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19 de fevereiro de 2011

Dente Canino (2009)

Um filme de Yorgos Lanthimos com Aggeliki Papoulia e Hristos Passalis.

Filhos são partes importantes da vida, porque é a partir deles que as pessoas mantêm sua hereditariedade presente a cada era que se passa. Além do mais, filhos são as nossas próprias marionetes. Da maneira que forem educados, eles podem se tornar pessoas bem-sucedidas ou psicopatas, já que boa parte de uma personalidade provém da educação que lhe foi concebida. De um modo ou de outro, as crianças vão, aos poucos, adquirindo uma independência e liberdade da vida paterna para poder construir seus próprios laços familiares. Mas e quando os pais se mostram incapazes em verem seus filhos livres e fazem tudo para que esse destino inevitável não aconteça? Dente Canino é um relato bastante controlador feito em moldes relaxados e calmos para revelar o quão extremista pode ser um humano ao se ver no poder de algo ou de alguém.
Uma família, composta por uma mãe, um pai e três filhos (Christos Stergioglou, Michelle Valley, Aggeliki Papoulia, Mary Tsoni e Hristos Passalis), mora nos subúrbios de uma cidade grega, numa casa bastante isolada da sociedade. Cercando a casa, há um muro alto que as crianças - agora já adultas - nunca passaram. Toda a informação que eles recebem provém dos pais, que fazem de tudo para que o mundo exterior não influencie a cabeça dos filhos. A situação fica cada vez pior quando as crianças começam a questionar coisas que não fazem mais tanto sentido no mundo criado pelos pais.
O problema da situação vivenciada por Dente Canino é a falta de um livre arbítrio instituída por uma visão unilateral, de uma voz que afirma saber tudo e é recebida como verdade absoluta. Esse mesmo motor que gera a tensão gera também o problema geral do filme, já que este não se interessa em mostrar soluções, apenas consequências cada vez mais drásticas. E o resultado final, produto de uma tensão sem igual digna de um filme de Michael Haneke, é assombroso. Fora isso, o filme ainda vale por suas cenas regadas à ingenuidade de pessoas que vivem num mundo de mentira. A cena inicial do filme mostra os três filhos aprendendo as palavras do dia, palavras do nosso cotidiano só que com definições alteradas para poderem se adaptar a uma realidade vivida no espaço residencial daquela família. O que é uma situação comum vivida no espaço cinematográfico é retratado para o espectador cheio de um humor negro indescritível, junto com um embaraço defronte à cena.
O resto pode ser definido em devaneios sadomasoquistas numa viagem superprotetora que o diretor Yorgos Lanthimos explora com afinco. Mas o afinco dele não promove razões motivadoras, apenas as ações contam no longa metragem. O filme lembra bastante uma obra de Shyamalan, A Vila, pelo fato dos personagens serem induzidos a acreditar em apenas um fato que não é coerente com uma verdade universal. É a criação de uma sociedade alternativa com seus próprios valores. E os valores não são dos melhores, já que para os pais conseguirem manter os filhos longe de uma sociedade, eles mentem e corrompe a ética e a moral inúmeras vezes, por um objetivo desconhecido. Manter a pureza e a inocência nos filhos? Acho isso bastante difícil, já que os fatos oferecidos pela família destroem essas duas características por completo. Definiria como pais querendo ter todo o poder e controle de seus rebentos. O filme apresenta também, algumas das cenas mais tensas que já vi na minha vida. A direção relaxada e a fotografia clara apenas promovem uma calma inexistente nos 94 minutos da sessão.
O ritmo da sessão pode ser facilmente comparado ao de uma montanha russa. Quando nos surpreendemos com uma cena de pura malícia e crueldade, mas vista como apenas um castigo, as próximas três se apresentam devagar, para instigar o público a querer sempre mais. O filme se mantém inacabado aí, pois ele insiste nesse ritmo desde o seu começo até o seu desfecho, não dando espaço para uma conclusão plausível ou o fim de uma discussão sobre o espaço de parentes para a construção do caráter de seus filhos. A curiosidade pelo nunca visto sempre surge, de um modo ou de outro. E quando essa surge, o correto a fazer é mostrá-la para pessoas incapazes de encará-la frente a frente ou então encobrir uma mentira com uma outra mentira? A curiosidade prevalece na mente dos filhos, e é tão bem explorada que rendeu um dos desfechos mais assustadores que já vi. Por mais que o cinema grego ainda tenha que melhorar bastante em técnica para atingir espaço no ramo cinematográfico mundial, os personagens foram bem trabalhados com o que foi oferecido para o público.
A sensação que Dente Canino traz é a mesma de um soco no estômago, seguido de uma bala na mente. A inversão de valores de uma sociedade ética para uma família amoral é intensa, e o diretor consegue captar bem esses momentos. A simbologia trazida através de metáforas, gera várias comparações entre proteção e controle, que não deveriam existir para uma família "correta". A pena do filme é que ele não traz uma conclusão, nem o que levou à situação principal. A obra parece ser feita inteiramente num clímax infinito. Porém, o Oscar acertou ao, finalmente, indicar a película à melhor filme estrangeiro. Por mais que não ganhe nada, vale a indicação, por mostrar um filme milênios à frente da obra mais perturbadora da indústria Hollywoodiana.
NOTA: 7

6 comentários:

Alan Raspante disse...

Ótima crítica Gabriel. Não conhecia o filme e nem havia me tocado nesta indicação do mesmo ao Oscar. Mesmo que o tema proposto não tenha me encantado tanto assim, fiquei bastante curioso para conferir. Pelo visto é uma produção bacana e bem feita. Bem, quem sabe um dia, rs

abs.

Cristiano Contreiras disse...

Eu só vi a indicação dele, mas desconhecia a premissa - me parece bem instigante! A conferir e já!

abraço

Rodrigo disse...

Necessito assistir este filme, me disseram que é o melhor entre os indicados a melhor filme estrangeiro. Excelente crítica. Abrass

cleber eldridge disse...

Repetinamente todo mundo começou a falar bem desse filme, e acabei me interessando, vou procurar.

- Já te add ao blogroll, ok?
ABRAÇO ;D

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

Rapaz, que texto maravilhoso! Meus parabéns pela abordagem. De verdade!

Preciso muito ver esse filme. Seu texto me apresentou algumas coisas que preciso ver para comentar contigo depois, especialmente a questão da educação e da ligação Haneke-Shyamalan (por mais estranho que isso possa parecer...).

Abração

Andinhu S. de Souza disse...

Excelente seu texto.
Confesso que quando terminei de assistir o filme, fiquei perplexo e sem saber o que pensar. Precisava ler algo sobre ele. É um filme difícil e com um argumento de tirar o chapéu. por vezes acho genial, e por outras acho que falta algo.

Até mais!!