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14 de setembro de 2011

Sweeney Todd - O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet (2007)

Um filme de Tim Burton com Johnny Depp, Helena Bonham Carter e Alan Rickman.

É clichê social tirar vantagem do próximo num momento de extremismo emocional. Está na essência humana, mascarada depois de vários e vários anos de moral externa e domesticadora. Depois dos instintos humanos terem sido condenados pela justiça cristã, eles ficaram enrustidos numa casca de pseudo bondade. E, nessa visão social de um homem amargurado que já sofreu a injustiça da moral e procura uma vingança dela, temos esse musical sombrio que se tornou uma grande surpresa. Não é mistério a parceria favorita de Tim Burton ser seu grande amigo Johnny Depp e sua esposa Helena Bonham Carter. E, nessa combinação do trio numa Londres fria e nada romântica junto à adaptação feita por Stephen Sondheim, temos nas mãos o tenso Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet.

Havia um barbeiro e sua esposa, e ela era linda... Um barbeiro tolo e sua esposa, ela era a razão de sua vida e ela era linda... Após o barbeiro Benjamin Barker (Johnny Depp) perder sua esposa e sua filha por meio do juiz Turpin (Alan Rickman), que a desejava e usou da justiça para tê-la, ele volta à Londres após 15 anos em exílio. Daí, a única coisa que ele procura é vingança contra aqueles que impediram sua felicidade e o transformaram num homem amargurado. Para completar seu plano de vingança, ele assume a personalidade de Sweeney Todd e pretende voltar a trabalhar na mesma barbearia que tinha antes de ser culpado por um crime que não tinha cometido. Mas o tempo passou, ele ouve boatos que a esposa morreu e que a filha está sob a guarda do juiz. Para o seu plano vingativo funcionar perfeitamente ele conta com a ajuda da sra. Lovett (Helena Bonham Carter), a dona do estabelecimento de tortas que fica debaixo da loja de Sweeney.

É um mundo cruel, onde as ruas gritam por piedade da natureza humana que consome a tudo e à todos. É uma justiça feita para poucos com base na injustiça que cai sobre muitos. O único modo de não ser pego é não ser visto, ficar quieto em casa sem ser notado. Aos poucos nos acostumamos com a ideia de uma Inglaterra vitoriana do século XIX, com navios zarpando, carruagens nas ruas, feiras em esquinas e uma ideia parca de moral e ética para os caminhos legais. Aos poucos nos acostumamos com a ideia de que os seres humanos não prestavam - e, assim, ainda chegamos à conclusão que nada mudou. A vingança despertou toda a podridão instintiva de um ser, que acaba desenvolvendo uma reação em cadeia e chacinando uma cidade inteira para poder cumprir seu dever. O superego já não acusa o homem de estar fazendo o errado, ele apenas retribui o que lhe foi dado com o mesmo rancor que lhe infligiram. E com uma paciência de Jó temos o roteiro de Sweeney Todd em mãos: um vingador que recebe ajuda, mas no fundo é um solitário e não sabe o peso de sua ira. Este musical podia muito bem ir parar nas mãos de Chan-Wook Park para um episódio da Trilogia da Vingança (Mr. Vingança; Oldboy; Lady Vingança), porque o barbeiro só conseguiu enxergar o tamanho de seu sentimento depois que o fogo tinha apagado. E de quem é a culpa de tamanha vingança? Culpe a sociedade cega.

Obviamente que a direção de arte não poderia ficar fora dessa ambientação primorosa. Burton primeiramente pensou em colocar os atores contracenando em frente a uma tela verde, mas viu que isso dificultaria a interação de atores para um gênero tão espontâneo quanto um musical. E quem diria que o cenário daria tão certo? As ruas cinzentas de Londres, combinando com toda a ambientação dos subúrbios da rua Fleet e a ralé do mundo que habita lá, como Johnny Depp canta com toda a frieza de seu personagem nos momentos iniciais do filme. Não há lugar como Londres. Ao mesmo tempo que a direção de arte de Dante Ferretti, que ganhou o Oscar da categoria em 2007 por este musical, usa do fetiche de Burton pelos cantos escuros das ruas sem nenhuma visão romântica, a fotografia encanta. Os tons cinzentos e negros de Dariusz Wolski combinam e contrastam com o fogo amarelo de uma fornalha ou com o sangue vermelho jorrando de cortes. Isso sem contar com a maquiagem pálida de personagens indiferentes, uma beleza para deixar o suspense no ar de uma vez por todas. Uma beleza que merece ser vista.

O filme inteiro cheira à Tim Burton. Com o estilo de seus personagens esquisitos e um roteiro não convencional como em outros de seus grandes filmes, ele constrói uma versão ainda mais densa do musical adaptado de Stephen Sondheim. Stephen Sondheim, aliás, é o responsável pela trilha sonora deliciosa de Sweeney Todd. Obviamente, quem já conhece a história até agora sabe que ela é contornada por tristeza e melancolia e que números excitantes como os que apareceram em Chicago ou em Moulin Rouge não são o enfoque desse conto de horror. Isso não muda o fato da beleza das canções. Ouvimos as vozes da escória humana saudando suas vidas desgraçadas ao público, e não se pode esperar nada além disso. Com vozes esganiçadas, transmitindo sofrimento, aguentamos e sentimos as quase 2 horas do filme nas vozes de Depp e Bonham Carter para adaptar canções sofridas que apareceram na Broadway.

Johnny Depp adiciona seu saldo de rancor cantando com uma voz rasgante e transbordando de ira, o que é bem perceptível em cada uma de suas músicas ou de suas cenas. Quando entra em cena, espere mesmo o barbeiro demoníaco, um homem frio que necessita de vingança. Não é a toa que sua atuação lhe rendeu uma indicação ao Oscar e o prêmio do Globo de Ouro. Helena Bonham Carter não fica atrás. Sua voz aguda rende bons momentos e ela sabe dialogar perfeitamente em suas canções com um tom que não cansa o espectador. Enquanto canta, ela mescla beijos, tapas, batidas e gritos em canções angelicais com letras horrendas. E sua força interpretativa é algo que palavras não descrevem sozinhas. Veja bem a sra. Lovett entrando em cena e entenda porque ela ganhou o Globo de Ouro junto com Depp. O elenco é primoroso, por mais que o foco se encontre no casal diabólico. Um Alan Rickman inspirado e resguardado mostra como a justiça era inexistente na época retratada. Os apaixonados Jamie Campbell Bower e Jayne Wisener não perdem a pose e trazem o mesmo tom para os personagens. Timothy Spall traz a rodada de sarcasmo num personagem secundário feito com intenções fortes. E, por fim, Ed Sanders vive seu personagem numa forte crença de Toby, o garoto faminto e sonhador, que se apega rapidamente a um lado inexistente da malvada fabricante de tortas.

Num tempo de musicais retratando amores corrompidos, brutos ou prestes à nascer, Sweeney Todd é algo fora do comum. Primeiramente, pelo toque sombrio de Burton, longe da atmosfera apaixonante. Deve ser uma ironia ver tamanha obscuridade se transformar numa paixão ainda mais forte por musicais. O filme prega pelo terror, pelo drama. E o musical se mescla a ambos em primeiro plano, com as músicas se adaptando a um ambiente e a um roteiro que sozinho já respira tragédia. Sweeney Todd é mais do que um musical de Tim Burton. É a ambientação de uma Inglaterra onde as pessoas comem as outras. Literalmente.

NOTA: 10

14 comentários:

judia disse...

Aí eu do valor! Áspero, objetivo, encantador e malemolente. Tortas de sua judia, de mim.

Rafael W. disse...

Divertidissima e encantadora bizarrice de Tim Burton. Depp está inesquecível.

http://cinelupinha.blogspot.com/

Rodrigo Mendes disse...

Concordo com você Gabriel quanto a este clichê social. Mas no fim, todas as premissas de vinganças são assim mesmo. E todas as fitas baseadas em vingança, pelo menos a grande maioria, em minha opinião, são sucessos!

Este é um grande retorno de Tim Burton e se o filme não fosse um musical, também seria ótimo. Depp e Helena estão incríveis e os números musicais não cansam. Infelizmente eles cometeram o deslize com "Alice", veremos este "Dark Shadows" que está pra chegar.

Abraço
Ótimo texto.

renatocinema disse...

Burton é mestre.

Sua junção com Depp é inigualável.

Você, como sempre, fez uma bela visão sobre um filme.

Adorei quando você diz que o filme inteiro cheira à Tim Burton. Com o estilo de seus personagens esquisitos e um roteiro não convencional.

Isso é Tim Burton puro.

Abraços

cleber eldridge disse...

;ooo eu acho esse filme o extremo do horroroso. tive o desprazer de conferir no cinema, e ouvir aquela cantoria absurda, uma tristeza.

Cristiano Contreiras disse...

Ah, um filmaço mesmo, acredito - sim, isso mesmo - que seja meu predileto do Burton! acho sensual, gótico, intenso, dramático e com humor nonsense! as músicas, o clima todo sombrio, as atuações de Depp (que poderia sim levar o Oscar aqui) e do elenco são perfeitas!

Belo texto, que bom que gostou!

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

Um dos melhores filmes do Tim Burton, com certeza. Gostei bastante da sua abordagem ao filme, e me deu uma vontade danada de revê-lo agora!

karlaneves disse...

linda e excelente crítica...traduzindo o filme com exatidão!!!!!!!!!!!!

Adecio Moreira Jr. disse...

Eu não sei porque acabei não me rendendo ao hype de ST, e olha que tinha tudo para eu amar.

Seu texto acabou me fazendo ficar com vontade de rever o filme. E, quem sabe, ver o que não vi quando o vi pela primeira vez. =(

Alan Raspante disse...

Um dos meus favoritos do Burton. Aliás, acho que não tem nenhum filme do Burton que eu não tenha gostado, rs

Abs :)

Andinhu S. de Souza disse...

Lindo texto. Sabia que era um dos seus preferidos já hahah. Só acho o que filme não funcione tanto como musical. As músicas são um tédio. Mas o filme é lindo, sombrio e com um direção de arte impecável.

Natalia Xavier disse...

Nossa Gabriel, AMEI esse seu texto! (vo até divulgar no Face, rs) Fiquei sem ter assunto no comentário! hahahaha

Reforçando o que vc já disse, eu acho a direção de arte uma das melhores qualidades do filme. Os tons azulados e cinzentos, de uma Londres fria e o contraste do vermelho do sangue que jorra, pra lá de saturado. É uma grande arte, que mescla um bom diálogo dentro das melodias e um bom andamento de toda a trama.

Lembro que o final me fez soluçar de tanto que chorei. O olhar de compaixão que Johnny Depp fez, depois de tanto olhar frio de um personagem rancoroso e vingativo é praticamente impagável.

Considero este a última obra prima de tim Burton até agora, e é um dos meus preferidos do diretor.

Abs!

Diego S. Lima disse...

De fato é um musical com os rtjeitos do Burton...não é meu favorito dele, mas é quase, e com toda certeza, é dos filmes mais subestimados dos ultimos anos. E com Johnny sempre maravilhoso, é pra não se cansar de assistir...

ótimo texto Gabriel...

Unknown disse...

Eu gostei de tudo e música excessiva, gostei principalmente por Jonny Deep bem devo admitir que apesar de ser um musical o roteiro era bastante atraente, cujo mérito deve entregá-lo a J. Logan. Altamente recomendado.