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8 de setembro de 2011

Blade Runner (1982)

Um filme de Ridley Scott com Harrison Ford, Sean Young e Rutger Hauer.

O homem gosta de brincar de Deus. Gosta de se sentir no poder quando ameaçado e, por mais que tente esconder isso numa sociedade racional, no fundo, em seu inconsciente, é a vontade de poder que o move. Em sua confusão de causa e consequência, de criação e criador, o homem acaba desconhecendo seus limites quando prova um pedaço da soberania. E assim, acabamos brincando com a vida. A vida nos é concebida e chega a ser um pecado para alguns quando ela é criada em laboratórios. E, brincando com a vida, chegamos ao ponto que Blade Runner quer chegar: como se dá vida a alguém e depois diz que é preciso retirá-la? Num paralelo com o poder, o filme de Ridley Scott é uma aula de humanidade num futuro onde a vida é uma brincadeira de diversos deuses em carne e osso.

Num futuro até próximo, uma empresa começa a produzir robôs mais fortes e mais inteligentes que um ser humano, e aqueles podem ser confundidos com estes com uma facilidade incrível. Até que, devido a um motim contra a raça humana, os robôs, que são chamados de replicantes, são expulsos da Terra sob a pena de morte, que é chamada de aposentadoria. Nessa caça aos replicantes, chegamos ao ano de 2019, onde acompanhamos o ex-caçador de andróides Rick Deckard (Harrison Ford) procurar por 4 replicantes foragidos que invadiram a Terra em busca de idade, já que cada replicante pode viver até, no máximo, 4 anos.

O interessante dessa manifestação que acabou se tornando uma escola da ficção é a sua temática. Por mais que o visual seja excelente para a época em que foi feito, cheio de artefatos tecnológicos e futurísticos que seriam usados mais tarde em outros filmes, o roteiro é que se encontra em primeiro plano aqui. Blade Runner não abandona a ficção científica em momento algum, o que é prova em seus momentos de luta, batalhas coreografadas e a ideia principal dos replicantes. Mas o que vem junto à ficção é uma ideia: onde está a humanidade quando se fala de vida? O limite do ser humano é saber parar quando ele mexe com o desconhecido ou com algo que ele mesmo não controla. E o homem nunca controlou a vida alheia, por mais que sempre tivesse a ambição disso. A partir do momento que as máquinas ganham vida, elas adquirem sentimentos. Elas podem ver, elas podem sentir, elas podem saber o que é ser humano num corpo de fios com 4 anos de vida. E como se retira, num tempo tão curto, uma vida de um ser que teve a chance de viver? O fato de eles não serem concebidos como seres humanos não é o bastante para negá-los o direito a sentir o mesmo que a sociedade. Afinal, no fim, chegamos a uma questão: somos mais humanos do que máquinas assassinas?

O aspecto humanitário que atinge essa obra de Ridley Scott, que foi utilizado recentemente no inglês Não Me Abandone Jamais de uma forma mais romântica, é o ponto principal da sessão. O que é a humanidade após a revelação dos andróides? Esse conceito ainda é válido? O conceito de humanidade normalmente é utilizado para um caráter benevolente, e tirar uma vida alegando que ela não é uma vida é benevolente? O benevolente é observar durante os curtos 87 minutos de duração a humanidade ser retratada em filhos dos tubos de ensaio. Uma humanidade não finge ser algo além do que é na tentativa de criar e retirar, como fez o calmo dr. Tyrell, interpretado por Joe Turkel, no seu pecado de ser um deus no auge de seu gênesis. O interessante é a rixa eterna entre duas raças que não se diferem entre si na maioria dos quesitos. Os replicantes foram feitos escravos dos humanos, feitos para viverem com medo do prazo de validade, com medo dos humanos, com emoções bem mais fortes do que as trazidas por um senso de humanidade corrompido. E é o resgate dessa sensação, ou ao menos a tentativa dele, que o andróide Roy Batty traz no filme após toda a caracterização violenta de seu personagem. Tente não se emocionar nas cenas finais, num apelo à paz entre as raças.

Uma experiência e tanto viver com medo, não? Ser escravo é assim. Os replicantes têm uma crise existencial mais forte do que os próprios humanos pelo fato de não saberem quem são até virarem repúdio de uma raça que acolheram. E há uma contestação clara disso. O viver sem estar seguro é motivo para uma ira infinita, um repúdio da raça criadora. Observe a beleza da cena rápida entre Roy e Tyrell, criatura e criador. O que difere os homens dos replicantes é que os andróides tem certa razão em sua raiva. Blade Runner é uma experiência composta de belos momentos da existência e sua ironia e teve uma longa caminhada para chegar ao ponto que chegou. O filme foi lançado inicialmente em 1982 mas, por estreiar junto a outros sucessos como Star Trek II e E.T., não foi bem recebido, nem pelo público nem pela crítica. Após 10 anos de seu lançamento, com novas versões sendo dirigidas e com uma nova edição feita pela equipe, o filme passou de fracasso de bilheteria para clássico cult. A beleza de Blade Runner também está nos efeitos especiais, muito à frente de seu tempo. Quem proporcionou todo o visual futurista, cheio de lasers, naves e neons, foi Douglas Trumbull, unido à fotografia predominantemente escura de Jordan Cronenweth, ao design de Syd Mead e à força da trilha sonora do grego Vangelis.

Ver um Harrison Ford, inspirado e com força interpretativa excelente para encarnar seu personagem; uma Sean Young desesperada em sua atuação e transmitindo sofrimento a cada fala; um Rutger Hauer que rouba as cenas com suas expressões e seus diálogos; e uma Daryl Hannah sedutora, mas ao mesmo tempo fatal e engraçada, não há como resistir ao charme total de Blade Runner. As figuras se tornaram ícones assim como a temática se tornou um clássico. Um clássico que resistiu ao tempo e que acabou se tornando não apenas a criação, acabou se tornando o criador. "É uma pena que ela não vá viver; mas, afinal, quem vai?". Quem viverá é apenas a lição dessa obra-prima imortalizada no cinema. Um clássico obrigatório.

NOTA: 9

4 comentários:

Adecio Moreira Jr. disse...

Adoro Pris, tanto a personagem, quanto Daryl Hannah. Ah, e o filme, é claro, um dos melhores dos anos 80, sem sombras de dúvida.

Alan Raspante disse...

Filme magnífico. Meu favorito do Ridley Scott. Sem contar que o filme tem discussões interessantes que vão além da máquina Vs ser humano.

Muito massa!

Abs :)

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

Eita, que maravilha de postagem, hein, Gabriel! Um dos meus filmes preferidos de todos os tempos! Muito, muito, muito bom!!!

Rodrigo Mendes disse...

Grande texto aqui tbm Gabriel!

"Blade" é um cult absoluto!
Abraço