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8 de fevereiro de 2011

Lendas da Paixão (1994)

Um filme de Edward Zwick com Brad Pitt, Anthony Hopkins e Julia Ormond.

Uma paixão não é sinônimo de felicidade. Algumas pessoas se ancoram numa paixão e lá encontram um porto seguro, uma alma gêmea. Agora a maioria se prende no ardor de um sentimento efêmero e correspondido para buscar algo que lhes faltava. Mas longe disso está a felicidade. Quando uma paixão passa e é substituída por rancor e não por amor, podem se causar sérios danos se uma vida já foi contornada em torno daquela paixão. Tudo começa a ser movido por uma vergonha, desonra, medo de uma sociedade, e tudo por não ter conseguido distinguir o verdadeiro de algo passageiro, bastante eloquente e traiçoeiro. Lendas da Paixão é o modo de se deixar levar por essa paixão desmedida, sem pensamentos em consequências, sem pudor do parceiro, sem valores morais, sem vergonha de uma sociedade para viver o calor do momento de uma alma que pode não transparecer sua verdadeira faceta nos primeiros momentos.
O Coronel William Ludlow (Anthony Hopkins) vive com seus três pequenos filhos num rancho afastado da cidade. O filho mais velho, Alfred Ludlow (Aidan Quinn) é sério, reservado, cortês, educado e não leva o pai a sério em suas crendices. O filho caçula, Samuel Ludlow (Henry Thomas) é o mais inseguro dos três pelo fato de ser o menor e tem de ser seguido por seus dois irmãos mais velhos. O filho do meio, Tristan Ludlow (Brad Pitt) é um aventureiro selvagem, o que o faz o filho preferido do pai por ser o mais ligado a suas crenças e por ter se relacionado desde cedo com os índios, que criaram essa parcela indômita de sua personalidade. Ambos mantém uma relação muito ligada através de seus laços de família, que foram valorizados durante todo o tempo. O tempo passa e Samuel fica noivo de uma bela mulher da cidade, Susannah Fincannon (Julia Ormond), que leva para passar um tempo no rancho e conhecer a família. O problema é que essa mulher traz um novo sentimento à vida dos irmãos, que pode resultar na quebra de laços de sangue.
O que move o filme é o desejo pela estranha mulher da cidade, toda refinada, com uma perspectiva diferente da vivida pelo campo. Ao se depararem com a situação inusitada e com a beleza de Julia Ormond, todos os irmãos se encantam, e não é para menos. A cobiça de todos os irmãos aflora exatamente nesse momento, e é uma cobiça que não para. Qual o limite de um desejo? Por mais que a mulher ame Samuel, o desejo irrefreável pelo selvagem Tristan, um homem misterioso com uma vida inesperada e distinta para a dama da civilização, não acaba. As vezes, o amor verdadeiro pode dar lugar a um desejo rápido, a diferença é a quantidade de felicidade que isso pode lhe fornecer ou pode lhe dar uma ilusão para fornecer. Ao desejar o amor do próximo, não há mais culpa, não há mais vergonha. A traição é uma barreira fácil de ser quebrada se a vontade não é consumada rápido, enquanto o desejo ferve nas entranhas. É algo perigoso que pode transformar relações de uma vida inteira numa rixa cruel num piscar de olhos.
Tristan é simplesmente o mais enigmático dos três, assim como o mais bem trabalhado. Sua atmosfera selvagem faz com que ele seja indomável em sua personalidade. Por mais que um desejo seja mútuo, ele não nasceu para ser um homem domesticado de uma donzela, ele nasceu para ser um homem selvagem da natureza. Essa característica selvagem que dá força ao personagem de um Brad Pitt que apresenta um desempenho ótimo em certas horas, mas em outras chegava a me fazer querer desistir do filme. É um personagem imprevisível. Vemos a força da ligação que Tristan tem com sua família a partir do filme. Como sempre foi criado com sua visão selvagem de um campo e não de algo cortês da cidade, ele começa a repugnar o que vem dela logo cedo. Sua mãe ausente é uma figura desinteressante na vida desse coração valente, por ter desistido do mundo que Tristan tanto preza. A namorada de seu irmão é uma mulher interessante, mas o melhor de tudo ainda é preservar os laços familiares do que se render por uma traição para com a família. E quando ele começa a se ver com um futuro reservado, numa cidade, ele foge para não encarar uma realidade da qual nunca quis: se ver preso, nem que esteja preso num relacionamento.
Susannah, interpretada com força por uma Julia Ormond excepcional, é o ponto de contradição do filme. Novamente, como num dos primeiros capítulos do livro mais vendido do mundo, a mulher que trouxe o caos para a terra em sua forma traiçoeira e sedutora. Mas dessa vez não é a forma feminina que acarreta as desgraças para uma família, é a origem disso. A cidade corrompeu o campo com sua visão distinta. Para Susannah, Tristan é o que mais lhe é cobiçado, seu extremo oposto, seu desafio interior. Não há uma graça para ela no homem que Alfred é, um homem na verdade tão parecido com ela que até renega o nome para poder viver um amor e ser feliz com ele. Mas a felicidade é mútua? O desejo de Susannah deixa sequelas. Por mais que Tristan esteja longe, sua consolação é esperar por ele num campo, o mais próximo dele que se pode ter. Mas esse desejo estava mais consumindo sua felicidade e lhe afogando com mágoas mais do que a divertindo e lhe rendendo prazer por dentro. Como esperar algo que não vai chegar? Alfred então lhe propõe ser feliz, mas ela consegue ser feliz sem amar, sem conviver com um desejo já consumado que só cresce a cada dia que passa pela falta de sua realização diária?
A família se mostra cada vez mais importante nesse impasse passional que se revela na trama. Samuel é como um elo entre os dois irmãos. Por mais que seja o menor, tanto Tristan quanto Albert se juntam no único interesse em comum que têm: o instinto de proteção para com o caçula da família. A morte dessa conexão familiar traz a morte na família. Albert finalmente se revela um político, o que o pai despreza com todas as forças desde seus tempos de guerra. Apenas Tristan insiste em manter um amor pela família, nem que isso significa abandonar o prazer. A relação conturbada entre os personagens de Aidan Quinn e de Anthony Hopkins, ambos com uma atuação eficaz e surpreendente, rende bons momentos no filme. De resto, ele fica com o roteiro que segura seu ritmo ao colocar uma rivalidade entre campo e cidade, entre amor e paixão, entre família e prazer, entre relacionamentos e instintos. Ainda há a fotografia de John Toll, que rendeu um Oscar merecido para o filme, uma trilha sonora embalante e presente, e ainda a direção de Edward Zwick.
"Algumas pessoas ouvem suas próprias vozes interiores e vivem de acordo com o que ouvem... essas pessoas se tornam loucas ou lendas". Ou talvez até os dois. A frase começa o filme com chave de ouro e já serve como uma previsão do que está por vir. Do início até o fim somos surpreendidos com personagens de psicológico forte, com convicções, ambições e sonhos. E no meio da vida de todos, surge um desejo inesperado para desequilibrar a mente dos protagonistas. O querer só fica mais forte quando ele se torna o poder por alguns instantes.
NOTA: 7

5 comentários:

Cristiano Contreiras disse...

Gabriel, seus textos assumem uma perspectiva mais emocional e mais profunda, parabéns por caminhar assim. Eu acho interessante textos assim, pois não se prendem somente à técnica do filme.

Eu acho esse filme incrível, muito emocionante, daria nota maior até, mas gostei de ler sua opinião sobre ele, pois mostra que você vivenciou bem toda a caracterização romântica e trágica da narrativa...

Abraço!

Alan Raspante disse...

Como eu disse no "Apimentário", assisti esse filme muitas vezes,pelo fato d'A minha mãe adorar ele quando eu era criança. Mas, me lembro pouquíssimo dele. Vou conferir por esses dias!!!

[]s

Ana Paula Botelho disse...

muito legal seu blog, o visual tb...sou cinefila e visito sempre varios blogs...
vc discute bons filmes aqui e isso é otimo. so acho que vc escreve muitas coisas sobre o enredo do filme, pra quem n viu fica chato e nao é interessante...pq nao faz textos um pouco menores e com menos informaçoes da historia? vc poderia falar mais do elenco e colocar apenas uma breve sinopse, fica o conselho...

beijos

Flávia Hardt Schreiner disse...

O que posso dizer? É um clássico... Ótima direção e atuações...

Anônimo disse...

Quase um remake de "Vidas Amargas" com um filho à menos. Cito alguns pontos coincidentes: Tristan é desajustado emocionalmente como Cal (James Dean); Os três gostam da mesma mulher como os dois de East Of Eden; Um irmão vai pra guerra e deixa a mulher para os outros; Ambos os pais são duroes, incapazes de unificar a família e adoecem no final por AVC; A época da história é 1900 em ambos os filmes; A ausência das mães na familia também é fato. O que o autor da resenha pensa a respeito?