahon é um monstro em sua atuação impecável e fria. Ele consegue criar um distanciamento do público que anseia por um protagonista nessa história tão incômoda e, durante todo o tempo que ele aparece na tela, todos os sentimentos giram em torno do nojo dos pensamentos. É um molde da pior doença de um ser-humano, e ela se chama vida. E quando essa doença ainda é complementada com o "dom" do pensamento, ela vira uma tortura.
Aguentar Sozinho Contra Todos chega a ser torturante. A simplicidade dessa afirmação se concentra no fato do que é representado no filme. As pessoas que utilizam os filmes de modo escapista dificilmente veem o filme de Noé até o fim, porque tudo lá é feito com tamanha veracidade misturada com a podridão da vida na miséria que o resultado nada mais é que uma realidade aprofundada, literalmente, no fundo do poço. O vocabulário do protagonista não é exatamente o apropriado e o mais utilizado para questões filosóficas, tal como viver e sobreviver. A mente do protagonista não pode ser qualificada de equilibrada ou normal. E tudo isso com uma razão. Para que continuar explorando a beleza rara de paixões num mundo hostil? Vamos pegar um exemplo do mundo e mostrar para o espectador o que ele é, em sua pior forma. Vamos enojá-lo com a verdade, até ele sair no meio da sessão de diálogos e ações doentias, mas fortes.
O filme inteiro fica a mercê de um único personagem, motivado por uma mente que incomoda mais do que agrada. Para que fazer um filme assim? A pergunta do diretor já é diferente: Porque não? Em certo ponto, um aviso surge na tela, dizendo que temos 30 segundos para sair da sessão e vivenciar o ápice daquele festival de loucura e medo. Tudo no filme é gerado por tamanha solidão que deixou uma pessoa viver com seus piores pensamentos, que ele tivesse tempo o suficiente na mediocridade da vida para pensar em assuntos que deveriam permanecer impensados no subconsciente. Não importa o que se diga sobre Sozinho Contra Todos, não importa o que se leia sobre Gaspar Noé, não importa o quanto eu fale sobre Philippe Nahon e a estética do filme, nada terá o mesmo peso se não for vivenciado. Mas se prepare para realmente vivenciar a dinâmica insana de realidade desse filme.
NOTA: 8

5 comentários:

Adecio Moreira Jr. disse...

É duro aguentar um Gaspar Noé mesmo, viu.

Dele só assisti "Irreversível", e fiquei traumatizado.

^^

Rodrigo Mendes disse...

Oi Gabriel! Seux texto me deixou curioso. Ótimo e informativo!
Do NOÉ nunca me sai da cabeça Irreversível. Depois vi alguns filmes, mas este ainda não.

Cineasta provocador.

Abs.
RODRIGO

Hugo disse...

Assisti apenas "Irrevesível" que é um soco no estômago, mas tem qualidade.

Tb fiquei curioso sobre este outro longa.

Abraço

Alan Raspante disse...

A história é intrigante e sendo de Noé pode se esperar de tudo. Vou procurar assistir!

abs.

oicramdf disse...

Cinema é arte, e nem toda arte é saborosa, é palatável... Salve Noé..