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22 de agosto de 2011

Veludo Azul (1986)

Um filme de David Lynch com Kyle MacLachlan, Isabella Rossellini, Dennis Hooper e Laura Dern.

A curiosidade não matou só o gato. Às vezes um caráter estranho de certas situações foram feitos para serem intocados, deixados de lado à seu próprio destino sem qualquer intervenção. Mas a curiosidade, aquela homicida, sempre aparece para dar outro rumo e criar novas circunstâncias. A vontade de descobrir o podre que se esconde por baixo da normalidade, da banalidade, é algo tão latente que muitas vezes não se pode apenas abandoná-la e esperar que tudo se resolva. Essa obra do rei surrealista David Lynch é a prova de que o curioso sempre acaba interferindo no rumo de tudo. É a prova de que algumas coisas são feitas para não se mexerem. E é a prova de que sempre existe algo escondido debaixo da grama verde.

Jeffrey Beaumont (Kyle MacLachlan) é um universitário que larga a faculdade após o seu pai, Tom Beaumont (Jack Harvey), ter um derrame. De volta a Lumberton, sua cidade natal, ele acaba encontrando uma orelha humana entre o hospital e sua casa, e acaba levando-a para o detetive John Williams (George Dickerson). Porém, não contentado com um aviso do caso, ele procura saber sobre mais informações e tenta ajudar a investigação sobre a orelha. Para isso, ele tem a ajuda de Sandy Williams (Laura Dern), a filha do detetive, que o leva diretamente para a casa da cantora Dorothy Vallens (Isabella Rossellini), uma suspeita do caso. Mas a espionagem não sai como o esperado e Jeffrey acaba vendo mais do que realmente deveria.

A cena inicial é um presságio do que está no superficial: um jardim florido com rosas e margaridas, um bombeiro estático acenando para a câmera, uma cerca branca com um céu azul de fundo. Por fim vemos o podre. Por trás de toda a beleza cultivada nos jardins da vizinhança, há vários insetos se misturando ao barro. O que há abaixo de tantos artifícios? Se a grama já esconde seus próprios segredos, o que escondem os complexos seres humanos em todos os seus sentimentos e ações e distúrbios? Jeffrey quis saber então, ao achar a chave da porta proibida a ele, o que aquela orelha tinha escutado antes de parar naquele terreno. O único problema é a ingenuidade sobre a verdadeira vida - uma vida falsa encoberta num sorriso. Querer saber é completamente diferente de saber, que é diferente do aguentar saber. O filme de Lynch é feito para cutucar um lado do espectador que ele não deixa sair, que ele esconde atrás de frivolidades, que ele encobre e só revela em seu próprio íntimo. Não há como saber o íntimo de um ator, um ator que finge ser um e é, na verdade, outro. Nessa figura da mentira, ele explora os podres do ser-humano que casa um concorda em ser deixado de lado: os fetiches, o masoquismo, a dor. Aí entra a cantora Dorothy Vallens. O que, na verdade, está nessa vida boêmia, nessa beleza, nessa música?

Veludo Azul é o que se esconde por trás de uma música. A existência de Dorothy se resume em tudo o que ela pode interpretar em seu palco, cantando o melancólico pop de Blue Velvet, canção mais conhecida na voz de Bobby Vinton. Como se coloca tanta coisa em alguns versos? Ela usava o veludo azul, e mais triste que o veludo eram seus olhos, a tristeza exala da persona. Quem melhor do que a cantora para exprimir toda a dor de sua vida em palavras? O envolvimento de Jeffrey com o caso acaba-o levando para o pessoal de terceiros, e a influência do jovem na vida dos outros é algo que se vê bastante nos 120 minutos da sessão. Jeffrey se apaixona pela vida de mentiras vivida por Dorothy, a mulher a quem falta um lar. E se depara com mais bagagem do que queria. Não vem apenas uma cantora instável, vem um fetiche estranho, um passado obscuro, um futuro violento e uma história com vilões. E entra na história o personagem Frank Booth, um sequestrador que não corresponde às expectativas da banalidade, mas que assusta o público nos mínimos detalhes por trás de sua crueldade. E, no fim, há alguém melhor do que ele para desvendar todo o mistério por trás de Veludo Azul? O que realmente aconteceu nesses minutos finais?

O filme é perturbador em suas interpretações variadas. Não se pode acreditar na vida perfeita depois do que acaba de ser vivenciado. Como acreditar em uma fantasia tão grande quanto a crença num final feliz? E, ao mesmo tempo, como resumir a viagem para a mente do diretor? Um sonho, um trauma, um conto? Um mistério. O impacto do filme diminui com o tempo, mas não se nega que ainda é atual. Toda a desconstrução da vida social está contida na superficialidade, exposta sem pudor por Lynch. Nas filmagens que o diretor fez na Carolina do Norte, um público da cidade em questão se reuniu em mesas de piquenique para ver as gravações, à contragosto de Lynch. Após o primeiro grito de "corta!", todo o público tinha sumido, e o que apareceu foi um aviso dizendo que o diretor não poderia mais gravar em áreas públicas. E como se lida com isso, o observar de toda uma crença no que poderia ter sido verdade se tornar uma mentira imensa? É um voyeurismo social, um papel feito pelo curioso Kyle MacLachlan no longa-metragem através de imagens do ponto de vista subjetivo de alguém escondido, espiando, sonhando.

Enquanto o roteiro primoroso do sempre genial David Lynch consegue angustiar e prender o público na tela com vários simbolismos e metáforas, e a direção do mesmo também é uma maravilha para diferentes enquadramentos e ângulos até então não vistos pelo público; a outra metade de Veludo Azul fica por conta das interpretações. A sonhadora Isabella Rossellini rouba as cenas. Sua expressão cansada e sua perturbação aparente encantam qualquer um. Ao mesmo tempo, há o vilão encarnado pelo magnífico Dennis Hooper. Impossível não olhá-lo e ter medo, mesmo ele com um sorriso no rosto tendo um ataque asmático. Laura Dern é uma maravilha nas partes em que aparece. Devo dizer que Kyle MacLachlan foi o que menos me agradou no filme inteiro, mas conseguiu carregá-lo como protagonista. Ao mesmo tempo que as interpretações surreais preenchem a tela, a fotografia de Frederick Elmes a contorna com tons de azul escuro em grande parte das cenas. E, não menos importante, temos a trilha sonora de Angelo Badalamenti, transparecendo toda a tristeza da atmosfera do filme. Como resultado final, Veludo Azul se torna um filme noir surrealista e intrigante.

Em certo momento do filme, o personagem de Dennis Hooper canta, parodiando Roy Orbison, nos sonhos, eu caminho contigo; nos sonhos, eu falo contigo; nos sonhos, você é meu; todos os tempos, para sempre. E há alguma outra explicação? Lynch cria uma sátira do padrão de vida americano e o transforma num pesadelo leve de tristeza que, mais tarde, definiria seu estilo onírico em filmes como Cidade dos Sonhos ou Império dos Sonhos. Apenas nos sonhos existe a tão sonhada perfeição. Agora, enquanto não vamos dormir, temos de aguentar o viver, um viver universal representado nessa obra desse grande diretor, um viver que apenas aguarda a ilusão de passarinhos vindo comer todos os insetos escondidos na grama.

NOTA: 9

19 de agosto de 2011

Poltergeist: O Fenômeno (1982)

Um filme de Tobe Hooper com Craig T. Nelson, JoBeth Williams e Heather O'Rourke.

A dificuldade do gênero em terror, em especial, é que a maior parte de seus filmes são obras feitas para a sua própria época. Por depender bastante de uma maquiagem muito boa, de uma trilha sonora assustadora, de efeitos especiais que fazem o público crer no que está acontecendo na tela e num roteiro exigente, as fitas de horror se perdem em seu próprio tempo. Apenas os considerados clássicos conseguem sair de sua época e chegar às outras, mas não com o mesmo impacto que se tem antes. Como se compara a crueldade de um massacre com o terror altamente psicológico de espíritos e demônios? Poltergeist: O Fenômeno é um desses filmes. Sua única diferença é que ele, além de aterrorizar, foi cultuado como ícone.

Steve Freeling (Craig T. Nelson) é um corretor de imóveis. Ele mora com sua família numa vila, e é um modelo da família americana. A família é composta por sua esposa Diane (JoBeth Williams), e seus filhos Dana, Robbie e Carol Anne (respectivamente Dominique Dunne, Oliver Robins e Heather O'Rourke). Porém, eventos estranhos na casa fazem com que a família fique perturbada. Tudo começa quando Carol Anne acorda numa noite e começa a falar com a televisão, se referindo a eles o tempo inteiro. Aos poucos, coisas estranhas acontecem na casa, como móveis se mexendo e árvores atacando. Até que, numa tempestade, Carol Anne some, e os Freelings tem de lidar com o sobrenatural para ter a filha de volta.

O diferencial principal foi o roteiro sobrenatural, escrito por ninguém mais, ninguém menos do que Steven Spielberg. Spielberg, que foi proibido de dirigir o filme graças a outro sucesso paralelo que estava fazendo nos estúdios da Universal, E.T., tem sua cara estampada em vários momentos da obra. A apresentação inicial da família num evento que já começa estranho e o desfecho silencioso, apenas esperando o momento certo para a trilha sonora surgir, são marcas do diretor e, aqui, roteirista e produtor. A assombração atacando uma família americana comum, - e não os estranhos sequelados de Massacre da Serra Elétrica ou Sexta Feira 13 - a lenda caótica que ronda os mistérios do poltergeist, a criação da vida após a morte e o descontentamento dos espíritos e outros problemas metafísicos são responsáveis por fazer de Poltergeist um filme que vai além da sessão. Não necessariamente assustando crianças após o que elas viram nas telas, mas como uma reflexão no desconhecido e no excessivamente conhecido. Além de tratar dos espíritos em toda a sessão e fazer deles sustos memoráveis, o diretor Tom Hooper também põe o assunto capitalista na tela. A TV sendo o único meio de comunicação entre o sobrenatural e o físico? Uma corretora de imóveis que brinca com a morte? Está tudo aí, nesses 114 minutos de duração.

Outra sacada interessante é a falta de jeito do homem quando lida com o desconhecido. Os personagens apenas se mostram surpresos enquanto o fenômeno não toma proporções drásticas para toda a vida familiar dos Freelings, mas a preocupação logo surge e toma conta do longa-metragem junto ao terror. Enquanto o roteiro fala por si só durante seus sustos ou o caminho que ele toma ou retoma perto do fim, a trilha sonora ajuda a construir uma atmosfera intensa e faz o filme chegar a seu clímax rapidamente. Ao contrapasso, a falta dela também auxilia bons momentos para o clássico do terror. Quem toma conta de todos os efeitos sonoros - e foi indicado ao Oscar naquele ano por esse trabalho - é Jerry Goldsmith, o mesmo que produziu os sons de Jornada nas Estrelas. Sua maestria nos fez o filme acalmar e aterrorizar uma plateia tensa. E quando a trilha sonora sumia, o que fazer com a apreensão que exala de todos os espectadores? Ao mesmo tempo que a trilha foi indicada ao prêmio máximo do cinema, também foram os efeitos especiais, da ILM. Ver um demônio se materializar na porta de um quarto, uma árvore engolir uma criança e um quarto rodopiar não é nada para quem já viu A Origem, mas foi um marco para a época. Tudo está bem realizado e propicia não o medo, mas a surpresa.

Para completar essa linha de Poltergeist, as atuações também surpreendem. O elenco adulto faz um ótimo trabalho e percebe-se a força interpretativa de casa personagem. Uma ressalva especial para JoBeth Williams que fez Diane Freeling, a esposa preocupada e disposta a tudo. Uma cena em especial, em que ela tenta se comunicar com a filha sumida e recebe uma mensagem através de aura da menina, conquista o público. O pai, feito por Craig T. Nelson, é bem vivo em suas ações e isso importa bastante na carga colocado para a vivência. A incredulidade e o ceticismo também são bem explorados. Para um contraponto a essa falta de fé, temos a competência da veterana Beatrice Straight e de uma comicidade de outro mundo, trazido pela ótima Zelda Rubinstein. Por fim, entre as três crianças do elenco mirim, quem se sobressai é a caçula Heather O'Rourke, a inocente menina que consegue contatar os espíritos que rondam sua casa. A sua ingenuidade consegue amolecer os corações mais duros, e seu choro doce e cheio de medo é o bastante para transportar o público para o cenário do filme. Seus olhares e suas bocas foram essenciais para a criação das características da pequena Carol Anne. Foi realmente uma pena a morte da criança aos 12 anos de idade, logo após ter feito o terceiro episódio de Poltergeist.

Poltergeist: O Fenômeno ainda mantém seu posto de clássico seguro, mas dificilmente assustará a nova geração que aprende agora a dar valor às diversas carnificinas para depois ver o thriller obtido no horror da década de 70 e 80. Mas é inegável a influência que essa obra fez para filmes futuros sobre espíritos que assombram casas, mexem móveis e perturbam almas. Veja o filme e perceba quantos mistérios e suspenses dos roteiros atuais tem uma ponta de Poltergeist no meio. Exemplo claro disso é o novo terror, Sobrenatural, que copia as situações do filme de Tobe Hooper até não poder mais. Mas isso não é ruim, é apenas uma mostra do valor do velho terror agindo sobre a crueldade atual exposta em torturas e mortes explícitas.

NOTA: 9

13 de agosto de 2011

A Árvore da Vida (2011)

Um filme de Terrence Malick com Brad Pitt, Jessica Chastain e Hunter McCracken.

Nunca um filme foi tão completo quanto o novo do sombrio diretor Terrence Malick. A Árvore da Vida é uma reflexão precisa sobre não apenas a vida, mas sobre a morte, a educação, a moral e a religião, o crescimento e as etapas, a infância e a revolta, sobre tudo. Não é uma história sendo contada nas 2 horas e 20 minutos de sessão, mas é uma vida inteira. A primeira imagem do filme, após uma citação bíblica de Jó, é um jogo de luzes. A simbologia brinca durante o filme inteiro, marcando o nascimento do homem, a evolução do mundo e os instintos da natureza, tudo ao mesmo tempo. E é assim que se cria esse perfeito ganhador da Palma de Ouro em Cannes. Mas não pense que o acompanhamento à essa obra-prima é algo fácil para todos os espectadores.

Numa metáfora simples para o nascimento, para um bebê num útero, Malick dirige seu filme do jeito mais seguro possível. Aos poucos, A Árvore da Vida mostra seu tom: é um filme feito aos moldes de um trailer. Suas sequências são curtíssimas e ele prega mais por imagens sem linearidade da natureza do que de uma história junta. São momentos passando em diversos flashes por cena, que nunca se mantém num só personagem para dar o foco necessário. Com isso o filme fica cansativo por si próprio e maçante em diversas tomadas, mas também chegamos a descobrir os personagens. Temos um casal formado por Brad Pitt e Jessica Chastain. Enquanto o personagem de Pitt se mostra um arrependido em sua vida dura de trabalho, a personagem de Chastain narra a sessão com reflexões mais profundas. Brad Pitt traz um laço mais familiar para a família retratada, enquanto Jessica faz as duas coisas: o espiritual e o físico. Principalmente quando chega-se à parte da perda, acompanhada da revolta. Em meio à história de perda, o nascimento volta a ser mostrado em outras partes, mas como interpretações distintas. O nascimento de uma nova vida, o nascimento de uma nova etapa, o nascimento de um novo sentimento. O nascer atinge um grau importante para as imagens de Malick, assim como seu contraponto.

A morte é trabalhada de uma maneira mais profunda. Com o aprofundamento do assunto de morte, Malick usa um personagem questionador que pergunta não só sobre os valores da morte, mas também de qualquer dúvidas da vida. E para isso, quem melhor do que uma criança, mostrando o descobrimento da infância? A fase do certo, do errado e da dúvida, de forma que toda a filosofia infantil chegue aos olhos do espectador de maneira sutil. Aí entra Jack (personagem de Hunter McCracken e, no futuro, de Sean Penn), o filho mais velho que aguentou toda a disciplina imposta pela família. O pai, feito por Brad Pitt, é o retrato da moral humana exposta da maneira mais visceral possível: é a junção de normas com a religião de uma forma bem forte. A rigorosidade em casa é ainda posta em contraste com a personalidade de Jessica Chastain, a mãe doce e bondosa que sofre com tanto rigor. O ódio do pai é trabalhado de uma boa maneira aqui junto à morte. Em algumas cenas, não se pode distinguir se o personagem fala sobre o pai encarnado por Brad Pitt ou sobre Deus numa forma revoltosa. Talvez os dois modos, ambos irados com as ações da figura paternal espiritual e genealógica, e exprimindo toda a ira em inquietação. A ira é direcionada a todos. Deus é muito malvado, o pai é muito rigoroso, a mãe é muito condescendente. A infância mostra a pureza e a castidade.

Aí, em Deus, é que mora o perigo da sessão. Em meio a tanto mistério e a tanta confusão causada pela desconexão entre imagens e situações, Malick leva, no fim, o público a uma saída espiritual para a vida após a morte num apelo fortíssimo ao espiritismo. Após tantas questões, ele induz o amor ao divino e ao perdão por meio da bondade irremediável da mãe e do caráter desgostoso do pai. Foi uma saída utilizada por ele para conseguir achar uma continuação ao seu tema principal? Com certeza. Ele consegue trabalhar com a vivência em todas as esferas possíveis: na pré-história, nos dias atuais, no fim do mundo, na morte, na natureza. Mas com tanta religião, ele acaba destruindo a construção rebelde e cética que foi A Árvore da Vida em permanecer imparcial aos mistérios apresentados. O diretor ainda aproveita para retomar uma imagem passada de seus outros filmes e fazer uma referência à memória. Quem não viu, em alguns flashes, na retomada da história, numa casa de campo em meio a girassóis, o conflito principal de Cinzas no Paraíso? E, no meio da moral, do ódio, da morte e da idealização de uma vida, quem não viu detalhes de Terra de Ninguém?

A história acerta num tom que a faz se tratar de todos os assuntos possíveis no tempo mínimo estipulado para tanto. Mas também peca numa narrativa desgastante e numa linha desconexa, desconhecida para grande parte dos espectadores. O que deixa a desejar no roteiro complexo, se completa na estética primorosa. Aos poucos, uma cena feita com o auge sentimental de Jessica Chastain se exprime ao mesmo tempo que a natureza. Será só coincidência num momento de revolta um vulcão explodir, uma cachoeira ensurdecer, o vazio preencher o espaço não só na tela, mas na atmosfera com o silêncio? As imagens complementam as situações. Toda a existência humana cresce junto com o que a natureza faz de si mesma. O crescimento é tão importante quanto a morte e o nascimento, e ele é apresentado em todo o reino animal. Ver dinossauros em tela numa manifestação perfeita de arte e cinema, ver o nado de águas-vivas, ver uma casa submersa, ver uma mulher flutuante, está aí o trunfo e a pureza de todo o filme. Os efeitos especiais ficaram por conta de ninguém mais, ninguém menos que Douglas Trumbull, o mesmo de Blade Runner, Contatos Imediatos do Terceiro Grau, Star Trek e - mais coincidências a parte sobre o tema evolucionista - 2001: Uma Odisséia no Espaço.

A fotografia do filme é especial. Com um modelo simples da claridade excessiva no fundo, projetada pela luz do sol e de sombras se movimentando, ela consegue conquistar. Veja só a sutileza do mergulho de uma cobra, de uma borboleta, de fogos de artifício, de sementes. A morte consegue ficar bela na fotografia de Emmanuel Lubezki. Observe em cada cena como o sol sempre aparece para contrapor a escuridão de algumas partes, sempre centralizado em segundo plano. Essa claridade fica óbvia nas cenas finais com Sean Penn surgindo após a visão de sua história - uma participação que apenas serviu para criar uma aura mais espiritual na obra. Além da fotografia, a trilha sonora é algo essencial para o resultado. Alexander Desplat cria aqui uma orquestra de madeiras, metais, cordas, movimento e silêncio. É inteligente deixar o público, numa sala de cinema, se adaptar à falta de diálogos no filme e, bruscamente mas sem perder a magia da imagem, voltar com uma ópera ou com uma explosão de instrumentos musicais. Para completar, há as atuações que desfecham o filme. Brad Pitt está incrível, entregue a sua própria moral extremista e encarna tudo com precisão. Jessica Chastain, a doce menina que rouba as cenas, cativa o público com seu sorriso que, rapidamente, vira choro. E uma ressalva especial para o jovem Hunter McCracken, que consegue extrair qualquer expressão de um público atento num filme difícil. O nome de Sean Penn apenas está no pôster para popularidade, pois a participação dele no filme é desnecessária.

Não há como negar: A Árvore da Vida é um filme ame ou odeie, e o divisor de águas é até onde se vai para tentar compreender o que o filme traz. Ele pode realmente ser um filme vazio trazendo várias imagens soltas com uma fotografia belíssima - aposta forte do Oscar - ou pode ter um contexto filosófico falando de todas as fases e desafios do ponto de vista da infância. Ele pode ser 138 minutos bem aproveitados para reflexões futuras provindas de um nó na mente, ou pode ser apenas mais uma perda de tempo, como muitas pessoas reclamaram durante e após a sessão que assisti. Pode ser uma alucinação de um diretor maluco ou uma viagem pela espiritualização universal. Ou pode não ser nada. Poderia ser qualquer coisa, do mesmo modo. É um filme de questões, que ficam bem claras durante a sessão. Para onde vamos? De onde viemos? Quem é Deus? Porque ele é tão mau? O que não fica claro é se todo mundo chegou à resposta proposta pela religiosidade do diretor em amar, acreditar e, assim, aproveitar a vida.

NOTA: 8