Um filme de Tom Hooper com Colin Firth, Geoffrey Rush e Helena Bonham Carter.
Todo povo precisa de uma voz para representá-los de um modo que melhor lhes favoreça. Que a voz tenha ideias concisas e coesas, que a voz consiga ver os dois lados de uma situação desesperadora, que a voz transmita segurança para o povo que conduz. Mas se essa voz não consegue nem ao menos se segurar e mostrar força, imagine quando ela governa uma das maiores potências, ainda mais num estado caótico pré-Guerra Mundial. O Discurso do Rei, um dos favoritos ao Oscar de melhor filme e o indicado a mais categorias na premiação - 12, no total - tem um charme próprio conferido pelo ar vitoriano trazido à narrativa, isso junto da ótima direção de Tom Hooper, que mescla efeitos envolventes com a trama e com uma trilha sonora característica e aguçada de Alexandre Desplat. Porém, ainda falta algo na história de O Discurso do Rei para torná-lo uma obra prima. É um filme divertido, muitíssimo bem feito e bem humorado, mas para por aí.
O filme conta uma história de superação por trás da figura do Rei George VI (Colin Firth), o pai da rainha Elizabeth II, a atual monarca do Reino Unido. George, marido da rainha Elizabeth (Helena Bonham Carter), tem um sério problema para representar seu próprio povo. Ele não é capaz de fazer discursos ou pronunciamentos graças a uma terrível gagueira que o atormenta por sua insegurança em seu papel na sociedade britânica. Como o futuro iminente sugere que ele comece a se pronunciar mais em relação ao povo inglês, sua mulher procura um terapeuta da fala para auxiliar o marido em seu problema. A partir daí, a família real se junta ao pouco convencional Lionel Logue (Geoffrey Rush), que ajuda o rei a estabelecer uma segurança e criar uma voz para representar a seu povo e a si mesmo.
Sobre técnica, o filme está impecável. Alexandre Desplat é competente e cria uma atmosfera para reavivar a visão inglesa que temos nas quase duas horas de sessão. A direção está excelente ao criar planos diferenciados, uma visão turbulenta para reproduzir o olhar dos personagens, ângulos nada convencionais ao mostrar uma terapia para curar a gagueira e os enquadramentos ora distanciados, ora colados nas figuras históricas que aparecem em características cômicas na tela. A fotografia de época que traduz uma Inglaterra fria combinada com um figurino de cores mortas traz um ritmo ainda mais essencial para o funcionamento do longa. O que há de errado n'O Discurso do Rei é um roteiro altamente emocional, feito para agradar a todas as idades. Em certas cenas, que mostram até um descaso com a figura real por seus súditos, o que prevalece não é o tom biográfico traduzido numa história de superação, é um humor de situações não convencionais para uma lição vir como se estivesse sendo mostrada num filme de comédia. E aí mora o pecado da obra: ao converter seu drama em cenas divertidas, ele acaba perdendo um tom que tenta recuperar no desfecho da sessão.
Os personagens seguem à risca um roteiro sentimental e tentam mostrar, diferentemente da história, a relação entre a monarquia e os súditos, e como ela consegue ser bem vista. Aí mora boa parte do humor, imagine só, um rei saindo de seu castelo para visitar diariamente um subúrbio inglês? A sorte é que aí não se veem tantos erros, pelo simples fato de que os atores e atrizes são altamente competentes nas transfigurações para os personagens. Helena Bonham Carter está sublime, a doçura e razão exaladas por sua personagem quando em cena são contagiantes, e é quase impossível conter alguns risos de frente a sua personalidade extrovertida. É uma pena que ela apareça tão pouco no filme, se sua personagem fosse mais aproveitada ela ganharia facilmente o Oscar de melhor atriz coadjuvante. Geoffrey Rush é outro que aposta num bom humor típico ao interpretar, brilhantemente, um terapeuta que, ao longo do tempo, se torna um psicólogo e um amigo para o rei. A fuga do ortodoxo revela a verdadeira faceta do médico, que se torna necessário para um fim digno de rei.
Mas a parte dramática inteira fica na ótima atuação de Colin Firth. A tarefa de um rei, antes de tudo, é auxiliar seu povo em momentos difíceis, é ter a própria voz como um referencial a ser seguido nesses tempos. Mas o rei não acredita em si próprio, e a sua voz está danificada por isso. Como ele auxilia um povo se não consegue auxiliar a si mesmo? A cada minuto que passa, o personagem de Colin Firth se torna cada vez mais inseguro, e mostra isso em suas explosões para com a família, esta sendo representada por um Guy Pearce que não aparece e provoca o irmão mais novo através de uma gagueira incontrolável. Depois de ver um irmão companheiro morrer, um irmão mais velho zombeteiro e pais rígidos que acompanham um método tradicional para a formação do futuro do Reino Unido, ele fica gago resultante de todos os problemas emocionais que lhe afetaram direta ou indiretamente. Um homem impotente não deveria ter um cargo tão importante nas decisões de uma nação inteira. E, ao se ver repentinamente a dois passos do trono e ainda mais perto de uma Guerra de consequências devastadoras para seu reino, ele tem de esquecer esse seu problema, que só foi ganhando campo ao longo dos anos. Por mais que boa parte das emoções no filme soem artificiais, é uma bela história de superação, no fim das contas.
Tudo no filme parece perfeito se olhado apenas de um modo estético. Tudo está em seu devido lugar, minuciosamente detalhado, trabalhado competentemente para uma soma entre atuações de um elenco espetacular e um visual bem-feito. Mereceria seus 12 prêmios se o teor do filme fosse tão frio quanto o cenário em que a história é retratada. O humor é bem vindo para O Discurso do Rei não se tornar enfadonho em sua duração, mas esse mesmo humor acaba estragando a essência do filme. No fim das contas, não é um filme sobre a vida do Rei George, mas que poderia ser retratado em situações semelhantes numa periferia atual. O aspecto antigo é que traz a glória a um filme que dá vida ao drama de uma gagueira em busca de superação, não na história marcante de um rei com dificuldades em guiar um povo, tão perdido quanto ele mesmo.
NOTA: 8
5 comentários:
Ah, mais um filme que "estou pra conferir", hehehe Acho que dentre todos os concorrentes do Oscar, este é o que tenho mais "animo". Quero muito ver a atuação de Firth e torcer por ele neste Oscar, já que achei um disparate ele ter perdido no Oscar passado.
Enfim, "estou pra conferir" em breve!
Eu vi ontem o filme e achei mtoo bom! eu escrevi nomeu blog sobre o filme! O Oscar já é de colin Farel!
O Discurso do Rei e A Rede Social são os favoritos do Oscar, e com certeza um deles vai ganhar; porém, como o Discurso do Rei não é americano e o Oscar é, acredito que vai perder para A Rede Social, que tem a maioria, se não TODAS as críticas boas de todos os criticos dos EUA.
Torço mto tbm pro A Origem, que pra mim foi um dos melhores de 2010, mas sem chances. Espero que ganhe de melhor Roteiro, que merece mto; mas tem como concorrente forte o próprio A Rede Social!
Ainda que um trabalho MUITO convencional, redondo e nada inovador – mesmo assim, o filme é uma delícia de se ver. Cativa, diverte, emociona mesmo! É impressionante como eu gostei desse filme. Ainda mais pelo bom roteiro de David Seidler e da maneira como Colin Firth (que por sinal está maravilhoso, em momento INSPIRADO) conduz seu personagem. Geofrey Rush é seu contraponto perfeito, gosto muito das cenas de ambos, como você bem pontuou no texto.
A direção de Tom Hooper é segura, aliado pela trilha sonora perfeita de Alexandre Desplat. Eu gostei do filme, só acho que não merece os Oscar de filme e direção – “Cisne Negro” ou mesmo “A Origem” que são, ao meu ver, merecedores disso. E eu gostaria de ver Helena Bonham Carter premiada por esse filme, mas por ser uma personagem contida, dificilmente isso ocorrerá.
Abraço
Seu texto está muito bom. O excesso de piadas e a falta de ousadia fazem deste filme menor. A parte técnica é incrível, e as atuações também. Mas preferiria que perdesse para A Rede Social, muito melhor, dinâmico, criativo e inteligente. Abraços.
Eu achei o filme incrível, tão incrível que estou com dificudade de escrever a crítica. Para esfriar a cabeça estou escrevendo a de "O Ritual", uma crítica mais fácil de se fazer e mais gostosa de se ler.
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