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11 de fevereiro de 2011

Não Me Abandone Jamais (2010)

Um filme de Mark Romanek com Carey Mulligan, Andrew Garfield e Keira Knightley.

O filme é traiçoeiro. Ele consegue misturar uma tonelada de histórias bonitinhas que não renderiam nada se fossem colocadas num contexto normal com uma trama dramática intensa, e isso misturado com o elenco que faz parte de Não Me Abandone Jamais rende um filmaço. Através de uma discussão até boa para chegar ao nível de crueldade que alguém pode chegar para o bem comum - esse bem comum merece mesmo esse nome? - o filme conta, delicadamente, uma história melancólica até demais e muito sensível. Mas o que é esse filme? É apenas mais uma obra de ficção feita para reproduzir nas telas o belíssimo livro de Kazuo Ishiguro ou pode até ser considerada uma profecia para uma medicina que condena vidas e salva outras? Mark Romanek é esperto ao mostrar um lado da história que ninguém vê, que é o amor onde não deveria haver vida.
Quando criança, Kathy H. (Izzy Meikle-Small) vivia em Hailsham, um internato inglês junto com várias outras crianças que se acreditavam especiais em tudo e eram afastadas de um mundo externo que nunca conheceram. Nenhuma das crianças parecia se importar com o fato, até porque tinham medo do mundo de fora. Kathy vivia então desse modo, com seus amigos Tommy (Charlie Rowe) e Ruth (Ella Purnell). Mas, num dia, a nova professora revela para os alunos o que há de tão especial neles. Eles crescem, carregando o peso dessa revelação nas costas e tendo de conviver com isso diariamente. Porém, por mais que tudo isso seja chocante o bastante, Kathy (Carey Mulligan), já crescida, sente falta de seus anos escolares. Quando nada mais parece dar esperanças à Kathy, ela revê seus amigos Tommy (Andrew Garfield) e Ruth (Keira Knightley), ambos já vivendo com o fardo que é o destino deles. Agora, depois de tantos anos, ela quer reviver sua amizade e seus amores, já que o tempo não é mais seu amigo.
O filme é desesperador e tocante. Crueldade? Quem sabe. Não há mais distinção de humanidade para as crianças de Hailsham. Os entregadores olham para as crianças com uma melancolia no olhar. Os novos professores tem receio dos estudantes por saberem de um segredo chocante demais para crianças dessa idade conseguirem suportar. Muitos nutrem por eles um sentimento em especial. Amor, confiança? Nada passa de pena. E o problema é que compaixão não consegue mudar nada no mundo, então todos têm de conviver com a crueldade humana, que insiste em mudar a própria culpa num destino não escolhido para ninguém. Mas acredito que a situação posso chegar a isso algum dia, e todos ainda não se considerarão culpados. O que é um sacrifício a mais ou a menos para um avanço imenso na cura para diversas áreas da medicina? O simples do filme é que nada mostrado é considerado um sacrifício, simplesmente porque não conseguem aceitar o caráter humano dele.
A humanidade se perdeu. Ela só surge do lugar mais inesperado, um lugar onde não deveriam haver humanos. O que é humanidade? É sentir pena e compaixão de outras pessoas e não conseguir se mover para ajudá-las a superar essa carga? Ou é conviver com um peso árduo diariamente, sabendo que os dias estão contados, mas ainda ter, acima de tudo, esperanças? O sentimentalismo do filme é o separador de águas da sessão. Achava que Carey Mulligan tinha interpretado o papel de sua vida no simplista Educação, mas sua personagem aqui é tão forte quanto o marco de sua carreira. Centrada e racional, às vezes se mostrando até não emocional para comover, Mulligan se move com brilhantismo em sua personagem. Ninguém no longa tem motivos para sorrir, e é essa falta de sentimentos que o torna tão melancólico. Podem até achar que me equivoquei aqui, mas é exatamente isso. O filme mostra personagens aparentemente sem sentimentos, que foram forçados a acreditar que não deveriam sentir, tendo emoções fortíssimas resultantes de relações amorosas de amor e amizade. Um filme sentimental sem sentimentos, exalando tristeza.
As relações sociais vividas por Kathy são representadas em duas partes tão fortes quanto a protagonista. Ruth é a melhor amiga de Kathy, e isso marca a vida das duas. Mas a humanidade do filme não para em mostrar apenas os bons sentimentos de um humano, e sim mais do que isso. Ruth não vive só de amizade. Por mais que ela seja amiga de Kathy, ela ainda tem de ser o centro de atenções, para parecer uma pessoa que não é para fugir de uma existência que nunca quis. Ela é invejosa, ela é ciumenta, ela é ardilosa. Ela acaba com vidas para conseguir o que quer, não importa que vidas sejam, não importa se a vida seja a dela própria. Por mais que Ruth se escondesse atrás de sua falsidade e ciúmes, ela prezava por uma amizade inacabada cada vez mais e mais. Além da amizade, ainda temos o amor, representado pelo personagem inseguro do ótimo Andrew Garfield. A paixão da infância permanece viva enquanto as almas gêmeas desse romance se separam e começam a morrer ao chegar perto de sua "data de validade". Por mais que as pessoas morram, o amor ainda continua vivo. Kathy e Tommy lutam para escapar de suas obrigações para com a humanidade, e lutam forte o bastante para comover o espectador e fazer crer num verdadeiro amor entre os dois, um amor impossível que se torna até possível.
Nesse turbilhão de sentimentos, os jovens se tornam pessoas. As pessoas é que se tornam piores ao condenar jovens almas que nunca fizeram nada para merecer o que lhes foi reservado. A falta de luta dos personagens, a falta de uma rebeldia, apenas mantém os jovens cada vez mais humanos, ao aceitar com condescendência o destino. Os jovens sobrevivem de sentimentos, lembranças, memórias, amores, amizades, e assim suportam a vida que lhes foi dada e sonham com uma vida que lhes foi privada. As pessoas apenas tentam achar justificativas para não se julgarem tão más assim, para dizer cada dia a si mesmo: "toda essa dor é necessária". Necessária mesmo? Uma direção competente de Mark Romanek caracteriza a parte dramática do filme ao misturar cenários de extrema solidão de uma Londres fria, isso junto com uma fotografia escura com tons amarelados e azuis. E tudo isso feito belissimamente. Outro fator que só auxiliou foi a ingenuidade dos personagens, que nos deixam cada vez mais próximos deles. Carey Mulligan move a história com força junto de Andrew Garfield, altamente competente e com uma carreira promissora, e Keira Knightley, que tem uma atuação extremamente boa e crível em sua personagem com personalidade forte. Ainda há a trilha sonora de Rachel Portman, apenas aumentando o tom melancólico da fita com baladas amorosas.
É um filme extremamente bom. Cria um romance no meio de uma história que, sozinha, renderia um drama assistível e com forte impacto. Mas o foco do filme continua sendo o amor, ainda mais porque esse prevalece sobre o drama no filme, e o drama serve de base para a paixão mostrada nas telas. O amor - não apenas um sentimento, mas todos para alguém com quem você sente afeição - é a característica que torna Não Me Abandone Jamais um filme desumanamente humano ao mostrar o segundo lado de uma situação extremamente fria. É um círculo vicioso formado a partir de um coração batendo. E, por mais que esse coração seja feito para parar de bater, ele bate forte enquanto vive, luta e ama.
NOTA: 10

12 comentários:

renatocinema disse...

10? tem certeza?

Eu vou assistir. Acho que deve ser realmente muito bom.

Cisne Negro é uma boa produção. Mas, Portman humilha em seu trabalho. Ela esta perfeita. Filme para assistir mil vezes e a cada vez descobrir um olhar novo, uma nova sensação.

Alan Raspante disse...

Preferi não ler tudo. Mesmo sabendo um pouco sobre a sinopse, quero ainda que o filme me pegue desprevenido, rs

O elenco é bom, uma sinopse bacana. Enfim, estou doido pra ver!!!!!!!

Renato Oliveira disse...

Oi Gabriel!

O roteiro deste filme está realmente intrigante. E assim como você escreveu, também acredito que é necessário expor a crueldade humana no que diz respeito a ausência de afeto das próprias relações. É um tema que tem sido bem explorado e que evidentemente está bastante próximo a realidade.

Um abraço,
www.cinefreud.com

Cristiano Contreiras disse...

Mais um belo texto, analítico e sensível sobre esse filme tão denso e tão triste que me deixou arrasado.

É dolorido, mas faz pensar sobre como a vida é efêmera, como tudo deve ser aproveitado intensamente. E o tempo corre e nem vemos: a vida se perde se não amarmos mais, se não aproveitarmos mesmo cada segundo dela.

O elenco é um máximo, e é triste observar a 'impotência' de seus personagens que nada fazem pra mudar a condição, diante da morte que virá...

Abraços!

Ju B. disse...

Parece simplesmente perfeito. Eu que adoro um belo drama preciso assistir urgentemente. Ótimo seu texto!
Tava ausente mas já voltei a postar e visitar os outros blogs. Bom estar de volta. ^^
Bjs!

Ana Paula Botelho disse...

poxa...preciso ver esse filme urgente...

nem li todo seu texto, vc continua contando muita coisa do filme, pra quem viu é desagradável...tente fazer textos mais sintéticos, beijos

Rodrigo disse...

Que texto, hein? Primeira vez que venhi aqui e me deparo com essa maravilha. Quero muito ve esse filme. E caramba, qual é o futuro delas. Toda hora achava que você ia revela, porém sempre escapava. To devidamente seguindo. Abrass

Ricardo Morgan disse...

Não vi esse filme. Seu texto foi atraente. Boa dica!
Um abraço

ANTONIO NAHUD disse...

Gosto da Carey Muligan.
Parabéns pelo blog.

www.ofalcaomaltes.blogspot.com

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

Depois de ler teu texto, não tem como não querer ver o filme. Parece-me que a emoção retratada na tela te impregnou, quando escreveu. Vou conferir sim.

=)

Natalia Xavier disse...

Não dei esta nota para o filme, por conta de alguns meros detalhes. Mas acho uma nota digna.

Eu me senti mto mal depois que terminei de assistir. Fiquei com uma especie de buraco, uma sensação ruim, sabe? Mas achei sensacional porque ele te leva a milhares de reflexoes seja sobre amor sacrificio e até questoes sobre a humanidade ou ciencia.

A Cena de Tommy pedindo para Kathy parar o carro foi sem duvida a mais pesada do filme. Mto mto triste. A ingenuidade de ambos (principalmente de Tommy) afeta profundamente o amago da gnt.

Gostei mto do teu texto!

Abs!

Norma de Souza Lopes disse...

Olá!
Acabei de ver o filme e fiquei meio transtornada com as perspectivas éticas que tema abre. Buscava mais informações acerca do filme e dei com sua brilhante resenha .
Não dava para fechar sem comentar.
Abraços