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26 de fevereiro de 2011

Reencontrando A Felicidade (2010)

Um filme de John Cameron Mitchell com Nicole Kidman e Aaron Eckhart.

Com a filmografia de John Cameron Mitchell, é de se esperar algo mais sexy e polêmico do que Reencontrando a Felicidade. Sua primeira obra, o musical adaptado da Broadway, Hedwig: Rock, Amor e Traição, lida com a história de um transsexual numa banda de rock. Depois disso, quem achou que ele não poderia mais quebrar tabus se enganou, já que ele veio com o sexual Shortbus, um filme que explora as diversas maneiras de se livrar da monotonia diária através de uma surpreendente diversidade sexual. Em seu novo trabalho, ele consegue levar um drama baseado completamente numa trama emocional por si só e pelo sofrimento diário de dois atores bastante competentes. Se em seus outros filmes ele trabalhava de maneira alegre, aqui é exatamente o que não se esperava: melancolia, desespero e uma tristeza e inconformação que não se revertem e nem acham um motivo para serem revertidas. O ponto comum aqui de Mitchell é mostrar a outra face de pessoas que não conseguem esquecer a tristeza e a maquiam no cotidiano.
Becca e Howie Corbett (Nicole Kidman e Aaron Eckhart, respectivamente) tinham tudo para serem um casal feliz. Um bom-humor, conseguem viver juntos, uma bela casa, ambos com um bom emprego, vizinhos e amigos agradáveis, uma vida social ativa. Tudo, mas há uma lacuna na vida do casal que nunca será preenchida. Numa fatídica tarde, o filho deles, Danny, ao correr atrás do cachorro da família, é atropelado por um adolescente e morre na hora. Por mais que o tempo passe, a dor do casal não muda. O filme retrata os acontecimentos de 8 meses após a morte da criança e de como o casal lida com o assunto que ainda permanece vivo dentro deles.
Quando uma criança perde os pais, há um nome para definí-la. Chamam-na de órfã. Quando alguém perde um companheiro querido, há um nome para definí-lo. Chamam-no viúvo. Quando alguém perde um filho, não há nome algum para se definir essa pessoa. Talvez, triste. Melancólica. Desesperada. Cada dor é especial e forte à sua maneira, e quem não perdeu um filho não sabe o que é esse drama vivenciado com tanta intensidade na tela por uma Nicole Kidman frágil e exposta, que consegue mascarar a sua dor, intensificando-a cada vez que ela surge. Ela não consegue esquecer o filho, e não há culpa aí, não é para se esquecer. Pais que perdem os filhos vivem uma vida normal ou até fingindo que o são, mas nunca esquecem o que tinham. Isso fica evidente nas lembranças de duas mães que perderam os filhos, representadas por Kidman e uma Dianne Wiest de tirar o fôlego. "Como você aguenta?", pergunta Kidman para a mãe. "A dor ainda está lá. Ao passar dos anos, ela vai diminuindo, mas continua lá. É como se você carregasse um tijolo no seu bolso a todo lugar que fosse", responde uma Wiest exprimindo sua dor. "Você o carrega para todo lugar e até o esquece, mas ele ainda pesa".
E para acabar com o peso de seu tijolo, o que faz Becca? Finge esquecer sua dor, tentando fingir que o filho não existiu num estado subconsciente de negação, jogando roupas, brinquedos, desenhos fora. Mas o esquecimento não é a resposta. Ao ter de aturar sua família, composta pela mãe que também sofreu a perda de um filho, e da irmã que se encontra grávida, ela vê tudo voltando à tona. A fragilidade dela fica no interior da figura de uma mulher forte, mas perturbada por dentro. Ela só precisa fingir para todos que tudo está bem, mas no fundo ainda está estilhaçada. E o único confidente que acha para compartilhar sua dor infinita é o assassino do filho, Jason, interpretado por Miles Teller. No garoto, ela vê a esperança de alguém que entenda sua dor, exatamente quem a causou. E ao mesmo tempo que ela vive remoendo uma morte, o menino também tem de conviver com uma culpa diária. Mas, ao contrário de Becca e Howie, ele ainda acha motivos para viver. Ele ainda tem um futuro para construir, coisas para aprender. E Becca não consegue mais enxergar uma motivação que a faça esboçar um sorriso, imagine ter de conviver diariamente com seu sentimento de perda, e ainda ver sua irmã imatura tendo uma graça que lhe foi privada.
Ao passo que Becca vai acrescentando fingimentos em sua vida, Howie não faz esforços para mostrar o quanto ainda sofre com a perda do filho. Aqui Aaron Eckhart, numa atuação bastante intimista e competente, cria um pai que tem de ver o problema maior: por mais que o sofrimento da família seja visível, eles não podem escapar de pagar contas e viver baseados num sistema movido por capital. Ele ainda tem que trabalhar e esquecer de sua vida para sustentar a família. Ao mesmo tempo que isso é bom, o que o deixa com algo para se distrair ao invés de pensar na criança o dia inteiro, é péssimo, já que ele se torna cada vez mais dependente de memórias da rápida infância que ele viu em sua casa. E, por isso, guarda os momentos felizes com o filho em seu interior, resguardando tanto a bondade quanto as mazelas que o tempo trouxe. Essa sua mágoa o faz compartilhar com qualquer um a sua dor, exceto com a esposa que parece querer aumentá-la.
Imagine um forte apego, que insiste em sumir de uma hora pra outra. Imagine um cômodo de sua casa que você não consegue entrar sem cair aos prantos. Imagine não sair com medo de ouvir resquícios de uma infância escondidos em uma risada, com medo de falar sobre o que te atormenta. O filme é um retrato da dor, mostrado em uma fotografia azulada e triste, em cenário e roteiro extremamente simplistas e em situações e interpretações poderosas do casal Kidman e Eckhart. O longa metragem não tem pressa em mostrar todos os lados das personagens, afetiva e psicologicamente. Dizem que quando uma criança perde o pai, esta perde um passado, mas quando pais perdem o filho, estes perdem um futuro. O casal daqui não só perdeu o futuro como o completou com um estado depressivo que está impregnado na atmosfera de Reencontrando a Felicidade.
NOTA: 8

24 de fevereiro de 2011

Santuário (2011)

Um filme de Alister Grierson com Ioan Gruffudd e Alice Parkinson.

O nome que se sobressai nos pôsteres liberados de Santuário é o de James Cameron, responsável pela criação de um mundo novo no sucesso do ano passado Avatar. Por vários motivos. Primeiramente, para o marketing causado pelo nome dele, que vem sendo o novo deus do cinema após ele ter levado milhões de pessoas para verem, em uma experiência 2D ou 3D, o mundo de Pandora e todos os seus aliens azuis. Em segundo lugar, e não menos importante, porque ele é o "protagonista" de Santuário. Ao recriar um cenário com a tecnologia 3D nessa trama claustrofóbica debaixo d'água, ele que sai ganhando nesse filme que só perde. Com atuações medíocres para baixo e com um drama sustentado por uma relação pai e filho que não se aprofunda nos cansativos 110 minutos de sessão, é meio difícil decidir se ele realmente vale a pena ser visto pela tecnologia e pelos cenários com tantos inconvenientes.
O explorador Frank McGuire (Richard Roxburgh) lidera uma expedição às misteriosas cavernas na costa australiana, consideradas "o último local inexplorado do planeta". Junto com seu filho Josh McGuire (Rhys Wakefield); Carl (Ioan Gruffudd), o principal financiador da viagem; Victoria (Alice Parkinson), a namorada dele; e o parceiro de Frank, George (Dan Willie), eles partem para explorar o submerso. Porém, quando uma tempestade aparece, eles ficam sem modo de voltar para o mundo exterior, presos numa caverna sem existência da saída. O filme é baseado em fatos reais, na experiência de um dos roteiristas, Andrew Wright.
O filme é bastante claustrofóbico, e toda essa tensão é conferida apenas por uma visão conturbada que o público tem do que se passa pela caverna, através de efeitos e técnicas sensoriais para o espectador sentir o frio e a apnéia e que o transferem para o mesmo ambiente fechado e nauseante que os atores se encontram. A iluminação é caótica, e varia entre uma lanterna que não fica parada até os raios solares batendo na água, para que as pessoas possam sentir e ver o que há nas telas. O 3D é bem aproveitado aqui, tanto que ele confere algumas coisas à mais para a sessão. O problema é que apenas cenário e fotografia, por mais bons que sejam, não conseguem trazer toda a tensão do filme. O resto fica por conta do péssimo elenco. Não é possível levar a sério uma relação tão falsa e clichê quanto a de Rhys Wakefield e Richard Roxburgh ao tentarem criar um péssimo sentimentalismo familiar. Por mais que a história seja baseada em fatos reais, é difícil se prender em Santuário com tamanha previsibilidade num roteiro e canastrice nas atuações. E, por mais que essa pieguice não acabe, Roxburgh é o melhor do filme. É até difícil de acreditar até se ver um Ioan Gruffudd tão tenso quanto o clima do filme, um Rhys Wakefield que chega a dar vergonha e uma Alice Parkinson que se torna, rapidamente, a mais irritante da sessão.
Santuário é um filme que transborda aflição em seus cenários apertados e seu clima claustrofóbico. Ficar preso numa caverna, que só se enche de água, com o oxigênio acabando, é simplesmente perturbador. Ainda mais se lembrarmos que pessoas realmente vivenciaram essa tensão além das telas de cinema. Mas o filme para por aí. Se ele fosse um filme mudo de bonecos Lego, talvez poderia ser bem melhor do que encarar atuações dignas de um Framboesa de Ouro. A tensão da película é quebrada através das situações que se perdem mais do que os exploradores. A brincadeira da sessão é adivinhar o que vai acontecer na próxima cena, e o problema é que quase sempre a previsão se torna realidade. Entretem até certo ponto, depois se torna uma diversão descartável. Só não vá ao cinema esperando uma obra prima. James Cameron esteve em Titanic e Avatar e, por mais que ele salve a estética da sessão, ele não faz milagres para tornar o filme em uma obra-prima.
NOTA: 5

22 de fevereiro de 2011

Bravura Indômita (2010)

Um filme dos Irmãos Coen com Hailee Steinfeld, Jeff Bridges, Matt Damon e Josh Brolin.

Bravura Indômita é um filme bastante inesperado. Depois de Um Homem Sério, não passava pela minha cabeça que o próximo projeto de Joel e Ethan Coen seria uma refilmagem de um clássico de 1969. Não esperava mesmo que uma renovação do gênero de faroeste pudesse dar tão certo. E, de um elenco que conta com Matt Damon, Josh Brolin e o ganhador do Oscar de melhor ator do ano passado, Jeff Bridges, não esperava que a melhor atuação do longa fosse a da desconhecida Hailee Steinfeld, que carrega um peso forte nas costas de sua personagem caricata. Não esperava muita coisa dessa obra, então minha surpresa foi imensa ao me deparar com uma volta do faroeste misturado às técnicas conhecidas dos Coen.
Mattie Ross (Hailee Steinfeld) é uma menina de 14 anos que acaba de perder o pai, graças ao assassino Tom Chaney (Josh Brolin), que estava trabalhando para a família. Após matar o pai de Mattie, ele foge com um cavalo e as duas barras de ouro da Califórnia. Mattie, obstinada em ter sua vingança, vai até Arkansas procurando o assassino do pai. Sabendo que ele cruzou a linha do território indígena, ela decide vender os pertences do pai para contratar alguém para perseguir Chaney. Assim ela conhece Rooster Cogburn (Jeff Bridges), um xerife beberrão e rabugento, e o paga para acompanhar na viagem até a vingança. Porém, no meio do caminho, ambos se juntam ao Texas Ranger LaBeouf (Matt Damon).
É uma reinvenção do filme com o livro original, junto das técnicas aguçadas dos irmãos Coen. Ao adaptar a obra com humor negro e com diálogos fortes e memoráveis, o filme pode não ser exatamente o estilo que se espera dos diretores, mas é evidentemente um filme deles. Os diálogos, carregados com um forte sotaque regionalista dos Estados Unidos e com uma diversão conferida pelas discussões de uma garota jovem com homens bem mais velhos, junto com a reação a ações inesperadas com um profundo descaso apenas confirmam a ótima direção da nova versão de Bravura Indômita. A fotografia, completa com seus tons amarelos misturados num cenário desértico estonteante, os figurinos contrastando com as paisagens e a sonoridade do filme aumentam o aspecto de Velho Oeste que ele promove no espectador, um espectador que ficará encantado na sessão de uma história simples e antiga, com moldes atuais remetendo à década de 60. Toda a estética do filme é feita para isso, reviver um gênero que poderia estar apagado agora em meio a ficções e thrillers.
Por mais que o filme seja um show em sua técnica, a atuação é outro fator que contribui para o sucesso do remake. Matt Damon e Josh Brolin tem uma interpretação competente e desempenham um papel importante na trama com eficácia, nada além disso, embora ambos tivessem uma característica própria baseada num estereótipo. O filme se sustenta em Hailee Steinfeld, a menina de 14 anos que conseguiu surpreender nesse seu trabalho forte, da criança motivada que pode gerar estranhamento em sua personalidade. A única busca da menina é baseada em sua cultura de poder vingar a morte do pai, e não há desistência possível. Por mais que ela seja mais responsável que os dois atores com quem contracena na maior parte do filme, não se pode apelidá-la de adulta, pelo simples fato de que ela não larga as características infantis de sua personagem. Outro sustento para o filme é o cômico Jeff Bridges, que entre resmungos e risadas, consegue entreter um público sedento por ação, que espera a sessão inteira para vê-lo disparar uma arma em tons canastrões. A personalidade da menina fica com falta de alguém após perder o pai, e ela consegue atribuir essa figura faltante ao xerife. Percebe-se no filme uma afeição entre ambos, que poderia ser mais do que uma simples amizade.
Não é um filme forte, não é um drama característico, não tem a pressão psicológica nem um roteiro tão bem feito e envolvente quanto a de outros filmes atuais. O que Bravura Indômita tem é um entretenimento ao mostrar a inversão de papéis num ano politicamente incorreto segundo os costumes atuais. Mas o que esperar além disso de um faroeste? Não há lei no Velho Oeste, e essa menção ao sistema antigo está presente na essência da película. É uma aventura que mostra o quão longe iria alguém por vingança, o quanto se pode criar um apego pela pessoa mais ríspida num coração amargurado, que tudo o que vai, volta. E ainda faz mais. O filme dos Coen renova o gênero esquecido há muitos anos e mostra que o público ainda paga para ver um faroeste.
NOTA: 9

19 de fevereiro de 2011

Dente Canino (2009)

Um filme de Yorgos Lanthimos com Aggeliki Papoulia e Hristos Passalis.

Filhos são partes importantes da vida, porque é a partir deles que as pessoas mantêm sua hereditariedade presente a cada era que se passa. Além do mais, filhos são as nossas próprias marionetes. Da maneira que forem educados, eles podem se tornar pessoas bem-sucedidas ou psicopatas, já que boa parte de uma personalidade provém da educação que lhe foi concebida. De um modo ou de outro, as crianças vão, aos poucos, adquirindo uma independência e liberdade da vida paterna para poder construir seus próprios laços familiares. Mas e quando os pais se mostram incapazes em verem seus filhos livres e fazem tudo para que esse destino inevitável não aconteça? Dente Canino é um relato bastante controlador feito em moldes relaxados e calmos para revelar o quão extremista pode ser um humano ao se ver no poder de algo ou de alguém.
Uma família, composta por uma mãe, um pai e três filhos (Christos Stergioglou, Michelle Valley, Aggeliki Papoulia, Mary Tsoni e Hristos Passalis), mora nos subúrbios de uma cidade grega, numa casa bastante isolada da sociedade. Cercando a casa, há um muro alto que as crianças - agora já adultas - nunca passaram. Toda a informação que eles recebem provém dos pais, que fazem de tudo para que o mundo exterior não influencie a cabeça dos filhos. A situação fica cada vez pior quando as crianças começam a questionar coisas que não fazem mais tanto sentido no mundo criado pelos pais.
O problema da situação vivenciada por Dente Canino é a falta de um livre arbítrio instituída por uma visão unilateral, de uma voz que afirma saber tudo e é recebida como verdade absoluta. Esse mesmo motor que gera a tensão gera também o problema geral do filme, já que este não se interessa em mostrar soluções, apenas consequências cada vez mais drásticas. E o resultado final, produto de uma tensão sem igual digna de um filme de Michael Haneke, é assombroso. Fora isso, o filme ainda vale por suas cenas regadas à ingenuidade de pessoas que vivem num mundo de mentira. A cena inicial do filme mostra os três filhos aprendendo as palavras do dia, palavras do nosso cotidiano só que com definições alteradas para poderem se adaptar a uma realidade vivida no espaço residencial daquela família. O que é uma situação comum vivida no espaço cinematográfico é retratado para o espectador cheio de um humor negro indescritível, junto com um embaraço defronte à cena.
O resto pode ser definido em devaneios sadomasoquistas numa viagem superprotetora que o diretor Yorgos Lanthimos explora com afinco. Mas o afinco dele não promove razões motivadoras, apenas as ações contam no longa metragem. O filme lembra bastante uma obra de Shyamalan, A Vila, pelo fato dos personagens serem induzidos a acreditar em apenas um fato que não é coerente com uma verdade universal. É a criação de uma sociedade alternativa com seus próprios valores. E os valores não são dos melhores, já que para os pais conseguirem manter os filhos longe de uma sociedade, eles mentem e corrompe a ética e a moral inúmeras vezes, por um objetivo desconhecido. Manter a pureza e a inocência nos filhos? Acho isso bastante difícil, já que os fatos oferecidos pela família destroem essas duas características por completo. Definiria como pais querendo ter todo o poder e controle de seus rebentos. O filme apresenta também, algumas das cenas mais tensas que já vi na minha vida. A direção relaxada e a fotografia clara apenas promovem uma calma inexistente nos 94 minutos da sessão.
O ritmo da sessão pode ser facilmente comparado ao de uma montanha russa. Quando nos surpreendemos com uma cena de pura malícia e crueldade, mas vista como apenas um castigo, as próximas três se apresentam devagar, para instigar o público a querer sempre mais. O filme se mantém inacabado aí, pois ele insiste nesse ritmo desde o seu começo até o seu desfecho, não dando espaço para uma conclusão plausível ou o fim de uma discussão sobre o espaço de parentes para a construção do caráter de seus filhos. A curiosidade pelo nunca visto sempre surge, de um modo ou de outro. E quando essa surge, o correto a fazer é mostrá-la para pessoas incapazes de encará-la frente a frente ou então encobrir uma mentira com uma outra mentira? A curiosidade prevalece na mente dos filhos, e é tão bem explorada que rendeu um dos desfechos mais assustadores que já vi. Por mais que o cinema grego ainda tenha que melhorar bastante em técnica para atingir espaço no ramo cinematográfico mundial, os personagens foram bem trabalhados com o que foi oferecido para o público.
A sensação que Dente Canino traz é a mesma de um soco no estômago, seguido de uma bala na mente. A inversão de valores de uma sociedade ética para uma família amoral é intensa, e o diretor consegue captar bem esses momentos. A simbologia trazida através de metáforas, gera várias comparações entre proteção e controle, que não deveriam existir para uma família "correta". A pena do filme é que ele não traz uma conclusão, nem o que levou à situação principal. A obra parece ser feita inteiramente num clímax infinito. Porém, o Oscar acertou ao, finalmente, indicar a película à melhor filme estrangeiro. Por mais que não ganhe nada, vale a indicação, por mostrar um filme milênios à frente da obra mais perturbadora da indústria Hollywoodiana.
NOTA: 7

17 de fevereiro de 2011

127 Horas (2010)

Um filme de Danny Boyle com James Franco.

Para mim, Danny Boyle é um dos melhores diretores da atualidade. Vi poucos filmes dele até agora, mas que fizeram valer a pena o tempo de duração e que sempre surpreendem por uma direção diferente feita em cima de um roteiro que poderia se tornar um fiasco se não colocado em mãos certas. Foi exatamente isso que ocorreu com seu sucesso de 1996, Trainspotting, pois duvido que algum outro diretor pudesse ironizar com tanto bom-humor uma história de jovens viciados em heroína. 127 Horas é o nome da vez. Indicado a 6 Oscar, incluindo o tão cobiçado melhor filme, é o típico filme que poderia não ser esse sucesso todo. Não é todo mundo que consegue criar uma história onde o cenário e a situação são constantes, e mesmo assim se caracterizar como um filme tenso. Isso já foi visto em 2010 em outro filme, Enterrado Vivo, com Ryan Reynolds. Mas o que não tinha nele, 127 Horas tem de sobra: humor, que é conferido por Boyle e por um grandioso James Franco.
Baseado em fatos reais, o filme segue contando a história de Aron Ralston (James Franco), um alpinista que, em maio de 2003, teve o braço preso numa fenda na região montanhosa de Utah, Estados Unidos. O drama que ele passou nas suas 127 horas preso na pedra são indescritíveis nesse relato incansável por uma esperança de sobrevivência, que mistura passado, presente, memórias, possibilidades e redenções.
A direção de Boyle é um grande diferencial. Visões inusitadas entre cenários belíssimos de uma região pouco explorada dos Estados Unidos são o mínimo que ele pode oferecer para um público sedento de uma história tensa. E ele consegue criar tensão e mais um pouco na história real de Aron Ralston. Todo o drama criado para a situação de um membro preso numa pedra se junta, amigavelmente, com emoções conferidas pelo personagem principal através de lembranças, memórias, revelações e planos futuros. Arrependimentos rodeiam o espectador no relato de 5 dias cheios de emoções fortes, e quando se menos espera vem a cena mais aguardada do filme, que está fazendo pessoas vomitarem e desmaiarem ao redor do mundo. E acho desnecessário ressaltar que boa parte da densidade dessa tal cena é culpa de uma câmera envolvente que não perde nenhum momento. Cenas vistas através de garrafas d'água quase vazias, pela visão de uma terceira pessoa inexistente e, principalmente, de uma filmadora que capta momentos de puro êxtase até uma tristeza profunda são instigantes e completamente necessárias no filme, que também tem uma ótima edição.
Por mais que os enquadramentos e planos do filme sejam ótimos para manter o público entretido num roteiro que poderia se tornar cansativo facilmente, nada seria a mesma coisa sem o segundo diferencial do filme, que é um excelente James Franco na melhor atuação de sua carreira. Ele consegue manter um ritmo invejável ao longo dos 90 minutos de duração sem perder uma graça irônica e uma esperança quase cega que o mantém vivo em sua luta por sobrevivência, e isso tudo sem sair do personagem. A batalha entre vida e morte do protagonista nos leva para dentro das telas para ter de sofrer tudo o que ele sofre. E o terceiro diferencial do filme é uma carga forte do próprio Aron Ralston, encarnado na figura de James Franco, passando uma mensagem clichê de uma forma bem mais marcante: nunca desista. A esperança e a vontade do personagem de conseguir reviver os melhores momentos e consertar os erros da vida são enérgicas, agora que ele já consegue visualizar um possível fim nessa situação inusitada que se encontra. E tudo é acompanhado e regido por músicas rápidas de um A.R. Rahman - que também já compôs para Boyle a trilha sonora de Quem Quer Ser Um Milionário? - e ainda seguidas pela deliciosa voz da cantora Dido, acentuando toda a tensão vista durante a obra com a música If I Rise.
E aqui temos mais uma obra forte. A força de vontade do personagem é intensa como a excelente atuação de James Franco, que, se não fosse por Colin Firth, seria meu favorito para um Oscar merecidíssimo de melhor ator. Por mais que não haja uma mudança no cenário, o diretor tenta fazer, com sucesso, o longa ficar o menos maçante possível, explorando diversos meios para inovar seu filme. Danny Boyle não decepciona como diretor ao retratar uma história cujo peso só aumenta ao se revelar baseada em fatos reais. E o peso dessa história é maior que uma pedra de uma tonelada. Porém, ambos cumprem o dever: retratar uma vida cheia de erros, que nunca é tarde demais para ser revertida.
NOTA: 9

14 de fevereiro de 2011

O Discurso Do Rei (2010)

Um filme de Tom Hooper com Colin Firth, Geoffrey Rush e Helena Bonham Carter.

Todo povo precisa de uma voz para representá-los de um modo que melhor lhes favoreça. Que a voz tenha ideias concisas e coesas, que a voz consiga ver os dois lados de uma situação desesperadora, que a voz transmita segurança para o povo que conduz. Mas se essa voz não consegue nem ao menos se segurar e mostrar força, imagine quando ela governa uma das maiores potências, ainda mais num estado caótico pré-Guerra Mundial. O Discurso do Rei, um dos favoritos ao Oscar de melhor filme e o indicado a mais categorias na premiação - 12, no total - tem um charme próprio conferido pelo ar vitoriano trazido à narrativa, isso junto da ótima direção de Tom Hooper, que mescla efeitos envolventes com a trama e com uma trilha sonora característica e aguçada de Alexandre Desplat. Porém, ainda falta algo na história de O Discurso do Rei para torná-lo uma obra prima. É um filme divertido, muitíssimo bem feito e bem humorado, mas para por aí.
O filme conta uma história de superação por trás da figura do Rei George VI (Colin Firth), o pai da rainha Elizabeth II, a atual monarca do Reino Unido. George, marido da rainha Elizabeth (Helena Bonham Carter), tem um sério problema para representar seu próprio povo. Ele não é capaz de fazer discursos ou pronunciamentos graças a uma terrível gagueira que o atormenta por sua insegurança em seu papel na sociedade britânica. Como o futuro iminente sugere que ele comece a se pronunciar mais em relação ao povo inglês, sua mulher procura um terapeuta da fala para auxiliar o marido em seu problema. A partir daí, a família real se junta ao pouco convencional Lionel Logue (Geoffrey Rush), que ajuda o rei a estabelecer uma segurança e criar uma voz para representar a seu povo e a si mesmo.
Sobre técnica, o filme está impecável. Alexandre Desplat é competente e cria uma atmosfera para reavivar a visão inglesa que temos nas quase duas horas de sessão. A direção está excelente ao criar planos diferenciados, uma visão turbulenta para reproduzir o olhar dos personagens, ângulos nada convencionais ao mostrar uma terapia para curar a gagueira e os enquadramentos ora distanciados, ora colados nas figuras históricas que aparecem em características cômicas na tela. A fotografia de época que traduz uma Inglaterra fria combinada com um figurino de cores mortas traz um ritmo ainda mais essencial para o funcionamento do longa. O que há de errado n'O Discurso do Rei é um roteiro altamente emocional, feito para agradar a todas as idades. Em certas cenas, que mostram até um descaso com a figura real por seus súditos, o que prevalece não é o tom biográfico traduzido numa história de superação, é um humor de situações não convencionais para uma lição vir como se estivesse sendo mostrada num filme de comédia. E aí mora o pecado da obra: ao converter seu drama em cenas divertidas, ele acaba perdendo um tom que tenta recuperar no desfecho da sessão.
Os personagens seguem à risca um roteiro sentimental e tentam mostrar, diferentemente da história, a relação entre a monarquia e os súditos, e como ela consegue ser bem vista. Aí mora boa parte do humor, imagine só, um rei saindo de seu castelo para visitar diariamente um subúrbio inglês? A sorte é que aí não se veem tantos erros, pelo simples fato de que os atores e atrizes são altamente competentes nas transfigurações para os personagens. Helena Bonham Carter está sublime, a doçura e razão exaladas por sua personagem quando em cena são contagiantes, e é quase impossível conter alguns risos de frente a sua personalidade extrovertida. É uma pena que ela apareça tão pouco no filme, se sua personagem fosse mais aproveitada ela ganharia facilmente o Oscar de melhor atriz coadjuvante. Geoffrey Rush é outro que aposta num bom humor típico ao interpretar, brilhantemente, um terapeuta que, ao longo do tempo, se torna um psicólogo e um amigo para o rei. A fuga do ortodoxo revela a verdadeira faceta do médico, que se torna necessário para um fim digno de rei.
Mas a parte dramática inteira fica na ótima atuação de Colin Firth. A tarefa de um rei, antes de tudo, é auxiliar seu povo em momentos difíceis, é ter a própria voz como um referencial a ser seguido nesses tempos. Mas o rei não acredita em si próprio, e a sua voz está danificada por isso. Como ele auxilia um povo se não consegue auxiliar a si mesmo? A cada minuto que passa, o personagem de Colin Firth se torna cada vez mais inseguro, e mostra isso em suas explosões para com a família, esta sendo representada por um Guy Pearce que não aparece e provoca o irmão mais novo através de uma gagueira incontrolável. Depois de ver um irmão companheiro morrer, um irmão mais velho zombeteiro e pais rígidos que acompanham um método tradicional para a formação do futuro do Reino Unido, ele fica gago resultante de todos os problemas emocionais que lhe afetaram direta ou indiretamente. Um homem impotente não deveria ter um cargo tão importante nas decisões de uma nação inteira. E, ao se ver repentinamente a dois passos do trono e ainda mais perto de uma Guerra de consequências devastadoras para seu reino, ele tem de esquecer esse seu problema, que só foi ganhando campo ao longo dos anos. Por mais que boa parte das emoções no filme soem artificiais, é uma bela história de superação, no fim das contas.
Tudo no filme parece perfeito se olhado apenas de um modo estético. Tudo está em seu devido lugar, minuciosamente detalhado, trabalhado competentemente para uma soma entre atuações de um elenco espetacular e um visual bem-feito. Mereceria seus 12 prêmios se o teor do filme fosse tão frio quanto o cenário em que a história é retratada. O humor é bem vindo para O Discurso do Rei não se tornar enfadonho em sua duração, mas esse mesmo humor acaba estragando a essência do filme. No fim das contas, não é um filme sobre a vida do Rei George, mas que poderia ser retratado em situações semelhantes numa periferia atual. O aspecto antigo é que traz a glória a um filme que dá vida ao drama de uma gagueira em busca de superação, não na história marcante de um rei com dificuldades em guiar um povo, tão perdido quanto ele mesmo.
NOTA: 8

11 de fevereiro de 2011

Não Me Abandone Jamais (2010)

Um filme de Mark Romanek com Carey Mulligan, Andrew Garfield e Keira Knightley.

O filme é traiçoeiro. Ele consegue misturar uma tonelada de histórias bonitinhas que não renderiam nada se fossem colocadas num contexto normal com uma trama dramática intensa, e isso misturado com o elenco que faz parte de Não Me Abandone Jamais rende um filmaço. Através de uma discussão até boa para chegar ao nível de crueldade que alguém pode chegar para o bem comum - esse bem comum merece mesmo esse nome? - o filme conta, delicadamente, uma história melancólica até demais e muito sensível. Mas o que é esse filme? É apenas mais uma obra de ficção feita para reproduzir nas telas o belíssimo livro de Kazuo Ishiguro ou pode até ser considerada uma profecia para uma medicina que condena vidas e salva outras? Mark Romanek é esperto ao mostrar um lado da história que ninguém vê, que é o amor onde não deveria haver vida.
Quando criança, Kathy H. (Izzy Meikle-Small) vivia em Hailsham, um internato inglês junto com várias outras crianças que se acreditavam especiais em tudo e eram afastadas de um mundo externo que nunca conheceram. Nenhuma das crianças parecia se importar com o fato, até porque tinham medo do mundo de fora. Kathy vivia então desse modo, com seus amigos Tommy (Charlie Rowe) e Ruth (Ella Purnell). Mas, num dia, a nova professora revela para os alunos o que há de tão especial neles. Eles crescem, carregando o peso dessa revelação nas costas e tendo de conviver com isso diariamente. Porém, por mais que tudo isso seja chocante o bastante, Kathy (Carey Mulligan), já crescida, sente falta de seus anos escolares. Quando nada mais parece dar esperanças à Kathy, ela revê seus amigos Tommy (Andrew Garfield) e Ruth (Keira Knightley), ambos já vivendo com o fardo que é o destino deles. Agora, depois de tantos anos, ela quer reviver sua amizade e seus amores, já que o tempo não é mais seu amigo.
O filme é desesperador e tocante. Crueldade? Quem sabe. Não há mais distinção de humanidade para as crianças de Hailsham. Os entregadores olham para as crianças com uma melancolia no olhar. Os novos professores tem receio dos estudantes por saberem de um segredo chocante demais para crianças dessa idade conseguirem suportar. Muitos nutrem por eles um sentimento em especial. Amor, confiança? Nada passa de pena. E o problema é que compaixão não consegue mudar nada no mundo, então todos têm de conviver com a crueldade humana, que insiste em mudar a própria culpa num destino não escolhido para ninguém. Mas acredito que a situação posso chegar a isso algum dia, e todos ainda não se considerarão culpados. O que é um sacrifício a mais ou a menos para um avanço imenso na cura para diversas áreas da medicina? O simples do filme é que nada mostrado é considerado um sacrifício, simplesmente porque não conseguem aceitar o caráter humano dele.
A humanidade se perdeu. Ela só surge do lugar mais inesperado, um lugar onde não deveriam haver humanos. O que é humanidade? É sentir pena e compaixão de outras pessoas e não conseguir se mover para ajudá-las a superar essa carga? Ou é conviver com um peso árduo diariamente, sabendo que os dias estão contados, mas ainda ter, acima de tudo, esperanças? O sentimentalismo do filme é o separador de águas da sessão. Achava que Carey Mulligan tinha interpretado o papel de sua vida no simplista Educação, mas sua personagem aqui é tão forte quanto o marco de sua carreira. Centrada e racional, às vezes se mostrando até não emocional para comover, Mulligan se move com brilhantismo em sua personagem. Ninguém no longa tem motivos para sorrir, e é essa falta de sentimentos que o torna tão melancólico. Podem até achar que me equivoquei aqui, mas é exatamente isso. O filme mostra personagens aparentemente sem sentimentos, que foram forçados a acreditar que não deveriam sentir, tendo emoções fortíssimas resultantes de relações amorosas de amor e amizade. Um filme sentimental sem sentimentos, exalando tristeza.
As relações sociais vividas por Kathy são representadas em duas partes tão fortes quanto a protagonista. Ruth é a melhor amiga de Kathy, e isso marca a vida das duas. Mas a humanidade do filme não para em mostrar apenas os bons sentimentos de um humano, e sim mais do que isso. Ruth não vive só de amizade. Por mais que ela seja amiga de Kathy, ela ainda tem de ser o centro de atenções, para parecer uma pessoa que não é para fugir de uma existência que nunca quis. Ela é invejosa, ela é ciumenta, ela é ardilosa. Ela acaba com vidas para conseguir o que quer, não importa que vidas sejam, não importa se a vida seja a dela própria. Por mais que Ruth se escondesse atrás de sua falsidade e ciúmes, ela prezava por uma amizade inacabada cada vez mais e mais. Além da amizade, ainda temos o amor, representado pelo personagem inseguro do ótimo Andrew Garfield. A paixão da infância permanece viva enquanto as almas gêmeas desse romance se separam e começam a morrer ao chegar perto de sua "data de validade". Por mais que as pessoas morram, o amor ainda continua vivo. Kathy e Tommy lutam para escapar de suas obrigações para com a humanidade, e lutam forte o bastante para comover o espectador e fazer crer num verdadeiro amor entre os dois, um amor impossível que se torna até possível.
Nesse turbilhão de sentimentos, os jovens se tornam pessoas. As pessoas é que se tornam piores ao condenar jovens almas que nunca fizeram nada para merecer o que lhes foi reservado. A falta de luta dos personagens, a falta de uma rebeldia, apenas mantém os jovens cada vez mais humanos, ao aceitar com condescendência o destino. Os jovens sobrevivem de sentimentos, lembranças, memórias, amores, amizades, e assim suportam a vida que lhes foi dada e sonham com uma vida que lhes foi privada. As pessoas apenas tentam achar justificativas para não se julgarem tão más assim, para dizer cada dia a si mesmo: "toda essa dor é necessária". Necessária mesmo? Uma direção competente de Mark Romanek caracteriza a parte dramática do filme ao misturar cenários de extrema solidão de uma Londres fria, isso junto com uma fotografia escura com tons amarelados e azuis. E tudo isso feito belissimamente. Outro fator que só auxiliou foi a ingenuidade dos personagens, que nos deixam cada vez mais próximos deles. Carey Mulligan move a história com força junto de Andrew Garfield, altamente competente e com uma carreira promissora, e Keira Knightley, que tem uma atuação extremamente boa e crível em sua personagem com personalidade forte. Ainda há a trilha sonora de Rachel Portman, apenas aumentando o tom melancólico da fita com baladas amorosas.
É um filme extremamente bom. Cria um romance no meio de uma história que, sozinha, renderia um drama assistível e com forte impacto. Mas o foco do filme continua sendo o amor, ainda mais porque esse prevalece sobre o drama no filme, e o drama serve de base para a paixão mostrada nas telas. O amor - não apenas um sentimento, mas todos para alguém com quem você sente afeição - é a característica que torna Não Me Abandone Jamais um filme desumanamente humano ao mostrar o segundo lado de uma situação extremamente fria. É um círculo vicioso formado a partir de um coração batendo. E, por mais que esse coração seja feito para parar de bater, ele bate forte enquanto vive, luta e ama.
NOTA: 10

10 de fevereiro de 2011

Demônio (2010)

Um filme de John Erick Dowdle com Chris Messina.

Um filme, no máximo, claustrofóbico. Atinge sua missão, que é assustar e não lotar salas de cinema. Consegue estabelecer metáforas fortes entre o céu e o inferno. Cria uma atmosfera tensa que começa a rondar todo o filme, desde seu início vertiginoso que mostra várias visões de uma cidade mergulhada num terror diário que muitos deixam passar por um dia a dia corrido, até a hora em que os créditos começam a subir por uma tela negra, que aparece e assombra o espectador em curtos momentos durante toda a sessão, para encobrir o terror do filme e aumentar a tensão. Mas não mantém tudo isso até o final. Começa belíssimamente promissor, através de planos-sequências bem elaborados, mostrando cenas entre uma cidade invertida em vidro e em água e de como várias pessoas começam a se interligar em apenas um minuto vivido no mesmo ambiente. O problema é que o ritmo cai drasticamente ao tirar o suspense para misturar com uma crendice descartável.
Num dia praticamente normal, um suicídio é cometido num arranha-céu. No mesmo dia, no mesmo prédio, cinco pessoas tem os destinos unidos a ficarem presas num elevador: Um vendedor insistente, nervoso e desbocado (Geoffrey Arend); um mecânico calado, contido e misterioso (Logan Marshall-Green); uma moça jovem, bonita e perigosa (Bojana Novakovic); uma velha senhora irritada (Jenny O'Hara) e um segurança claustrofóbico e descontrolado (Bokeem Woodbine). Embora a situação seja até banal, os outros seguranças começam a ficar preocupados, principalmente ao ver que o elevador tem curtos-circuitos constantes e que nada funciona nele como deveria. Após o primeiro homicídio, eles cogitam a ideia de que o demônio está no elevador no corpo de uma das pessoas e prestes a mandar as outras quatro para o inferno. A vida de todos fica na mão do detetive Bowden (Chris Messina), um homem amargurado pela morte misteriosa da mulher e do filho, e que afoga suas mágoas no álcool.
Consegue mostrar sem exagero, ao meu ver, uma situação desconfortável que acaba virando uma luta por sobrevivência. Ao ter de se conviver com um desconhecido pelo mínimo de tempo que seja, dá para se esperar qualquer coisa. Não se dá para confiar em ninguém hoje em dia. E quando cinco pessoas duvidosas entram em um elevador que não sai mais do lugar? O filme é bem feito nesse ponto. A trama se completa aos poucos e até faz um suspense bem-vindo e agradável. As mortes começam a servir de base para uma trama ainda maior num espaço ainda menor que o de costume. Entre lutas para salvar a si próprio, vemos o quanto a situação no elevador é delicada ao longo da trama. Os constantes curto-circuitos criam meios alternativos de se ver o que acontece dentro de um cubículo apertado, e nada no escuro é muito agradável para se olhar. As cenas que se seguem após os apagões são dignas de um M. Night Shyamalan da era de O Sexto Sentido e de Corpo Fechado.
A atmosfera mais assustadora do filme vai pelo fato do elevador carregar a trama toda. Isso ele consegue, mas as cenas fora dele, mostrando uma busca policial guiada por crenças, são inacreditáveis, até mesmo para um filme de terror. Eu percebi alguma xenofobia no meio do filme? Alguém me explica porque todos os americanos aparecem como céticos seguidores da razão, - durante todo o filme, os personagens do elevador mal sabem do que acontece lá dentro, nem em pensamento - mas um mexicano aparece como um segurança religioso e fervoroso? E a partir daí só surgem mais e mais patetices ao misturar uma fé cega a uma situação aterrorizante. No elevador, há uma luta para se viver, o que aprofunda cada vez mais os personagens nele por mostrar a verdadeira personalidade de todos. Isso traz o espectador para a tensão criada, ainda mais quando há um jogo feito na película: quem é o demônio? Tudo fica escuro, não se pode ter certeza de nada, não se pode confiar em nada e em ninguém. E o filme não colabora a ponto de dar dicas de quem é o diabo ali. Incrível como o filme consegue se dividir nesses dois extremos, dentro e fora do elevador. Enquanto fora tudo parece ser mais descartável, dentro tudo se torna até mais crível e denso, mesmo que demônios estejam envolvidos. Há uma boa atuação de Logan Marshall-Green, de Bokeem Woodbine e de Geoffrey Arend, que fez um dos personagens mais irritantes que já vi.
Tudo no filme é movido a tensão. Os diferentes planos retratados por John Erick Dowdle aumentam uma expectativa do filme. A fotografia traz tons escuros bastante turbulentos em meio a uma iluminação nada convencional de um elevador em pane. Há duas atmosferas principais no filme inteiro: enquanto o lado de dentro tenta criar um bom filme de suspense e terror em meio a cenas de abrir a boca, embora em parte previsíveis, o lado de fora do elevador insiste em querer colocar razão num filme que não deveria tê-la e misturar uma drama policial com um thriller. Pode não ser um filmes mais indicados do gênero e muito menos o melhor dele que se apresentou nos últimos anos, mas ele cumpre a proposta, entretem até o último minuto, nem que ele seja o mais falso possível. E, convenhamos, Demônio é o melhor projeto que envolveu Shyamalan nesses últimos anos.
NOTA: 6

8 de fevereiro de 2011

Lendas da Paixão (1994)

Um filme de Edward Zwick com Brad Pitt, Anthony Hopkins e Julia Ormond.

Uma paixão não é sinônimo de felicidade. Algumas pessoas se ancoram numa paixão e lá encontram um porto seguro, uma alma gêmea. Agora a maioria se prende no ardor de um sentimento efêmero e correspondido para buscar algo que lhes faltava. Mas longe disso está a felicidade. Quando uma paixão passa e é substituída por rancor e não por amor, podem se causar sérios danos se uma vida já foi contornada em torno daquela paixão. Tudo começa a ser movido por uma vergonha, desonra, medo de uma sociedade, e tudo por não ter conseguido distinguir o verdadeiro de algo passageiro, bastante eloquente e traiçoeiro. Lendas da Paixão é o modo de se deixar levar por essa paixão desmedida, sem pensamentos em consequências, sem pudor do parceiro, sem valores morais, sem vergonha de uma sociedade para viver o calor do momento de uma alma que pode não transparecer sua verdadeira faceta nos primeiros momentos.
O Coronel William Ludlow (Anthony Hopkins) vive com seus três pequenos filhos num rancho afastado da cidade. O filho mais velho, Alfred Ludlow (Aidan Quinn) é sério, reservado, cortês, educado e não leva o pai a sério em suas crendices. O filho caçula, Samuel Ludlow (Henry Thomas) é o mais inseguro dos três pelo fato de ser o menor e tem de ser seguido por seus dois irmãos mais velhos. O filho do meio, Tristan Ludlow (Brad Pitt) é um aventureiro selvagem, o que o faz o filho preferido do pai por ser o mais ligado a suas crenças e por ter se relacionado desde cedo com os índios, que criaram essa parcela indômita de sua personalidade. Ambos mantém uma relação muito ligada através de seus laços de família, que foram valorizados durante todo o tempo. O tempo passa e Samuel fica noivo de uma bela mulher da cidade, Susannah Fincannon (Julia Ormond), que leva para passar um tempo no rancho e conhecer a família. O problema é que essa mulher traz um novo sentimento à vida dos irmãos, que pode resultar na quebra de laços de sangue.
O que move o filme é o desejo pela estranha mulher da cidade, toda refinada, com uma perspectiva diferente da vivida pelo campo. Ao se depararem com a situação inusitada e com a beleza de Julia Ormond, todos os irmãos se encantam, e não é para menos. A cobiça de todos os irmãos aflora exatamente nesse momento, e é uma cobiça que não para. Qual o limite de um desejo? Por mais que a mulher ame Samuel, o desejo irrefreável pelo selvagem Tristan, um homem misterioso com uma vida inesperada e distinta para a dama da civilização, não acaba. As vezes, o amor verdadeiro pode dar lugar a um desejo rápido, a diferença é a quantidade de felicidade que isso pode lhe fornecer ou pode lhe dar uma ilusão para fornecer. Ao desejar o amor do próximo, não há mais culpa, não há mais vergonha. A traição é uma barreira fácil de ser quebrada se a vontade não é consumada rápido, enquanto o desejo ferve nas entranhas. É algo perigoso que pode transformar relações de uma vida inteira numa rixa cruel num piscar de olhos.
Tristan é simplesmente o mais enigmático dos três, assim como o mais bem trabalhado. Sua atmosfera selvagem faz com que ele seja indomável em sua personalidade. Por mais que um desejo seja mútuo, ele não nasceu para ser um homem domesticado de uma donzela, ele nasceu para ser um homem selvagem da natureza. Essa característica selvagem que dá força ao personagem de um Brad Pitt que apresenta um desempenho ótimo em certas horas, mas em outras chegava a me fazer querer desistir do filme. É um personagem imprevisível. Vemos a força da ligação que Tristan tem com sua família a partir do filme. Como sempre foi criado com sua visão selvagem de um campo e não de algo cortês da cidade, ele começa a repugnar o que vem dela logo cedo. Sua mãe ausente é uma figura desinteressante na vida desse coração valente, por ter desistido do mundo que Tristan tanto preza. A namorada de seu irmão é uma mulher interessante, mas o melhor de tudo ainda é preservar os laços familiares do que se render por uma traição para com a família. E quando ele começa a se ver com um futuro reservado, numa cidade, ele foge para não encarar uma realidade da qual nunca quis: se ver preso, nem que esteja preso num relacionamento.
Susannah, interpretada com força por uma Julia Ormond excepcional, é o ponto de contradição do filme. Novamente, como num dos primeiros capítulos do livro mais vendido do mundo, a mulher que trouxe o caos para a terra em sua forma traiçoeira e sedutora. Mas dessa vez não é a forma feminina que acarreta as desgraças para uma família, é a origem disso. A cidade corrompeu o campo com sua visão distinta. Para Susannah, Tristan é o que mais lhe é cobiçado, seu extremo oposto, seu desafio interior. Não há uma graça para ela no homem que Alfred é, um homem na verdade tão parecido com ela que até renega o nome para poder viver um amor e ser feliz com ele. Mas a felicidade é mútua? O desejo de Susannah deixa sequelas. Por mais que Tristan esteja longe, sua consolação é esperar por ele num campo, o mais próximo dele que se pode ter. Mas esse desejo estava mais consumindo sua felicidade e lhe afogando com mágoas mais do que a divertindo e lhe rendendo prazer por dentro. Como esperar algo que não vai chegar? Alfred então lhe propõe ser feliz, mas ela consegue ser feliz sem amar, sem conviver com um desejo já consumado que só cresce a cada dia que passa pela falta de sua realização diária?
A família se mostra cada vez mais importante nesse impasse passional que se revela na trama. Samuel é como um elo entre os dois irmãos. Por mais que seja o menor, tanto Tristan quanto Albert se juntam no único interesse em comum que têm: o instinto de proteção para com o caçula da família. A morte dessa conexão familiar traz a morte na família. Albert finalmente se revela um político, o que o pai despreza com todas as forças desde seus tempos de guerra. Apenas Tristan insiste em manter um amor pela família, nem que isso significa abandonar o prazer. A relação conturbada entre os personagens de Aidan Quinn e de Anthony Hopkins, ambos com uma atuação eficaz e surpreendente, rende bons momentos no filme. De resto, ele fica com o roteiro que segura seu ritmo ao colocar uma rivalidade entre campo e cidade, entre amor e paixão, entre família e prazer, entre relacionamentos e instintos. Ainda há a fotografia de John Toll, que rendeu um Oscar merecido para o filme, uma trilha sonora embalante e presente, e ainda a direção de Edward Zwick.
"Algumas pessoas ouvem suas próprias vozes interiores e vivem de acordo com o que ouvem... essas pessoas se tornam loucas ou lendas". Ou talvez até os dois. A frase começa o filme com chave de ouro e já serve como uma previsão do que está por vir. Do início até o fim somos surpreendidos com personagens de psicológico forte, com convicções, ambições e sonhos. E no meio da vida de todos, surge um desejo inesperado para desequilibrar a mente dos protagonistas. O querer só fica mais forte quando ele se torna o poder por alguns instantes.
NOTA: 7

7 de fevereiro de 2011

O Turista (2010)

Um filme de Florian Henckel von Donnersmarck com Johnny Depp e Angelina Jolie.

Espero o filme sem qualquer ânimo, e minhas expectativas só se confirmaram. Gosto de Angelina Jolie como atriz e gosto de Johnny Depp como ator, assim como gostei do único outro filme de Florian von Donnersmarck, o menos hollywoodiano e mais original A Vida dos Outros, ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro de 2007. Depois dessa sua renovação do cinema alemão, poderia chutar qualquer coisa como seu próximo projeto, mas nunca me passaria pela cabeça que ele se renderia a uma fórmula banal da indústria cinematográfica, que é uma ação policial altamente previsível, envolvendo várias entidades secretas de espionagem, um romance latente e o marketing gerado pelos protagonistas em si, que mescla sensualidade com uma comédia pastelão. O resultado nada mais é do que uma diversão passageira, nada que mereça mais do que uma vista.
Elise (Angelina Jolie) é uma mulher casada com Anthony Zimmer, um homem perseguido tanto pela polícia quanto por criminosos para poder pagar pelos seus crimes, que envolvem um roubo milionário de um capitão da máfia. Ao Zimmer sumir do mapa, Elise é tida como alvo por ambos, mas Zimmer não deixa ela sem proteção. Quando vê que a polícia anda atrás da mulher, o criminoso pede para ela entrar em um trem e escolher um homem para fingir que é ele. Ao embarcar para Veneza, ela escolhe Frank Taylor (Johnny Depp), um turista que trabalha como professor de matemática na América. Logo ele descobre que está em sério perigo, mas não consegue esquecer a bela Elise, por quem ele se apaixonou perdidamente.
Ao se colocar juntos astros mundialmente conhecidos, é de se esperar que o público vá conferir o que resultou a história de amor entre Johnny Depp e Angelina Jolie nos cinemas. E tudo no filme é propício para esse romance florescer. Se há algo que agrada na sessão são os efeitos visuais e o cenário da sempre necessária e romântica Veneza. Juntando uma história de amor com a cidade das gôndolas, os corações mais fracos se derretem, ainda mais com uma fotografia tão bonita e iluminada nas principais cenas. O que acontece é simples. A paisagem parece demais para uma história entre Depp e Jolie. O romance entre os dois me pareceu extremamente forçado no filme inteiro. Nada é aprofundado na história para desenvolver uma relação mais realista entre Frank e Elise, já que ambos se apaixonam depois de um beijo sem sentimento algum e de dormirem uma noite no mesmo quarto, mas em locais diferentes. Talvez, se houvessem mais cenas na história necessárias para uma relação amorosa entre os protagonistas e menos cenas variando entre sedução e comédia desnecessária, o filme poderia ser melhor do que foi.
A atuação sai bem mediana no filme. Com toda a certeza, não é o melhor trabalho nem de Jolie, nem de Depp, mas os dois conseguem segurar uma plateia com um roteiro cheio de furos em suas ações, então eles conseguiram fazer algo de certo. Certo? Os dois vivem em universos tão distantes com seus personagens que a coisa menos crível a se acreditar é num romance entre ambos. Jolie faz a típica femme fatale de todos os seus filmes, com um figurino que merece uma ressalva. Mas tudo em sua personagem pode ser uma reciclagem do que ela já vem fazendo, com uma personalidade cheia de suspense e de mistério. Johnny Depp já é o oposto, e é aí que falta uma ligação entre os dois. Ele é o único elo que liga a comédia com o filme - outra característica que ele poderia abrir mão para se sair um pouco melhor. Embora consiga fazer risos verdadeiros com seu personagem atrapalhado, ainda há movimentos desnecessários e atitudes que não mantém seu personagem verdadeiro no filme. Ainda há Paul Bettany, que não peca ao parecer a única pessoa dedicada dos personagens e, parecendo ser, o único verdadeiramente dedicado do filme inteiro. O resto do elenco de O Turista fez o filme para se divertir.
Jack Sparrow, com todos os seus trejeitos lentos e cômicos, encontra Salt, uma espiã fatal e deliciosa, cheia de segredos. Esse é um bom resumo da história que O Turista tenta contar, uma ação já vista anteriormente contada em Veneza, para tentar misturar os mais variados sentimentos ao longo da sessão. Mas não funciona tão bem assim. O filme é feito para se ver, se divertir com uma história descompromissada e cheia de furos em seu roteiro (motivo para não ser levado a sério em lugar algum, imagine um Globo de Ouro), e dois dos atores mais cobiçados de Hollywood atualmente. Isso pela promoção que eles levam. O filme é um apanhado de duas carinhas bonitas que se juntaram apenas no intuito de mostrar que ambos se conhecem e podem fazer um filme. Um filme que não é ruim. Mas também não chega a ser bom.
NOTA: 4

5 de fevereiro de 2011

Cisne Negro (2010)

Um filme de Darren Aronofsky com Natalie Portman, Vincent Cassel e Mila Kunis.

O que é a perfeição? Afinal, ela é relativa? A perfeição pode vir numa forma limitada, num espaço entre as regras e a liberdade? Ou a perfeição é um dos extremos, afinal, ou as regras, ou a liberdade? Cisne Negro cria um relato assombroso de uma perfeição sem limites. Quais os valores para se ser perfeito? Vemos, durante toda a sessão, uma Natalie Portman altamente bipolar, hora insegura controlando seu corpo, hora exalando uma sensualidade sem igual se deixando levar pelos movimentos. Vemos uma direção sem limites de Darren Aronofsky, que cria uma atmosfera simples com uma fotografia escura para mostrar o irreal de forma a parecer verdadeiro. Temos os coadjuvantes, maestralmente interpretados pela belíssima Mila Kunis, o grandioso Vincent Cassel e a assustadora Barbara Hershey. Temos uma trilha sonora clássica que acentua o suspense dessa obra prima. E tudo isso, em busca da perfeição, unido, transforma Cisne Negro numa experiência única.
Nina Sayers (Natalie Portman) é uma bailarina que vive em Nova York. Ela, completamente insegura e submissa à mãe controladora, Erica Sayers (Barbara Hershey), é uma dançarina que se esforça em ser perfeita, seguindo todas as regras e não deixando revelar seus instintos. Essa sua busca por perfeição a faz roubar objetos de seu ídolo, a bailarina Beth McIntyre (Winona Ryder) que já está em seu fim de carreira. Nina, ao ver uma chance de reconhecimento e de atingir seu objetivo no papel principal do ballet "O Lago dos Cisnes", tenta convencer o diretor Thomas Leroy (Vincent Cassel) de que pode interpretar a Rainha dos Cisnes. O diretor vê que ela atinge um nível elevado ao interpretar o personagem Cisne Branco, mas não consegue ser natural fazendo o Cisne Negro. Com isso, surge uma rivalidade entre Nina e Lily (Mila Kunis), uma dançarina que consegue se movimentar sem parecer falsa. Mas essa rivalidade apenas aumenta a insanidade de Nina para que a obsessão dela se torne uma loucura.
Nunca vi uma atuação tão densa quanto a de Natalie Portman nesse filme. Falo e ainda repito. Não me importa que Edith Piaf tenha descido em Marion Cotillard em seu Piaf - Um Hino Ao Amor, mas Portman é o exemplo mais próximo de perfeição que posso estabelecer na minha mente. Sua personagem, extremamente bem trabalhada, é uma verdadeira faca de dois gumes. O filme gira em torno de Nina, uma dançarina louca. O que há em seu psicológico que a faz tão insana? Um desejo. O desejo pode atormentar as mentes até ele se concretizar. Alguns nunca se concretizam. Outros chegam perto do nunca para acontecerem. Mas quando um desejo se torna incompleto com o passar do tempo, a vontade de completá-lo sempre fica maior. Nina tem um desejo há tempos: ser perfeita. E Nina faz de tudo para isso. Mente, rouba, se utiliza de artefatos alheios, com uma vontade de se tornar outra pessoa, uma pessoa, a seu ver, completa. A perfeição está nos olhos de quem vê. Nina não conseguia se achar perfeita, e sua prova maior para a obtenção de seu objetivo era seu papel principal no Lago dos Cisnes. Para seu desejo se realizar, ela segue todas as regras possíveis. Dança com firmeza, contém seus instintos, pensa o tempo inteiro em suas ações. E isso a levaria a perfeição. Mas quando essa visão da perfeição e outra completamente diferente se chocam, o que sobra da personalidade dessa menina? Qual a verdadeira perfeição?
Nina é dura. Nina é frígida. Nina é contida. Nina é perfeita para ser um Cisne Branco, um personagem fechado, amoroso e altamente emocional. Mas e quanto ao Cisne Negro? Nina é altamente artificial em suas danças, segue à risca todos os passos possíveis que ela aprendeu para poder emocionar e surpreender seus espectadores. Mas quando tem de dançar verdadeiramente, ela vê que não é capaz. O Cisne Negro é um personagem sedutor, livre, aberto. E isso não é uma característica de Nina, é de Lily. Surge então uma inveja ou uma amizade entre as duas? Para um objetivo se tornar realidade, as pessoas são capazes de superar seus obstáculos, mesmo que esses obstáculos sejam outras pessoas? Nina não tinha mais um objetivo, nem um desejo. Tudo se tornou uma louca obsessão, que a movia e a fazia acreditar em instintos guardados em seu psicológico, que aparecem para o cumprimento de sua doença. A insanidade começa a controlar a vida da personagem de Natalie Portman, fazia ela ouvir e ver o que sua loucura lhe dizia. Lily, interpretada por Mila Kunis que está numa atuação digna de um Oscar de atriz coadjuvante, se torna alvo de sua rival. Na verdade, Lily é tão sedutora que atormenta os pensamentos, as excitações e os orgasmos de Nina.
Nada para Nina depois que sua paixão ensandecida toma conta de sua mente. Muito menos uma figura tida como protetora. Uma maravilhosa Barbara Hershey cria essa figura para tomar conta de sua filha. Mas até onde vai essa conta? Os laços familiares realmente protegem de tudo? Erica protegia sua filha lhe mostrando limites. "Sabia que você não aguentaria o papel". "Não saia hoje à noite". Isso é uma limitação resultante de uma proteção materna? Não. Erica também estava louca, louca de inveja de sua filha. A filha, culpada do fim de sua carreira como bailarina, do fim de seu sucesso, também não merecia sucesso. Não merecia o que tinha lhe tirado. Agora o que ganha essa batalha épica: Uma maternidade falsa e controladora, movida por uma inveja da filha, ou uma patologia em busca de ser perfeita, sem limites? A perfeição de Nina só tem um fim possível, que é a auto-destruição. Sua obsessão em ser o Cisne Negro acaba lhe afetando em seus relacionamentos, em suas ações, em sua personalidade, em suas características, em sua forma de ver as coisas.
A obra, repleta de boas atuações, ainda tem Vincent Cassel representando o diretor da peça. Ou o príncipe sedutor da Rainha dos Cisnes? A vida de Nina se torna o balé em pouco tempo, do mesmo modo que ela literalmente se transforma na personagem. O diretor Leroy serve como um ponto para atiçar o desejo de Nina por sua perfeição, já que ele é o maior cobrador dela no mundo em que Nina prefere viver. Nina respira o balé o dia inteiro, e a perfeição só vai ser obtida por intermédio deste. O longa consegue se segurar não só com a força de seus personagens e das atuações impecáveis, mas também com todos os efeitos técnicos. A fotografia escura e caótica, mesclando tons avermelhados, dá mais densidade ao filme, criando uma aparência assombrosa ao mundo do balé. A maquiagem é excelente e junto com o figurino eles fazem um show único. A apresentação de Cisne Negro é terrivelmente perfeita, e esses dois fatores só contribuíram para isso. A direção de Darren Aronofsky é eficaz ao extremo, criando cenas aparentemente simples para desenvolver efeitos resultantes de distúrbios psicológicos, confundindo o espectador continuamente entre a realidade e a insanidade da protagonista. A trilha sonora de Clint Mansell aumenta a tensão do filme, sempre presente enfatizando o clímax do filme e o roteiro não deixa nem um pouco a desejar.
A nova obra de Darren Aronofsky é uma obra prima. Duvido que alguém consiga criar um thriller psicológico tão forte com um filme recheado de silêncio feito todo no universo da dança. Se tem um filme que merece ganhar o Oscar, esse é Cisne Negro. Bem pontuado, bem dirigido, bem escrito, bem editado, bem montado, bem feito. É um filme para se guardar, para se pensar, para se conferir sempre que possível, pois um trabalho desses é de se admirar. Por mais que o filme busque a perfeição em seus personagens complexos e só a alcance através de um fim extremamente dramático e tenso, o único adjetivo que pode descrever perfeitamente Cisne Negro é esse: perfeito.
NOTA: 10

2 de fevereiro de 2011

Amor E Outras Drogas (2010)

Um filme de Edward Zwick com Jake Gyllenhaal e Anne Hathaway.

Os romances andam se desgastando com o tempo ao se misturar com comédias e trazer histórias bem clichês, com beijos forjados e uma relação pra lá de forçada entre o casal protagonista. Mas ainda há um modo de salvá-los, que é pregar pelo verdadeiro romance. Não é preciso uma situação cômica para se começar um, já que eles surgem do inesperado até o mais simples possível. O que é preciso é que haja sentimento, e não várias cenas e situações que tragam uma visão vaga e banal do amor. E Amor E Outras Drogas prega exatamente pelo sentimento. Culpa do casal principal, que tem uma química invejável em cena? Culpa de personagens que mesclam a comédia do segundo plano para criar um romance, e dessa vez verdadeiro? Culpa de Edward Zwick, ao dirigir algo com bom-humor e veracidade? Seja lá o que for, o longa é inegavelmente um filme delicioso em todos os aspectos.
1996. Jamie Randall (Jake Gyllenhaal) é um vendedor charmoso de uma loja de eletrônicos. Todo esse seu charme o leva à demissão, o que faz ele arranjar um emprego como representante da indústria farmacêutica Pfizer, vendendo o antidepressivo Zoloft e o antibiótico Zithromax. Embora ele consiga vender o antibiótico bem, o Zoloft é um fracasso devido a forte concorrência com o Prozac. Ao tentar usar sua sedução para convencer os médicos a receitarem o Zoloft, ele acaba conhecendo Maggie Murdock (Anne Hathaway), uma jovem com a síndrome de Parkinson que não se interessa em sérios relacionamentos. Aos poucos, ambos começam a se interessar um pelo outro, até que, após tantas noites de sexo sem compromisso, eles acabam se apaixonando inevitavelmente.
O que acontece para o filme conseguir se segurar na paixão verdadeira dos dois? Química. Jake Gyllenhaal e Anne Hathaway formam um dos casais mais reais que já vi no cinema. Os dois separados no filme são bons, mas os dois juntos se completam nas cenas, variando entre o sexo até que o amor aparece. Outro fator que agrada são as excessivas cenas de nudez e sexo, que se tornam constantes no filme. E isso tudo sem nenhum pudor, o filme consegue ficar mais real do que nunca. Uma pena que o fim tenha se rendido a um daqueles desfechos previsíveis, tentando levar o espectador às lágrimas, mas o resto do filme se sustenta muitíssimo bem com uma relação impressionante dos protagonistas, que vai evoluindo aos poucos até se tornar bastante tangível.
Um dos problemas do filme é a comédia, que vai perdendo o lugar para o drama e não se freia num momento certo. A fórmula do riso fica por conta do irmão de Jamie, interpretado pelo mais caricato possível Josh Gad, que aparece muito nos momentos errados, trazendo comicidade para o que deveria ser um momento triste ou reflexivo. O resto da comédia do filme está em Jamie Randall e sua vida vendendo fármacos numa sociedade nem um pouco ética. O filme atinge o auge de sua graça quando a Pfizer faz sua droga mais conhecida, o Viagra. Os médicos trocam a ética pelo prazer de um modo bem rápido. O jovem representante que tinha de subornar secretárias para trocar medicamentos agora se torna o favorito dos médicos que já não conseguem satisfazer a parceira por muito tempo. Logo depois, há o ápice do drama. O casal principal não consegue coisas ao enfrentar o nervosismo. Jamie não conseguia uma ereção no momento em que se declarava apaixonado por Maggie, daí surge o Viagra e seu lugar na história. Mas ao mesmo tempo que a droga atinge a popularidade máxima, começam as decaídas da parceira. Maggie começa a tremer mais ainda ao se ver numa situação desconfortável, e aí começa uma busca por uma cura do mal de Parkinson. O que move a busca por essa cura? O verdadeiro amor que ele declamava ou uma paixão superficial baseada em sexo bom, que não duraria muito tempo se o Parkinson atingisse uma fase avançada?
Nenhum buscava um amor na relação apenas carnal do sexo sem compromisso, mas ambos acabam encontrando o que não queriam. Jamie é um garoto sem expectativas, que largou a faculdade de medicina para viver uma vida que todos sonhavam. Todos, exceto ele. Por mais que ele aproveite sua farra transando com a maioria das personagens femininas do filme, ainda há um ressentimento por não ter conseguido se formar. E ele esconde essa mágoa no sexo banal, sem ter de ficar com uma mulher por mais de uma noite. O verdadeiro amor o obriga a encarar de frente esse seu arrependimento. Maggie não se ama. Embora seja incrivelmente sexy, ela atribui o Parkinson como o terror da sua vida, e por isso evita contato com quem quer que seja para evitar o amor. Ao se deparar apenas uma vez com um relacionamento que acabou após a descoberta de sua doença, ela para de acreditar e perseguir o amor verdadeiro, convivendo com sua patologia como se fosse uma maldição que a impedisse de ter sentimentos. O amor se apresenta no filme como a droga que pode curar a mágoa dos dois. A paixão que ambos nutriam é suficiente para Jamie voltar a faculdade e ter mais confiança em si mesmo na cama com uma parceira fixa e suficiente para Maggie arranjar sua dependência do Parkinson no parceiro. Em certa cena, ao Maggie fazer um boquete para Jamie, ele diz que ela é a pílula azul dele. O amor realmente substituí o Viagra, no fim das contas.
Um filme incrivelmente bom. Realmente, não abre mão de certos jargões da comédia-romântica, nem se esforça para resolver a história sem pieguice. Mas a obra insiste em colocar mais do que piadas em sua duração, ao construir passo a passo as várias etapas de um amor verdadeiro. E Amor E Outras Drogas ainda une o bom ao agradável ao criar personagens com um sex appeal real, já que ambos não precisam de fórmulas de virilidade para se satisfazerem. Há atores que agradam mais e são tão sensuais hoje em dia quanto Jake Gyllenhaal e Anne Hathaway? Se houver, aposto que não tem a ligação dos dois, que é a chave que move o filme.
NOTA: 8