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10 de janeiro de 2011

Onde Vivem Os Monstros (2009)

Um filme de Spike Jonze com Max Records e Catherine Keener.

Um filme infantil com mais complexidade que as animações existentes por aí. Se for ver Onde Vivem Os Monstros, pode esperar aquilo que se vê num filme infantil, uma história fantasiosa envolvendo uma criança e uma lição aprendida no desfecho. Mas não espere que tudo venha cuspido, porque Spike Jonze dificulta bastante as coisas pra esse lado. É um filme infantil recomendado para muitas crianças e para muitos adultos. É possível que muitos jovens não entendam e vejam mais fantasias e cenários atraentes porque o filme fala exatamente sobre essa juventude, o período da infância com todos os direitos que as crianças devem ter e acham quem têm. E é exatamente esse foco no realismo de uma criança que transforma o filme nessa obra maravilhosa. Se for ver, não espere uma criança quietinha ou estereotipada. As crianças que eu conheço, como o protagonista, fazem birra, brigam com a mãe, querem ser a estrela da casa, não entendem as dificuldades que a família passa e têm uma imaginação mais ativa do que um olhar para o mundo.
Max (Max Records) é um garoto comum vivendo os melhores momentos de sua vida que lhe parece tão infeliz. Por mais que sua irmã goste dele, ela é adolescente e não tem mais como dividir o tempo entre o irmãozinho e os amigos de maneira justa. Por mais que sua mãe o ame, ele acha que ela não dá atenção o bastante para ele enquanto ela cuida do trabalho e faz jantares para o namorado. E é num desses confrontos com a mãe que Max foge de casa e entra numa canoa sem rumo. Quando ela para, ele se vê numa ilha cheia de criaturas estranhas, grandes e com dentes pontudos - monstros. Antes de eles terem tempo de devorá-lo, ele os convence de que é um rei que pode fazer tudo num piscar de olhos, tornando-se o rei da ilha, idolatrado por seus novos amigos monstros.
O filme não tem pressa em mostrar sua mensagem. Se você for um desavisado na sessão, pode passar o filme inteiro dormindo, já que a direção de Spike Jonze tem foco numa linda fotografia e cenários maravilhosos, ambos acompanhados pela cativante trilha sonora composta pela barulhenta Karen O, líder dos Yeah Yeah Yeahs, junto com crianças tão barulhentas quanto ela. Com isso, o ritmo do filme decresce drasticamente, deixando-o maçante em várias partes. Mas se a paciência de acompanhar o desfecho da história for grande, valerá a pena ter enfrentado a preguiça causada. O segredo do longa metragem é dar responsabilidades a um menino sem elas, lhe confrontando com problemas que ele causava antes. Ao se tornar rei, os monstros vão se revelando para as telas. Judith, monstra com a voz de Catherine O'Hara, torna-se insuportável por ter tanta inveja, coisa que Max tinha aos montes de sua irmã e sua mãe. Douglas, com a voz de Chris Cooper, é enérgico e ativo, características da infância; Alexander, voz de Paul Dano, acha que não é levado a sério pelos outros monstros. Os monstros mais caricatos, KW, com a voz de Lauren Ambrose, e Carol, com a voz de James Gandolfini, são, na versão monstrenga, uma relação amorosa entre Max e sua irmã. Max se identifica logo com Carol pelo caráter destrutivo de ambos, de não gostarem de ser contrariados, por mais que a situação exija. KW é a sensata do grupo, por mais que se afaste dele e goste de seus momentos de solidão.
A partir daí os conflitos do filme são formados. Ao se tornar rei de uma ilha inteira, o menino de 8 anos vê que não é capaz de controlar uma situação desse tamanho. Por mais que ele consiga viver de imaginação durante algumas horas, ao ver o quão sério se tornam os relacionamentos entre personalidades tão distintas submetidas a uma criança inexperiente, ele tem de enfrentar o que ele criava para sua família. Ao longo do filme, o rei aprende com KW a arte da introspecção e vê que não querer passar tempo com as pessoas que ama não significa não amá-las. Ao mesmo tempo, junto com seu melhor amigo, Carol, ele vê como não suporta a si próprio quando a responsabilidade bate de frente com seus instintos. Ao querer que os monstros tomem conta da criança que ele é, ele se vê mais seguro que os monstros que vivem na farra. É uma metáfora forte ao ter de enfrentar um impasse entre a infância, a fase de que se acha que pode tudo, e a pós-infância, quando as crianças já conseguem ter uma noção entre o certo e o errado.
Ao se ver cercado por suas piores personalidades, o pôster do filme cria uma razão na vida real. Logo abaixo do título, está escrito que há um monstro em cada um de nós. Realmente, ao lidar com a inveja, o desprezo, a solidão, a passividade, a ignorância e a destrutividade, tem de haver uma mudança ao ver que elas não se encaixam para uma harmonia perfeita. Ao querer que características tão distintas trabalhassem juntas ao criar uma imensa casa em paz, há coisas que precisam serem mudadas, e para elas mudarem, o rei tem de mudar a si próprio. Tudo o que Max Records, aliás com uma atuação excelente e eficaz, faz na ilha criada é um reflexo de suas atitudes no mundo real, testes que ele tem de enfrentar entre sua atitude e a atitude alheia. Como dizer pra alguém o que é errado se você fez essa mesma coisa antes, se achando em seu direito? A imaginação do menino cria o que poderia ser um porto seguro. Mas essa mesma imaginação, ao ser refletida num espelho através de monstros, se torna um pesadelo.
Um filme belíssimo é Onde Vivem os Monstros. É dedicado em sua construção e faz metáforas simples para explicar um período complexo. A incapacidade da criança em ser rei é algo óbvio no filme, assim como tudo que estava errado na ilha entre os monstros. O fato é, se os monstros não tivessem encontrado um equilíbrio na criança desequilibrada que aprende aos poucos a se equilibrar, eles teriam se destruído aos poucos. O mesmo com o menino se não tivesse se reconhecido tanto nos seus amigos que ficam insuportáveis por serem tão iguais a ele. Um show de filme abordando as relações de uma criança descobrindo o mundo a partir de seus olhos problemáticos.
NOTA: 8

3 comentários:

renatocinema disse...

Obrigado pelo carinho.

Sendo sincero nem li seu texto, minha cabeça ainda esta a mil.

Lerei com calma e te aviso. Esse filme merece atenção, pois gostei muito quando assisti.
abraços

Luiz Santiago (Plano Crítico) disse...

Fala, rapá!

Parabéns pelo texto. Ainda não tive oportunidade de ver o filme, mas gostei da sua análise que focou nesse âmbito comportamental entre a infância e a adolescência, e isso, como professor, me interessa muito - como cinéfilo também.

Anônimo disse...

Valeu!