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5 de fevereiro de 2011

Cisne Negro (2010)

Um filme de Darren Aronofsky com Natalie Portman, Vincent Cassel e Mila Kunis.

O que é a perfeição? Afinal, ela é relativa? A perfeição pode vir numa forma limitada, num espaço entre as regras e a liberdade? Ou a perfeição é um dos extremos, afinal, ou as regras, ou a liberdade? Cisne Negro cria um relato assombroso de uma perfeição sem limites. Quais os valores para se ser perfeito? Vemos, durante toda a sessão, uma Natalie Portman altamente bipolar, hora insegura controlando seu corpo, hora exalando uma sensualidade sem igual se deixando levar pelos movimentos. Vemos uma direção sem limites de Darren Aronofsky, que cria uma atmosfera simples com uma fotografia escura para mostrar o irreal de forma a parecer verdadeiro. Temos os coadjuvantes, maestralmente interpretados pela belíssima Mila Kunis, o grandioso Vincent Cassel e a assustadora Barbara Hershey. Temos uma trilha sonora clássica que acentua o suspense dessa obra prima. E tudo isso, em busca da perfeição, unido, transforma Cisne Negro numa experiência única.
Nina Sayers (Natalie Portman) é uma bailarina que vive em Nova York. Ela, completamente insegura e submissa à mãe controladora, Erica Sayers (Barbara Hershey), é uma dançarina que se esforça em ser perfeita, seguindo todas as regras e não deixando revelar seus instintos. Essa sua busca por perfeição a faz roubar objetos de seu ídolo, a bailarina Beth McIntyre (Winona Ryder) que já está em seu fim de carreira. Nina, ao ver uma chance de reconhecimento e de atingir seu objetivo no papel principal do ballet "O Lago dos Cisnes", tenta convencer o diretor Thomas Leroy (Vincent Cassel) de que pode interpretar a Rainha dos Cisnes. O diretor vê que ela atinge um nível elevado ao interpretar o personagem Cisne Branco, mas não consegue ser natural fazendo o Cisne Negro. Com isso, surge uma rivalidade entre Nina e Lily (Mila Kunis), uma dançarina que consegue se movimentar sem parecer falsa. Mas essa rivalidade apenas aumenta a insanidade de Nina para que a obsessão dela se torne uma loucura.
Nunca vi uma atuação tão densa quanto a de Natalie Portman nesse filme. Falo e ainda repito. Não me importa que Edith Piaf tenha descido em Marion Cotillard em seu Piaf - Um Hino Ao Amor, mas Portman é o exemplo mais próximo de perfeição que posso estabelecer na minha mente. Sua personagem, extremamente bem trabalhada, é uma verdadeira faca de dois gumes. O filme gira em torno de Nina, uma dançarina louca. O que há em seu psicológico que a faz tão insana? Um desejo. O desejo pode atormentar as mentes até ele se concretizar. Alguns nunca se concretizam. Outros chegam perto do nunca para acontecerem. Mas quando um desejo se torna incompleto com o passar do tempo, a vontade de completá-lo sempre fica maior. Nina tem um desejo há tempos: ser perfeita. E Nina faz de tudo para isso. Mente, rouba, se utiliza de artefatos alheios, com uma vontade de se tornar outra pessoa, uma pessoa, a seu ver, completa. A perfeição está nos olhos de quem vê. Nina não conseguia se achar perfeita, e sua prova maior para a obtenção de seu objetivo era seu papel principal no Lago dos Cisnes. Para seu desejo se realizar, ela segue todas as regras possíveis. Dança com firmeza, contém seus instintos, pensa o tempo inteiro em suas ações. E isso a levaria a perfeição. Mas quando essa visão da perfeição e outra completamente diferente se chocam, o que sobra da personalidade dessa menina? Qual a verdadeira perfeição?
Nina é dura. Nina é frígida. Nina é contida. Nina é perfeita para ser um Cisne Branco, um personagem fechado, amoroso e altamente emocional. Mas e quanto ao Cisne Negro? Nina é altamente artificial em suas danças, segue à risca todos os passos possíveis que ela aprendeu para poder emocionar e surpreender seus espectadores. Mas quando tem de dançar verdadeiramente, ela vê que não é capaz. O Cisne Negro é um personagem sedutor, livre, aberto. E isso não é uma característica de Nina, é de Lily. Surge então uma inveja ou uma amizade entre as duas? Para um objetivo se tornar realidade, as pessoas são capazes de superar seus obstáculos, mesmo que esses obstáculos sejam outras pessoas? Nina não tinha mais um objetivo, nem um desejo. Tudo se tornou uma louca obsessão, que a movia e a fazia acreditar em instintos guardados em seu psicológico, que aparecem para o cumprimento de sua doença. A insanidade começa a controlar a vida da personagem de Natalie Portman, fazia ela ouvir e ver o que sua loucura lhe dizia. Lily, interpretada por Mila Kunis que está numa atuação digna de um Oscar de atriz coadjuvante, se torna alvo de sua rival. Na verdade, Lily é tão sedutora que atormenta os pensamentos, as excitações e os orgasmos de Nina.
Nada para Nina depois que sua paixão ensandecida toma conta de sua mente. Muito menos uma figura tida como protetora. Uma maravilhosa Barbara Hershey cria essa figura para tomar conta de sua filha. Mas até onde vai essa conta? Os laços familiares realmente protegem de tudo? Erica protegia sua filha lhe mostrando limites. "Sabia que você não aguentaria o papel". "Não saia hoje à noite". Isso é uma limitação resultante de uma proteção materna? Não. Erica também estava louca, louca de inveja de sua filha. A filha, culpada do fim de sua carreira como bailarina, do fim de seu sucesso, também não merecia sucesso. Não merecia o que tinha lhe tirado. Agora o que ganha essa batalha épica: Uma maternidade falsa e controladora, movida por uma inveja da filha, ou uma patologia em busca de ser perfeita, sem limites? A perfeição de Nina só tem um fim possível, que é a auto-destruição. Sua obsessão em ser o Cisne Negro acaba lhe afetando em seus relacionamentos, em suas ações, em sua personalidade, em suas características, em sua forma de ver as coisas.
A obra, repleta de boas atuações, ainda tem Vincent Cassel representando o diretor da peça. Ou o príncipe sedutor da Rainha dos Cisnes? A vida de Nina se torna o balé em pouco tempo, do mesmo modo que ela literalmente se transforma na personagem. O diretor Leroy serve como um ponto para atiçar o desejo de Nina por sua perfeição, já que ele é o maior cobrador dela no mundo em que Nina prefere viver. Nina respira o balé o dia inteiro, e a perfeição só vai ser obtida por intermédio deste. O longa consegue se segurar não só com a força de seus personagens e das atuações impecáveis, mas também com todos os efeitos técnicos. A fotografia escura e caótica, mesclando tons avermelhados, dá mais densidade ao filme, criando uma aparência assombrosa ao mundo do balé. A maquiagem é excelente e junto com o figurino eles fazem um show único. A apresentação de Cisne Negro é terrivelmente perfeita, e esses dois fatores só contribuíram para isso. A direção de Darren Aronofsky é eficaz ao extremo, criando cenas aparentemente simples para desenvolver efeitos resultantes de distúrbios psicológicos, confundindo o espectador continuamente entre a realidade e a insanidade da protagonista. A trilha sonora de Clint Mansell aumenta a tensão do filme, sempre presente enfatizando o clímax do filme e o roteiro não deixa nem um pouco a desejar.
A nova obra de Darren Aronofsky é uma obra prima. Duvido que alguém consiga criar um thriller psicológico tão forte com um filme recheado de silêncio feito todo no universo da dança. Se tem um filme que merece ganhar o Oscar, esse é Cisne Negro. Bem pontuado, bem dirigido, bem escrito, bem editado, bem montado, bem feito. É um filme para se guardar, para se pensar, para se conferir sempre que possível, pois um trabalho desses é de se admirar. Por mais que o filme busque a perfeição em seus personagens complexos e só a alcance através de um fim extremamente dramático e tenso, o único adjetivo que pode descrever perfeitamente Cisne Negro é esse: perfeito.
NOTA: 10

6 comentários:

Alan Raspante disse...

Ae, assistiu Cisne Negro. Cara, não tem como nao gostar deste filme.... ele é foda pra caralho, meo! hahaha

Gostei do texto!
[]s

Cristiano Contreiras disse...

Um dos melhores textos que li sobre essa obra-prima. Concordo contigo, o filme é todo perfeito em suas esferas técnicas e, principalmente, interpretativa.

Natalie Portman é deusa aqui, expressa uma interpretação única. A maneira como sua personagem se desnuda, aos nossos olhos, é algo revelador...e a mão cuidadosa de Aronofsky ajuda, ao colocar a personagem aos nossos olhos e sentidos, com todas suas fragilidades e anseios, é assombroso.

O filme pulsa, é todo psicológico. Me arrepiei bastante. A cena em que Nina explode, visualmente e metaforicamente, seu "Cisne Negro" desde já é um momento clássico do cinema moderno.

Belo filme mesmo!
abs

Amanda Aouad disse...

O filme é fantástico realmente, a busca pela perfeição de Nina se torna a busca de todo o filme. E como diz o personagem de Vincent Cassel, "perfeição as vezes é perder o controle." Muitas vezes, os atores mergulham no desespero da obra e nos brindam com cenas incríveis. E Darren Aronofsky soube comandar isso de forma magnífica.

abraços

renatocinema disse...

Infelizmente não pude ir ao cinema assistir Cisne Negro esse final de semana. Mas, é o filme do ano.....sem dúvida.

Sobre Abutres.....corra. Ele é tudo que eu falei e muito mais.

Emmanuela disse...

Poxa, estou chocada até agora! Gostaria muito de ver o triunfo deste filme no Oscar. Que precisão, que beleza, que visão de Darren Aronofsky! Natalie Portman: Um verdadeiro portento. Já quero rever.

Rafaela disse...

Gostei do comentário que fez sobre o filme, ainda deu 10, ele merece mesmo é exelente...
escreve bem, como sempre. :)
rafa.