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5 de outubro de 2011

À Sangue Frio (1967)

Um filme de Richard Brooks com Robert Blake e Scott Wilson.

Traduzindo motivações para palavras, o homem permanece uma incógnita que permanecerá sem ser descoberta. A frieza humana provém do mesmo lugar que deu origem à bondade. E porque não se perguntam os motivos para ambos? Porque apenas o mal assume lugar nesse fim do devir, nessa decisão do bem e do mal, sem dar nenhuma chance das motivações boas se explicarem? Há bondade em impulsos considerados maldosos pela moral social? E como se define um psicopata numa sociedade? Todo o público que foi ver e ainda verá a obra de Truman Capote adaptada para o cinema sabe muito bem distinguir o certo do errado à partir de uma ideia perdurada da filosofia platônica. Mas é impossível sair do cinema balançado. Sabe-se que aquele ali é o certo, mas o final não poderia ser diferente?

À Sangue Frio é um filme baseado no romance homônimo de Truman Capote. Ele conta a história de Perry Smith (Robert Blake) e Dick Hickock (Scott Wilson), dois criminosos que começam a bolar um plano para roubar todo o dinheiro da família Clutter, uma família de fazendeiros ricos de Holcomb, Kansas, e assassinar todos os moradores da casa. Após a brutalidade do assassinato, que realmente ocorreu, o filme não para. Aos poucos ele mostra as motivações, as personalidades e a mentalidade dos dois criminosos, explorando tudo que os levou a cometer o crime.

O que difere essa obra de 1967 de qualquer outra que já tinha vindo é a aproximação do público com o lado antagonista do longa-metragem. Se alguém vai para o cinema e acaba simpatizando com um psicopata cuja única função no filme inteiro foi matar, roubar, estuprar, torturar e tudo isso à sangue frio, isso não é considerado normal se não houver um atrativo a mais para a caracterização do vilão. Mas quando o vilão nos é apresentado junto a sua ficha criminal e suas motivações para o caso e todo o psicológico é posto à prova, é difícil não admitir que o antagonista é que trouxe o carisma para a sessão. Primeiramente analisamos a visão de Dick, o homem que planejou tudo e apenas incluiu Perry em seu plano pela facilidade que ele tinha em perder a cabeça e matar. Dick fez tudo isso pelas motivações mais pífias que podem existir: conseguir dinheiro fácil, sair com as mãos limpas, apostar numa garantia inexistente na vida. É a despreocupação ambulante, que consegue improvisar caso algum plano dê errado. Todos os seus passos são movidos pela ganância e, após isso, pela aceitação. Desde que ele sempre esteja com um sorriso idiota no rosto, sempre com um ar superior aos demais até quando está por baixo. Ele não se deixa atingir e isso é fatal para ele. No fim do filme, o público chega a agradecer pelo final que lhe é dado.

Perry é o contrário disso tudo em apenas uma parte de sua consciência perturbada. O homem tem seu certo carisma e cria toda uma aura bondosa ao redor de suas ações que o público consegue adquirir simpatia pelo antagonista, e esse é um grande trunfo tanto do livro quanto do filme. Ao tornar o criminoso o psicológico principal do longa metragem, explora-se um lado desconhecido do espectador. Como se sente tamanha afeição por um homem que se mostra implacável, que consegue matar facilmente e prova isso aos poucos para a tela? Com uma delineação magnífica da redenção e de um perfil perturbado, ele chega a um ponto em que só se pode sentir pena. Há até uma revolta por causa do final de Perry, mas, analisando o crime apenas em teoria e não colocando o papel social sobre o homicida, ele não fez por merecer? Os atores principais merecem uma ressalva, tanto Scott Wilson, por criar tamanho ódio num drama concentrado para as telas; quanto Robert Blake, que é o lado emocionante e humano de À Sangue Frio. Há até uma certa química entre os dois em cena, por meio de palavras ou de ações, que não se concretiza explicitamente. Outro ponto que merece ser levado em conta é a fotografia de Conrad Hall, que até foi indicada ao Oscar de 1967. O filme, que é todo rodado em preto e branco, possui cenas lindas que se contrastam graças aos diversos tons escuros.

Uma das últimas cenas foca a face de Perry enquanto ele faz um discurso. Observar as gotas de chuva caindo pela janela dá a impressão sutil de que ele chora enquanto fala. É a humanização do monstro até por parte da natureza. Tudo em À Sangue Frio é carismático, é tocante e é enganador. É a visão de um criminoso que não se espera encontrar em cada esquina, um criminoso que é gentil, que respeita e que tem medo, por mais que tenha uma facilidade espantosa em matar. É a inversão de papéis feita por Truman Capote em seu livro que tornou Perry a vítima de todo o planejamento, enquanto a sociedade se mostrou cruel em não deixar ele sair impune. Depoimentos foram feitos para deixar o homem cada vez mais bondoso. Mas de que, afinal, adianta a bondade num equilíbrio para redenção dos pecados? E onde está a verdadeira diferença entre o pecado e as boas intenções?

NOTA: 9

9 comentários:

Cristiano Contreiras disse...

O que torna mais esse filme imprescindível é a forma como conseguem, de fato, desnudar bem o psicológico dos dois assassinos - com suas fragilidades, emoções e comportamentos. Coisa difícil, visto que psicopatas são frios e intransponíveis. Um belo filme, tão forte quanto o livro. Belíssimo texto analítico teu, como sempre.

Abraço!

Rodrigo Mendes disse...

Um ótimo filme de Richard Brooks. Agora imagine esta obra de Truman Capote nas mãos do Hitchcock?

Um filme que nos pega de surpresa em todas as sessões, inclusive nas revisões. Polêmico e atual, eu gosto.

Excelente texto Gabriel me deu vontade de rever a fita!

Abraço.

renatocinema disse...

Após ser seu texto fiquei obrigado, moralmente, a ver o filme.

"Humanização do monstro" é a perfeição da arte.

Abraços

Unknown disse...

Esse filme é excelente! O Cristiano Contreiras indica a todos, não é estranho ver o nome dele como o primeiro a comentar...hehehe
Adorei teu espaço, já to te seguindo e vou linkar teu blog no meu para acompanhar suas atualizações.
Apareça!
http://umanoem365filmes.blogspot.com/

Alan Raspante disse...

Eu vi o filme "Capote" no qual ocorre uma narração sobre a preparação deste livro, desde quando eu o vi fiquei entusiasmado para ler o livro e conferir este filme... Algo que quero fazer ainda este ano! Hihihihi

Abs.

Adecio Moreira Jr. disse...

Estou com metade de "Capote" assistido (nem sei quando vou conseguir ver a outra metade) e é curioso ver como foi a base de criação dessa história, que acabou se tornando esse filme que ainda não assisti.

Neve disse...

O filme A sangue Frio tem também uma curiosidade: a casa onde as filmagens foram feitas é realmente a casa da família, cuja única herdeira viva (a filha casada) alugou para locações. Outra curiosidade que a gente não vê no livro (é preciso ler o livro, também) é que Truman se apaixonou pelo assassino.Essa revelação a gente vê no filme "Capote", que conta a vida de Truman enquanto escrevia "A sangue Frio".Outra coisa curiosa do livro A sangue Frio é que ele nos conta que os fazendeiros daquela época nao fachavam a porta à noite, para dormir. Que curioso, não?

Emmanuela disse...

Obrigada pela opinião sempre presente no cinema pela arte! Ainda não tive a oportunidade de ver "A Sangue Frio", gostaria mesmo de opinar concretamente.

Um abraço!

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

Não vi o filme, só conheço o livro. Depois de "Capote", fiquei com mais vontade de vê-lo, e agora mais um texto sobre o filme, que é o empurrão definitivo...